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3.3-Soluções do Direito Português e possíveis alterações

No ordenamento jurídico português, por vezes, é difícil saber a quem compete autorizar a intervenção médica quando o adulto se encontra numa situação de incapacidade, isto é, será o Tribunal a decidir ou a nomear um representante, ou deverá ser a família a decidir, ou ainda o Ministério Público como legal representante dos incapazes a decidir? Ou porventura, deverá o médico estabelecer um juízo de consentimento presumido? Este problema levanta-se em casos não urgentes, quando não existe perigo de vida ou de agravamento do estado de saúde do paciente, pois, nos casos urgentes, o médico pode intervir imediatamente de acordo com os artigos 8º da CEDHBio e 156º n.º2 do CP.

A CEDHBio, através do artigo 6º n.º3176, remete a solução para o direito interno, não estabelecendo qualquer ordem para prestar o consentimento. O CDOM, no artigo 46º, estabelece directivas importantes, pois, institui uma ordem de prioridades ao dar destaque, em primeiro lugar, ao representante legal, seguindo-se as directivas antecipadas de vontade, atribuindo depois importância ao melhor interesse do paciente permitindo que o médico faça um juízo de consentimento presumido, e, por fim na hierarquia, atribui importância à ajuda que os familiares podem dar para demonstrar qual a vontade dos pacientes, caso lhes fosse possível manifestá-la.

Pode ser defendido que, nas situações em que o incapaz não tem um representante legal atribuído, deva ser o Ministério Público, de acordo com o seu Estatuto, a suprir o consentimento.177 O artigo 5º n.º3 do supracitado

176 Cfr. Artigo 6º n.º3 CEDHBio: “Sempre que, nos termos da lei, um maior careça, em virtude de

deficiência mental, de doença ou por motivo similar, de capacidade para consentir numa intervenção, esta não poderá ser efectuada sem a autorização do seu representante, de uma autoridade ou de uma pessoa ou instância designada pela lei. A pessoa em causa deve, na medida do possível, participar no processo de autorização”.

177 Cfr. Estatuto do Ministério Público artigo 3º n.º1 “Compete, especialmente, ao Ministério Público: a)

Representar […] os incapazes […]” e artigo 5º n.º1 al. c) “O Ministério Público tem intervenção principal nos processos: c) Quando representa incapazes, incertos ou ausentes em parte incerta” e n.º4 al. a) 4 - O Ministério Público intervém nos processos acessoriamente: a) Quando, não se verificando nenhum dos casos do n.º 1, sejam interessados na causa as Regiões Autónomas, as autarquias locais, outras pessoas

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Estatuto refere que, quando o Ministério Público actua “em […] representação de incapazes […] a intervenção principal cessa se os respectivos representantes legais a ela se opuserem por requerimento no processo”, pelo que lhes é atribuído um papel relevante.

No mesmo sentido aponta o Decreto-Lei n.º272/2001, de 13 de Outubro, ao estatuir no artigo 3º n.ºs3 e 4178 que, quando a causa de pedir seja a incapacidade ou a ausência da pessoa e ainda não esteja decretada a interdição ou inabilitação, ou verificada judicialmente a ausência, é citada a que for considerada mais idónea de entre as seguintes: o representante do incapaz, o procurador ou o curador do ausente, o seu cônjuge ou parente mais próximo e o próprio incapaz, se for inabilitado. No caso de haver mais de um parente no mesmo grau, é citado o que for considerado mais idóneo. Após tal procedimento, determina o artigo 3º n.º5 que: “O Ministério Público decide depois de produzidas as provas que admitir, de concluídas outras diligências necessárias e de ouvido o conselho de família, quando o seu parecer for obrigatório”.

Entendimento distinto tem JOÃO VAZ RODRIGUES ao defender que se

deve, nas situações em que o incapaz não tem representante legal atribuído, nomear um tutor provisório que tenha poderes suficientes para “que celebre em nome do interditando, com autorização do Tribunal, os actos cujo adiamento possa causar-lhe prejuízo”179

ou, em substituição, ser decretado o estatuto de representação provisória, como prevê o artigo 142º do CC.180 Defende o

colectivas públicas, pessoas colectivas de utilidade pública, incapazes ou ausentes, ou a acção vise a realização de interesses colectivos ou difusos.”

