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CAPÍTULO 2. PATRIMÔNIO COMO HISTÓRIA DE UMA ARTE NOSSA

2.4 O SPHAN, ENTRE VANGUARDAS E LEGADOS

Assim, dentre tantas ações do Ministério da Educação e Saúde, importa citar uma das principais instituições culturais do país, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional- SPHAN (1937-1970). Alocado junto ao Ministério da Educação, sob o comando de Gustavo Capanema e um grupo de intelectuais, o SPHAN se consolidaria como instituição e traçaria aos poucos políticas culturais bastante vanguardistas para o cenário do patrimônio brasileiro.

63 Capanema representa não só um intelectual com poder, mas um visionário ao interpretar o que tinha como potencial para o projeto de país, com desenvolvimento de ações e profundos desejos de desenvolver o setor cultural por vias diversas onde buscaria apoio de seus parceiros.

Sendo um dos homens fortes de Vargas, Gustavo Capanema contou com total apoio governamental para criar e desenvolver uma política efetiva de fomento a construção de monumentos e de preservação do patrimônio histórico nacional. Entendendo que o patrimônio histórico e artístico constitui-se ‘documentos’ de uma arquitetura da nação, e que estes determinam o formato da lembrança que um povo desenvolve de si, criou, mediante o Decreto–lei nº 25, de 30-11-1937, o “Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional”. O novo órgão foi encarregado da gerência do patrimônio histórico e artístico. É dessa fase que surge um grande marco visual e simbólico para o projeto nacionalista de Getúlio Vargas, refiro-me ao edifício sede do Ministério da Educação e Saúde na Capital Federal de então, Rio de Janeiro, assim Capanema auxiliado por Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e outros arquitetos modernistas que participaram do concurso e derrotados são convidados por Costa para compor a equipe de profissionais, artistas plásticos entre outros intelectuais a elaborar o projeto deste marco do modernismo, colocando o país à frente no Movimento Modernista internacional, para muitos o edifício é tido como o primeiro edifício modernista construído no mundo.

Além de arquitetos, políticos e escritores, para reforçar a idenditade nacional imagética de forma pictórica, Lucio Costa chama o amigo e artista plástico Cândido Portinari que passa a ser responsável por realizar os murais que expressam a identidade do povo brasileiro com seus traços que remetem aos signos da brasilidade proposta por Mario de Andrade em seu inventário como ainda veremos adiante. Capanema segue importante nesse contexto, pois segundo Williams apud Machado, (2011, p 68):

As intervenções de Capanema na decoração do Ministério da Educação e Saúde revelam o gosto pela exaltação de uma arte essencialmente nacional e bela. Na pintura, ele certamente podia apreciar o cubismo e o abstracionismo, mas mostrou clara preferência pelo estilo figurativo, considerado o mais capaz de capturar a beleza nacional. Não por acaso, imagens de agricultores dominam os afrescos do salão de audiência do prédio do ministério; trabalhadores com fisionomia forte e saudável segundo a estética política nacionalista da época. (WILLIAMS, 2000, p. 267) apud Machado, (2011, p 68).

O Já citado, Rodrigo Mello Franco de Andrade a direção do SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), desde a data de sua criação, em 1937, até 1967. Se relaciona estreitamente com intelectuais progressistas e conservadores, desde nomes como

64 Mario de Andrade ao de Gilberto Freyre, e claro, o modernista Lucio Costa, buscou incansavelmente ampliar a preservação do patrimônio nacional, vide Decreto-Lei nº 3.866, de 1941 que dispõe sobre tombamento de bens no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Além da gestão Capanema dar maior ênfase ao projeto de integração cultural do povo brasileiro, por meio de investimentos no sistema de rádio difusão, e manifestações artísticas populares como a música, teatro e cinema, este último, com a criação do INCE, em 1937, tendo como nome importante o de Roquette-Pinto, inaugurando um cinema preocupado com as narrativas e uso da imagem para as massas, obviamente visando atender diferentes camadas e setores da sociedade, praticamente cria todo um sistema de indústria cultural nacional.

Contudo não é unanime que Capanema foi tributário de Mario de Andrade (e seu legado como ainda veremos) em todos os momentos e ações. Diz que Capanema mais do que um executor das ideias e projetos de Vargas, por vezes inúmeras impôs as próprias ideias: Londres apud Machado, (2011).

[...] uma das características mais marcantes do político Gustavo Capanema foi não apenas ter perfeita consciência da importância da relação entre política e cultura, como também ter conseguido, em grande medida, servir a cultura enquanto exercia sua função política. Sem dúvida, a memória nacional construída no Estado Novo com a presença dos “modernistas na repartição” implicou esquecimentos (por exemplo, de certas idéias muito fecundas de Mário de Andrade) e certas posturas centralizadoras e canônicas, responsáveis, entre outros efeitos, por uma imagem do Brasil via patrimônio e artístico que exclusivamente branca, senhorial e católica. Mas o legado desses tempos, em termos de um rigor no trato do bem cultural e da constituição de um acervo monumental fantástico para a nação, já é suficiente para garantir a Capanema um lugar privilegiado na história da cultura do Brasil. (LONDRES, 2001, p.100) apud Machado, (2011).

