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Soluções de equações diofantinas lineares

Uma solução para uma equação da forma

a X + bY = c (27)

em que a, b, c ∈ N, a e b não ambos nulos, é um par (x0, y0) é um par de números naturais para o qual a igualdade em (27) acima vale quando (X , Y ) = (x0, y0).

Notemos que para a ou b não-nulo temos d = mdc(a,b) 6= 0 e d|ax + by para quaisquer naturais x e y portanto ax + by = c se, e só se, d|c. Então

ax + by = c ⇐⇒ a dx + b dy = c d ademais mdc(da,db) = 1, portanto toda equação diofantina linear

a X + bY = c

é equivalente — tem as mesmas soluções — de uma equação reduzida a

na qual os coeficientes são coprimos.

Uma equação a X + bY = c em que mdc(a,b) = 1 tem solução em N se, e somente se, c pertence ao conjunto

S(a, b) = {xa + yb : x, y ∈ N}

portanto, precisamos estudar os elementos do conjunto S(a, b) ou do conjunto de lacunas de S(a, b): L(a, b) = N \ S(a,b).

A equação a X + bY = c, onde mdc(a,b) = 1, tem solução em N se, e somente se, c ∉ L(a,b). Primeiro notemos que c ∈ S(a,b) se, e só se, existem únicos n,m ∈ N, n < b, tais que

c = na + mb.

De fato, se c ∈ S(a,b) então c = xa+yb e x = bq+n com n < b, portanto, c = (bq+n)a+yb = na+(qa+y)b. A recíproca é imediata.

Proposição 34. L(a, b) = {na − mb ∈ N: m,n ∈ N, n < b}.

Demonstração. Pelo exercício32, item2existem naturais x, y tais que c = (cx)a − (c y)b e, dividindo cx por b, temos c = (bq + n)a − (c y)b. Agora,

c =      na + (qa − c y)b ou na − (c y − qa)b portanto se c 6∈ S(a,b) então c = na − (c y − qa)b.

Corolário 35. Se c ≥ (b − 1)(a − 1), a equação aX + bY = c admite solução nos naturais. Demonstração. Note que o conjunto L(a, b) é finito e o seu maior elemento é (b − 1)a − b.

Teorema 36. Suponha que a equação a X +bY = c, com mdc(a,b) = 1, tenha solução e seja x0= m, y0= n a única solução com m < b. As soluções (x, y) da equação são dadas pelas fórmulas x = m +tb e y = n −t a, para todo t ∈ N tal que n − t a > 0.

3 Números primos e Teorema Fundamental da Aritmética

Um natural p > 1 é primo se os únicos divisores de p são 1 e p; se p > 1 não é primo então é dito composto; logo, por definição, se n é composto então admite um divisor d tal que 1 < d < n, logo existe um 1 < q < n tal que n = d q.

Decorrem da definição os seguintes fatos: Se p e q são primos, então p|q ⇒ p = q. Também, se p 6 |a então mdc(a, p) = 1.

Exercício 37. Se a 6= 0,1 e

D0(a) := {n : n > 1 e n|a} (28)

então o menor elemento de D0(a) é um número primo.

Solução. D0(a) 6= ; pois a ∈ D0(a). Se m := minD0(a) é composto então m = d q para algum d, 1 < d < m. Como d |m e m|a temos, por transitividade, d|a.

Como m é menor elemento de D0(a) e d < m, temos m 6∈ D0(a), ou seja, d ≤ 1, uma contradição. Proposição 38 (Proposição 30, livro VII de Elementos de Euclides, 300 aC). Sejam a, b 6= 0 naturais. Se p é primo e p|ab então p|a ou p|b.

Demonstração. Sejam a, b, p naturais como enunciado. Se p 6 |a então mdc(p, a) = 1 e pelo exercício32, item 3, p|b. Analogamente, p 6 |b ⇒ p|a.

Corolário. Se p é primo e p|a1a2· · · an, então p|ai para algum i . Em particular se a1, . . . , ansão primos

então p = ai.

Demonstração. Segue por indução (verifique).

Teorema 39 (Teorema Fundamental da Aritmética (TFA)). Todo natural maior que 1 ou é primo ou pode ser escrito de maneira única, a menos da ordem dos fatores, como um produto de primos.

Demonstração. Provemos usando indução em n que o predicado P (n) :=”n ou é primo ou é produto de primos” é verdadeiro para todo n > 1.

P (2) é verdadeiro.

Suponha k > 1 é um natural e P(n) é verdadeiro para todo n ∈ {2,3,4,...,k}. Provaremos que P(k + 1) é verdadeiro. Pelo exercício37

m := minD0(k + 1)

é primo. Se m = k + 1, então k + 1 é primo, senão 1 < m < k + 1 é um primo que divide k + 1, i.e, tal que k + 1 = m · q. Como q < k + 1, P(q) é verdadeiro, ou seja, q é primo ou um produto de primos, logo m · q é produto de primos.