178

Cfr. Decreto-Lei n.º272/2001, de 13 de Outubro, ao estatuir no artigo 3º n.ºs3 e 4: “3-São citados para, no prazo de 15 dias, apresentar oposição, indicar as provas e juntar a prova documental: a) Nos casos previstos na alínea a) do n.º1 do artigo anterior, o representante do incapaz ou o procurador ou curador do ausente, o seu cônjuge ou parente mais próximo e o próprio incapaz, se for inabilitado; havendo mais de um parente no mesmo grau, é citado o que for considerado mais idóneo; b) Nas situações previstas na alínea b) do n.º1 do artigo anterior, o parente sucessível mais próximo do incapaz ou, havendo vários parentes no mesmo grau, o que for considerado mais idóneo.

4 - Nos casos de suprimento do consentimento, em que a causa de pedir seja a incapacidade ou a ausência da pessoa e ainda não esteja decretada a interdição ou inabilitação ou verificada judicialmente a ausência, aplica-se o disposto na alínea a) do número anterior, com as necessárias adaptações”.

179

Cfr. RODRIGUES, João Vaz – ob. cit., p. 218; e COSTA, Adalberto – A Acção de Interdição e Inabilitação, ob. cit., p. 42.

180

Neste sentido vide, também, RIBEIRO, Geraldo Rocha – A Protecção do Incapaz Adulto no Direito Português, ob. cit., p. 248.

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mesmo autor, tendo por base o artigo 257º do CC181, que os actos praticados pelo próprio incapaz se devem orientar pelo regime da incapacidade acidental.182 Para além disso, sugere este autor que “perante uma incapacidade que se desconhece se está juridicamente declarada poderá o agente médico actuar sob a alçada do privilégio terapêutico, caso a intervenção não possa ser adiada até que a incapacidade desapareça, se esta for acidental e previsivelmente de duração limitada, ou até que seja encontrado o representante legal, ou familiares, que, pelo menos, elucidem e auxiliem o processo de tomada de decisão”.183

A actual legislação foi elaborada com a finalidade de proteger os interesses patrimoniais do adulto incapaz, como se verifica pela análise das normas do CC e, também, do Decreto-Lei n.º272/2001, de 13 de Outubro, até porque estabelecem prazos alargados não compagináveis com casos médicos, mesmo que se tenha em consideração a urgência prevista no n.º2 do artigo 160º do CPC.184 É neste sentido que concordamos com ANDRÉ GONÇALO DIAS

PEREIRA, quando defende que as normas do ordenamento jurídico português

procuram solucionar “os problemas jurídicos de falta de consentimento de um incapaz, nos casos de direito dos contratos, de direitos reais ou de direito patrimonial da família”.185

A mesma visão é corroborada GERALDO ROCHA

RIBEIRO ao referir que: “(…) não há na génese do nosso Código Civil, um

sistema de protecção do incapazes maiores. O que há é uma protecção fragmentada, decalcada da incapacidade por menoridade, sem atender às reais especificidades do incapaz adulto”.186

181 Cfr. Artigo 257º do CC: “1. A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se

encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário.

2. O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar.”

182 Cfr. RODRIGUES, João Vaz – ob. cit., p. 218-219. 183 Cfr. RODRIGUES, João Vaz – ob. cit., p. 220.

184 Veja-se, por exemplo, o artigo 3º n.º3 do referido Decreto-Lei que estabelece “[…] 15 dias para

apresentar oposição, indicar as provas e juntar a prova documental […]”. Cfr. Artigo 160º n.º2 do CPC: “Os despachos ou promoções de mero expediente, bem como os considerados urgentes, devem ser proferidos no prazo máximo de dois dias”.

185

Cfr. PEREIRA, André Dias - O Consentimento Informado na Relação Médico Paciente, ob. cit., p. 258.

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Analisada a legislação nacional, é possível apurar que não foi delegado no médico ou na família o direito de representar o incapaz, mas, exclusivamente, um direito desta última a ser ouvida para ajudar o médico a estabelecer a vontade presumível do paciente, pelo que, sempre que a situação o possibilite, deverá ser o representante legal, um tutor provisório ou o Ministério Público a representar o adulto incapaz. Todavia, o recurso ao Ministério Público é diminuto, excepto nas situações obrigatórias, como são os casos do internamento compulsivo por anomalia psíquica, a doação de órgãos inter vivos de dador incapaz por anomalia psíquica e da esterilização de incapazes por anomalia psíquica, muito devido ao facto de tal processo ser lento, quando em causa estão situações que, mesmo não sendo urgentes, requerem alguma rapidez.