Notadamente Capanema não é somente um nome como reformista da educação, e do sistema de saúde, suas penetrações como homem moderno vão além das questões caras ao projeto pessoal de Vargas, o próprio Capanema seguia suas orientações e filiações ideológicas.

Para Barbalho, (2000) foi “Um ponto importante a reforçar as relações Estado-cultura, além da promoção de um “novo homem brasileiro”, era a pretensão estadonovista de criar uma ideia de Nação contraposta ao localismo oligárquico da República Velha”, assim, para o autor a nação naqueles anos era um projeto a ser realizado, distante do ideal e próximo das tradições

65 oligarcas, que poderiam interromper seu projeto desenvolvimentista, e esse projeto do estado passaria pela cultura nacional.

Nesse elemento de unificação do povo brasileiro, era possível por meio da cultura, alcançar uma identificação do indivíduo (nos mais longínquos recônditos do território nacional) com símbolos, imagens, mitos nacionais, folclore também. “Assim, a cultura nacional, desde a escola (Decreto n° 4244 de 1942 que usa a Política Educacional), imerge-nos nas experiências mítico-vividas do passado, ligando-nos por relações de identificação e projeção aos heróis da pátria [...]” (Morin, 1981, apud Barbalho, 2000, p. 64)

Apesar de Mario de Andrade ter feito um trabalho amplo em catalogar o artesanato e as manifestações tradicionais e populares, ela não foi nesse momento usada como ferramenta política muito menos objeto de preservação. SEPULVEDA DOS SANTOS, (2011- p 193)

Esse uso ainda tardaria, considerando que os preceitos andradianos ainda orientariam os processos de tombamento que o SPHAN proporia.

A política cultural nacional estadonovista do SPHAN buscou aumentar o acervo, de lugares oficiais de Memória (Nora, 1993), para tanto, sua formação técnica se compõe na sua maioria de arquitetos, uma vez que o Decreto n° 25, resultado do anteprojeto de Mario de Andrade traz entre seus focos tombamento de prédios desde que estes se enquadrassem na estética modernista, ou dos antigos solares e mansões, fortes, câmaras municipais, esculturas, pinturas e objetos sagrados, monumentos, na sua maioria datada do período colonial, sustentando com este acervo (por símbolos autênticos) a fundação até mítica de um Brasil grande e um estado unificado, pungente e fortalecido na união dos povos, diversos e herdeiros de um passado glorioso, como ainda veremos mais adiante. (SEPULVEDA DOS SANTOS, 2011, p 193); (BARBALHO, 2000, p 64-65).

Assim se queria que o imaginário nacional adquirisse grandiloquência atribuindo atmosfera épica, uma apologia do mito de origem e fundação do povo brasileiro, uma epopeia no dizer da criação de figuras para um panteão nacional, valorizando sua arte colonial, da neoclássica imperial que era assim abandonada ao valorizado estilo neocolonial e ao barroco mineiro e jesuítico, dando a estes distinção frente ao seu correspondente europeu.

Quanto ao cosmopolitismo, o varguismo assumindo sua estética moderna, reforçando sempre que possível seu novo status de desenvolvimento técnico e científico, uma vez que se defendia a ideia de um novo Brasil, e sua modernização, contraste com o discurso pautado

66 apenas os atributos da paisagem natural no passado, elevava o espírito nacional ao patamar das grandes nações.

A partir de 1938, o SPHAN promove o tombamento dos conjuntos arquitetônicos de Mariana, Tiradentes, Serro, São João Del Rei e Diamantina; e, nos anos seguintes aos conjuntos arquitetônicos e escultóricos de Congonhas, todos pertencentes ao passado das cidades coloniais de Minas Gerais.

É do mesmo período o tombamento da igreja de São Miguel, também construída em estilo barroco, com estilo híbrido trazido pelo arquiteto jesuíta João Baptista Primoli, ao Povoamento das Missões, construído pelos indígenas e jesuítas ao longo dos séculos XVII e XVIII, no Rio Grande do Sul. Falaremos mais tarde dessa construção e seu papel histórico.

São também desta fase do SPHAN a criação dos museus: Museu Nacional de Belas Artes (Rio de Janeiro, RJ, 1937), Museu da Inconfidência (Ouro Preto, MG, 1938), Museu Imperial (Petrópolis, RJ, 1940), Museu das Missões (São Miguel, RS, 1940) e Museu do Ouro (Sabará, MG, 1945), todos importantes para o discurso oficial da nação, com a proposta de servir culturalmente o povo brasileiro, elevava os valores que se queria imprimir. SEPULVEDA DOS SANTOS, (2011).

Esta instituição (o SPHAN) tem uma missão bastante importante naquele contexto histórico, social e principalmente político no mundo ocidental. Reforçar os projetos de integração interna do território entorno de uma identidade unificadora da sua população, territórios e consequentemente suas riquezas e recursos, além é claro de demarcar não apenas simbolicamente, mas fisicamente suas fronteiras.

Nota-se que a partir desse momento impõe-se uma abordagem onde uma suposta arte e ou cultura brasileira está indexada ao conceito próprio de patrimônio, pois estas se fundem na narrativa dos intelectuais que operam o debate da cultura ou arte nacional, para tanto se deve olhar novamente para figura de Mario de Andrade e os intelectuais próximos a ele e ao governo de Vargas.