Pela 2ª forma do PIF, P (n) é verdadeiro para todo n > 1.

Agora, provaremos que a escrita de n como produto de primos é única a menos da ordem dos fatores. Se esse não é o caso, seja n o menor natural que pode ser escrito como diferentes produtos de primos

n = p1p2· · · pa= q1q2· · · qb

e pelo Corolário acima p1= qjpara algum j , ademais p1= qj≥ q1. Analogamente,

q1|p1p2· · · pb

logo para algum i , q1= pi≥ p1. Portanto, p1= q1.

Pela minimalidade de n,

p2· · · pa= q2· · · qb⇒ a = b e pi= qi

uma contradição.

Assim, para todo n > 1 existem p1< p2< · · · < pkprimos eα1,α2, . . . ,αk∈ N \ {0} univocamente deter-

minados tais que

n = pα1 1 p α2 2 · · · p αk k (29)

que chamamos de fatoração canônica de n em primos. Reforçando, essa descrição de n é única. Por exemplo

84 = 22· 3 · 7, 120 = 23· 3 · 5 e 350 = 2 · 52· 7

As vezes usamos o expoente 0 em fatores primos quando queremos, por exemplo, escrever dois in- teiros diferentes como produto dos mesmos primos. Assim

23· 32· 7 · 11 = 23· 32· 50· 71· 111· 130· 170 2 · 52· 13 · 17 = 21· 30· 52· 70· 110· 131· 171 Proposição 40. Se n = pα1 1 p α2 2 · · · p αk k e d > 1 divide n então d = p β1 1 p β2 2 · · · p βk

k com 0 ≤ βi≤ αi para todo

i .

Esboço da demonstração. Para cada primo p, se pβ|d e d|n então pβ|n. Como n = pα1

1 2 2 · · · pα k k temos pβ|pαi

i para algum i , portanto, p = pi e 0 ≤ βi≤ αi.

Exercício 41. Considere os naturais a, b > 1 com as respectivas fatorações a = pα1

1 22· · · pα k k e b = p β1 1 p β2 2 · · · p βk k

(aqui permitimos expoentes nulos). Defina para cada i γi:= max{αi,βi} δi:= min{αi,βi} e prove que mdc(a, b) = pδ1 1 2 2 · · · pδ k k mmc(a, b) = pγ1 1 p γ2 2 · · · p γk k .

Exercício 42. Quantos divisores tem n, para qualquer n > 1? Solução.

d (n) := (α1+ 1)(α2+ 1) · · · (αk+ 1) (30)

Exercício 43. d (n) é ímpar se, e só se, n é um quadrado perfeito. Solução. n = pα1

1 · · · p

αr

r

d (n) ímpar ⇔ αi+ 1 ímpar (∀i )

⇔ αipar (∀i ) ⇔ n = µ p α1 2 1 · · · p αr 2 r ¶2

Para n 6= 0 e p primo Ep(n) denota o expoente da maior potência de p que divide n.

Proposição 44. Se m, n são naturais então

m = n ⇐⇒ Ep(m) = Ep(n)

para todo p primo.

Demonstração. A proposição m = n ⇒ Ep(m) = Ep(n) é imediata.

Suponha que Ep(m) = Ep(n) e considere os conjuntos

Pm:= {p primo : Ep(m) > 0} = {p primo : Ep(n) > 0} =: Pn

Em:= {Ep(m) : p ∈ Pm} = {Ep(n) : p ∈ Pn} =: En.

SePm= ; = Pnentão m = n = 1, senão

Pm= {p1, . . . , pk} = Pn

e como Epi(m) = Epi(n) para todo i , temos m = n. Assim, vale que para todo primo p

Ep¡mdc(m,n)¢ = min©Ep(m), Ep(n)ª

3.1 A distribuição dos números primos

Historicamente, um problema que recebe atenção considerável por parte dos matemáticos é o da dis- tribuição dos números primos no conjunto dos números naturais. A distribuição dos números primos dentro deN tem muitos problemas desafiadores, como a conjectura dos primos gêmeos, da infinitude de números de Fibonacci (respec., de Mersenne) que são primos. Além desses, existe um primo entre n2 e (n + 1)2? Existem infinitos primos da forma n2− n + 41? São perguntas difíceis de responder a respeito da distribuição dos primos.

Seja

p1, p2, p3, . . . , pn, . . .

a sequência dada por todos os números primos em ordem crescente. Primeiro, provaremos que a sequên- cia é ilimitada.

Teorema 45 (Euclides). Há infinitos números primos.

