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Solução Funcionalista Sistêmica (A Contribuição de Günther Jakobs)

No documento Neurociências e culpabilidade (páginas 60-64)

3 CULPABILIDADE E LIBERDADE

4 A QUESTÃO DO LIVRE ARBÍTRIO NO PÓS-FINALISMO

4.2 AS PRINCIPAIS ALTERNATIVAS AO “PODER ATUAR DE OUTRO MODO”

4.2.1 Solução Funcionalista Sistêmica (A Contribuição de Günther Jakobs)

O Funcionalismo, principalmente representado pela teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, analisa o Direito a partir do sistema social, compreendido como um sistema único, de essencial complexidade e cuja função seria de resolver conflitos atinentes à questão dos contratos sociais, os quais se direcionam por meio das expectativas quanto às condutas que se estabelecem socialmente236.

A formação da sociedade pressupõe a redução de complexidade, embora a própria ordem social implique no surgimento de mais complexidades, que necessitam ser

234 ROXIN, Claus. Derecho Penal: Parte General. Tomo I:Fundamentos.La Estrutura de la Teoría del

Delito, Op.Cit, p.235.

235 Nesse sentido: Francisco Muñoz Conde, Eugenio Raúl Zaffaroni, Santiago Mir Puig, Armin

Kaufmann, Enrique Gimbernat Ordeig, Winfried Hassemer, Jorge de Figueiredo Dias, Hans Joachim Hirsch e José Cerezo Mir, Günther Jakobs, Claus Roxin e Bernd Schünemann.

reduzidas por meio de subsistemas operacionais autônomos, como, por exemplo, o Direito, a Ciência, a Religião, etc., sendo que cada um desses subsistemas cuidará de uma parcela da complexidade de acordo com o seu código específico (no Direito: lícito/ilícito) 237.

Os problemas de comunicação dentro do sistema derivariam das denominadas decepções quanto às expectativas, responsáveis por reduzir a quantidade indeterminada de possibilidades de atuação, porém sempre revelando o risco de constituírem uma surpresa e acabar por decepcionar o contrato social238.

Diante de tais contingências sistêmicas, Juarez Tavares sustenta que:

Luhmann busca resolver juridicamente às expectativas de condutas através da combinação das formas cognitiva e normativa de orientação dessas expectativas, de tal modo que as normas jurídicas, ao mesmo tempo, sejam capazes de adaptação às modalidades concretas dessas condutas, quanto de

sua própria manutenção, isto é, de garantir a segurança das expectativas239.

A solução cognitiva pretende garantir o aprendizado dos processos adequando-os ao fim de evitar a frustração de expectativas. De outra parte, a solução normativa se refere a aplicação de sanções para garantir a estabilidade de tais expectativas. Nesse contexto, a aplicação da norma penal representaria contrafaticamente uma expectativa estabilizada da conduta, de modo que o sistema restaria legitimado por si mesmo, por meio de um cíclico processo de aprendizagem e estabilidade240.

No que tange à culpabilidade, o funcionalismo a compreende como falta de fidelidade ao direito241. Nas Palavras de Juarez Tavares:

O autor será culpado quando seja considerado responsável pela falta de motivação quanto à norma que tenha infringido com seu comportamento típico e antijurídico,na medida em que essa falta de motivação não possa ser

desculpada sem que se veja afetada a confiança geral nessa norma242.

Günther Jakobs sustenta que o autor de um fato antijurídico tem culpabilidade quando a ação antijurídica não só indica uma falta de motivação jurídica dominante, mas também quando o autor é o responsável por tal falta. Essa responsabilidade se dá quando a falta de motivação corresponde a um déficit, vale dizer: “Esta responsabilidade por um

237 PORCIÚNCULA, José Carlos. La exteriorización de lo interno: sobre la relación entre lo objetivo y

lo subjetivo en el tipo penal. Tese para optar al título de doctor en Derecho. Universitat de Barcelona. Dierector de la tesis: Prof.Dr.h.c.mult.D.Santiago Mir Puig, p.230.

238

TAVARES, Juarez. Culpabilidade: a incongruência dos métodos, Op.Cit, p.150.

239 Ibidem, p. 152. 240 Ibidem, p.152. 241

Ibidem, p.153.

déficit de motivação jurídica dominante, em um comportamento antijurídico, é a culpabilidade. A culpabilidade se denominará como falta de fidelidade ao Direito ou, sucintamente, como infidelidade ao Direito” 243.

Günther Jakobs sustenta quatro requisitos positivos da culpabilidade:

a) o autor deve se comportar antijuridicamente; b) deve ser imputável, ale dizer, um sujeito como capacidade de questionar a validade das normas; c) deve atuar desrespeitando o fundamento da validade das normas; d) a depender da classe dos delitos, as vezes deve concorrer os elementos especiais da culpabilidade 244.

De acordo com o Funcionalismo sistêmico defendido pelo mencionado autor alemão, a punição se afirma para manter a confiança na norma e a credibilidade no sistema, revelando-se, dessa maneira, a sua defesa pela prevenção geral positiva. O conceito de culpabilidade não deve se orientar para o futuro, mas para o presente, na medida em que o Direito Penal contribui para estabilizar o ordenamento245.