Demonstração. Se p1, p2, . . . , prsão todos os números primos então

n = p1p2· · · pr+ 1

pode ser escrito como o produtos desses primos, mas se pi|n então pi|1, um absurdo.

Exercício 46. Prove que pn≤ 22

n−1

. (Dica: indução e pn+1≤ p1p2· · · pn+ 1)

Outra demonstração do teorema de Euclides. Vamos mostrar que para todo natural n existe um primo maior que n. Para tal, tome p um fator primo do número n! + 1. Se p ≤ n então p|n! por definição de fatorial. Se p divide n! e n! + 1 então p divide a diferença desses números, i.e., p|1, portanto p = 1, um absurdo que estabelece p > n.

Prova de Krummer. Se p1, p2, . . . , pr são todos os números primos então o número n = p1p2· · · pr > 2 e

n − 1 tem um divisor primo piem comum com n, então pi|n − (n − 1), i.e., pi|1, uma contradição.

Sabemos que há primos consecutivos arbitrariamente distantes:

Proposição 47. Para todo natural n > 1, existem n naturais consecutivos e compostos. Demonstração. Dado n, tomemos a sequência de n números consecutivos

(n + 1)! + 2,(n + 1)! + 3,...,(n + 1)! + n + 1 é divisível, respectivamente, por 2, 3, . . . , n + 1, portanto, nenhum é primo.

Por outro lado, conhecemos pares (pn, pn+1) de primos consecutivos que estão o mais próximo pos-

sível pn+1− pn= 2. Esse primos são chamados de primos gêmeos. Por exemplo, são primos gêmeos

(3, 5), (5, 7), (11, 13), (17, 19), (29, 31), (41, 43), (59, 61), (71, 73), (101, 103), (107, 109) É atribuído a Euclides a seguinte conjectura

Conjectura dos primos gêmeos. Há infinitos primos gêmeos.

Em geral sabemos pouco sobre o comportamento de pn+1− pn. Até recentemente não se sabia se

lim inf(pn+1− pn) é finito, quando em 2013 Zhang mostrou que lim inf(pn+1− pn) < 70.000.000 num

trabalho que surpreendeu a comunidade dos especialistas em Teoria dos Números; esse limitante tem sido melhorado e nomomentovale lim inf(pn+1−pn) < 246 (de fato, menor que 6 sob certa hipótese que

não se sabe ainda se é verdadeira). Se se conseguir reduzir para 2, a conjectura dos primos gêmeos fica provada.

Crivo de Eratóstenes

Os números primos até n podem ser obtidos por um método conhecido como Crivo de Eratóstenes (curador da biblioteca de Alexandria).

Lema 48 (Eratóstenes, 230 ac). Se n > 1 não é divisível por nenhum dos primos p tais que p2≤ n então n é primo.

Demonstração. Se n é composto então tomamos q o menor primo que divide n. Então n = qm com q ≤ m, logo q2≤ mq = n e q|n, uma contradição.

Notação bpnc := max{x ∈ N: x2≤ n}.

Os números primos até n podem ser obtidos por 1. Liste todos os números de 2 até n

2. Para cada i ∈ {2,3,...,bpnc}: se i está na lista então apague os múltiplos de i maiores que i . Por exemplo, para conhecer os primos menores que 60 excluímos das lista 2, . . . , 60 os múltiplos de 2, 3, 5, 7.

Os naturais que sobram depois desse processo não são divisíveis pelos naturais x ∈ {2,3,...,bpnc} para os quais vale que x2≤ n por definição de bpnc.

Figura 1: Primos até 120 pelo crivo de Eratóstenes.

Densidade de primos — o teorema dos números primos

Denotemos porπ(x) : R+ → N a quantidade de números primos que são menores ou iguais a x. Por exemplo

x 0 1 2 3 4 5 6 7 π(x) 0 0 1 2 2 3 3 4 Claramenteπ(pn) = n e, de forma geral, π(x) = n se pn≤ x < pn+1.

Figura 2: gráfico deπ(x), 0 ≤ x ≤ 15.

A função π(x) foi estudada por vários matemáticos notáveis antes que uma aproximação razoável para ela fosse encontrada e devidamente demonstrada.

Comecemos derivando um limitante inferior paraπ(x) a partir do exercício46. Para todo x, se 22nx < 22n+1então n ≤ log2(log2x) < n + 1 e π(x) ≥ π(22

n

) ≥ π(pn) = n, portanto,

π(x) ≥ log2(log2x).

que, por volta de 1735, verificou a identidade para todo k > 1 ∞ X n=1 1 nk = Ã X α1≥0 1 21 ! Ã X α2≥0 1 32 ! · · · Ã X αr≥0 1 prkα2 ! · · · = ∞ Y i =1 Ã X αi≥0 1 pkαi i ! ⇒ ∞ X n=1 1 nk = ∞ Y i =1 1 1 −p1 ik . (31)

Para k = 1 o lado esquerdo da equação acima diverge.

Prova de Euler para o teorema de Euclides. Fixe k = 1 em (31). Se a quantidade de primos é finita então o lado esquerdo de (31) diverge enquanto que o lado direito é finito, uma contradição.

Euler ainda mostrou queP

p1/p diverge e que, por isso, há infinitos números primos. Mais que isso,

comoP

n1/n2converge, então deve haver mais primos que quadrados, o mesmo vale para cubos, etc,

logoπ(x) > x1−εpara qualquerε > 0.

Mais uma demonstração do teorema de Euclides, agora usando Cálculo. Para todo x ∈ [n,n + 1] temos Z x 1 1 tdt ≤ 1 + 1 2+ 1 3+ · · · + 1 n≤ X m∈Rx 1 m

onde Rx:= {m ∈ N : p|m e p primo ⇒ p ≤ x}. Como todo m ∈ Rxé escrito de forma única comoQp≤xpαp

temos X m∈Rx 1 m= Y p≤x à X k≥0 1 pk ! com X k≥0 1 pk = 1 1 −p1 portanto X m∈Rx 1 m= Y p≤x à 1 1 −1p ! = π(x) Y i =1 µ p i pi− 1 ¶

e de pi≥ i + 1 temos pi/(pi− 1) ≤ (i + 1)/i consequentemente π(x) Y i =1 µ p i pi− 1 ¶ ≤ π(x) Y i =1 µ i + 1 i= π(x) + 1 portanto, ln(x) = Z x 1 1 t dt ≤ π(x) + 1

e como ln(x) não é limitado,π(x) também não é, isto é, π(x) → ∞ quando x → ∞. Isso prova que há infinitos números primos.

Da demonstração acima

π(x) > ln(x/e).

Legendre e Gauss, independentemente, analisando tabelas de primos chegaram à conclusão de que π(x) ≈ x

ln(x)

e Chebyshev foi primeiro a dar uma prova definitiva para a ordem de grandeza deπ(x) 0,92 < π(x)x

log(x) < 1,11

além de mostrar que se o limite deπ(x)/xlog(x)−1existe quando x → ∞, então o limite é 1.

Por volta de 1900, Hadamard e de la Vallée-Poussin, independentemente, provaram o profundo re- sultado chamado de Teorema dos Números Primos e cujo enunciado simplesmente é

Teorema (Teorema dos Números Primos). lim x→∞ π(x) x log(x) = 1. (32)

Figura 3: comparação da aproximação dada no teorema.

Esse resultado tem uma justificativa heurística que para x ≥ 2, a probabilidade de que um natural em [1, x] não seja divisível por p é (1 − 1/p) portanto, assumindo independência (que, de fato, não vale) temos que a probabilidade de p ser primo éQ

p≤x(1 − 1/p) ≤ 1/ln(x).

Exercício 49. Deduza do teorema dos números primos que pn∼ n ln(pn) ∼ n lnn onde an∼ bn significa

3.1.1 A Hipótese de Riemann

Em 1859, Bernhard Riemann, foi eleito para a Academia das Ciências de Berlim onde apresentou a mo- nografia Sobre o número de números primos que não excedem uma grandeza dada. É aqui que surge a hipótese de Riemann, um dos mais famosos, senão o mais famoso, problema em aberto da Matemática, um um dosProblemas do MilêniodoClay Mathematics Instituteque oferece um prêmio de 1 milhão pra quem resolvê-lo.

A função zeta de Riemann é a função

ζ(s) = X∞

n=1

1 ns

para s ∈ C que, quando Re(s) > 1, converge e vale (veja a equação (31)) ζ(s) = Y

p primo

1 1 − p−s.

Riemann provou que essa função pode ser estendida para s ∈ C \ {1}. A hipótese de Riemann diz respeito aos zeros desta função fora do domínio da convergência

Hipótese de Riemann, 1859. Seζ(s) = 0 com 0 ≤ Re(s) ≤ 1 então Re(s) = 1/2.

É possível provar que não há zero no eixo Re(s) = 1, esse resultado é equivalente ao teorema do números primos.

Como uma consequência das muitas consequências da veracidade da hipótese de Riemann na Teo- ria dos Números citamos a precisão no erro da distribuição

¯ ¯ ¯ ¯π(x) − Z x 0 1 ln tdt ¯ ¯ ¯ ¯≤ 1 8π p x ln(x) ∀x ≥ 2657 de fato, a hipótese de Riemann é equivalente aπ(x) = R0xln t1 dt + O(px ln(x)).

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