Para a determinação da culpabilidade é importante verificar aqueles fundamentos motivadores da ação antijurídica, pelos quais se deve considerar o autor como responsável. Tal ideia se baseia no que Günther Jakobs denomina de alcance da responsabilidade e existe com independência de suposições sobre se o autor, no momento do fato, possui ou não livre arbítrio246.

Ainda nesse contexto, adverte o citado autor que o âmbito em que se afirma a culpabilidade de determinado sujeito é, ao mesmo tempo, um âmbito livre, de autodeterminação, porém não no sentido de livre arbítrio, mas sim na falta de obstáculos juridicamente relevantes para a prática dos seus atos. Para Günther Jakobs, a essência da culpabilidade está umbilicalmente associada ao fim da pena, qual seja, a prevenção geral positiva. Senão, veja-se:

[...] Dito enfáticamente: na realidade essa teoría pretende imaginar , precisamente o inverso, a situação motivadora do autor, substituindo-a por uma situação determinada por generalização; os motivos para isso e os

243

JAKOBS, Günther. Derecho Penal: Parte General: Fundamentos y teoría de la imputación. 2. ed., Madrid: Marcial Pons, 1997, p.566: “Esta responsabilidad por un déficit de motivación jurídica dominante, en un comportamiento antijurídico, es la culpabilidad. La culpabilidad de denominará en ló sucesivo como falta de fidelidad al Derecho o, brevemente,como infidelidad al Derecho”.

244 Ibidem, p.567, no original: “a) El autor debe comportarse antijuridicamente; b)debe ser imputable, es

dicer, un sujeito con capacidad de cuestionar la validez de las normas; c) debe actuar no respetando el fundamento de validez de las normas; d)según la clase de delito, a veces deben concurrir especiales elementos de la culpabilidad”.

245

Ibidem, p.567.

limites desse procedimento, todavía, se derivam exclusivamente de

considerações sobre o fim da pena247.

Dessa maneira, é possível trazer duas questões adicionais ao citado conceito de culpabilidade defendido por Günther Jakobs, quais sejam: a prescindibilidade do libre arbitrio para a construção da sua tese e a existência, no âmbito da culpabilidade, de um tipo positivo e negativo248.

Os fundamentos motivadores da ação ilícita não pressupõem nenhuma relação com o libre arbitrio, haja vista que tal conceito carece de representação social, vale dizer, se a pena cumprir a sua função de asegurar a estabilidade social, a verificação de alternativa de comportamento do sujeito torna-se irrelevante249.

Pode-se concluir que a relação entre liberdade e responsabilidade para Günther Jakobs, não se assenta no libre arbitrio, mas sim na circunstância de que a responsabilidade do sujeito independe da supervisão dos outros250.

De acordo com teoria da prevenção geral positiva enunciada por Günther Jakobs é possível extrair uma tríplice função da pena: “o exercício na confiança da norma, o exercício da confiança no Direito e, finalmente, o exercício na aceitação das consequencias do comportamento violador”251

.

Contudo, conforme registra José Carlos Porciúncula, a teoria da pena de Günther Jakobs sofreu uma mudança radical a partir de 1995, passando a considerar como finalidade precípua da pena a manutenção da identidade normativa da sociedade, deixando em segundo plano as eventuais consequências psicológicas que a mesma possa produzir, seja a nível coletivo ou individual. Dessa forma, a pena perde qualquer dimensão

247 JAKOBS, Günther. Derecho Penal: Parte General: Fundamentos y teoría de la imputación,Op.Cit,

p.586, no original: “Dicho gráficamente: en realidad esta teoria pretende imaginar, precisamente a la inversa, la situación motivatoria del autor, sustituyéndola por una situación determinada por generalización; el motivo para ello y los límites de este procedimiento, sin embargo se derivan exclusivamente de consideraciones sobre el fin de la pena”.

248 Ibidem, p.587. 249 Ibidem, p.587. 250

Ibidem, p.588.

251 PORCIÚNCULA, José Carlos. La exteriorización de lo interno: sobre la relación entre lo objetivo y

lo subjetivo en el tipo penal, Op.Cit, p.233, no original: “el ejercicio en la confianza hacia la norma, el

ejercicio en la fidelidad al Derecho y, finalmente, el ejercicio en la aceptación de las consecuencias del comportamiento defraudatorio”.

empírica, situando-se, somente, no âmbito simbólico, aproximando-se bastante, de uma concepção que muito se aproxima do pensamento retributivo hegeliano 252.

Posteriormente, em 2004, a teoria da pena de Günther Jakobs tomou um novo rumo, passando a incorporar fatores empíricos na sua formulação. Vale dizer, para que as expectativas normativas continuem a manter a sua vigência e credibilidade mesmo diante de um fato contrário a elas, deve-se ter em conta um certo apoio cognitivo a fim de gerar orientação social. Ou seja, para que exista a preservação da fidelidade de todos ao ordenamento jurídico, torna-se de especial relevância que se produza medo nos potenciais transgressores253. Como assevera José Carlos Porciúncula:

O que se verifica, portanto, na última fase da teoria da pena de Jakobs é uma reelaboração cognitiva da mesma. A prevenção geral positiva e a prevenção geral negativa, antes vista como funções latentes, agora passam a integrar a própria noção de sanção criminal. Se relativiza a distinção anteriormente realizada entre pessoa e indivíduo, porque aquele não pode prescindir do suporte empírico deste254.

No documento Neurociências e culpabilidade (páginas 60-64)