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E SPORTE E E DUCAÇÃO F ÍSICA

Vimos que o esporte moderno se tornou aliado no controle dos impulsos, paixões e emoções na sociedade do século XIX. Teve sua adesão no mundo ocidental e desempenhou, e ainda desempenha, um importante papel civilizador, já que se apresentou, e se apresenta, como uma possível solução para as práticas bruscas e intensas, sublimando desejos e impulsos violentos e substituindo o prazer da guerra pelo do jogo. Ao apaziguar emoções e internalizar marcas disciplinares, com suas regras universais, valorização do mérito, e ao produzir ídolos e heróis por quem as massas de espectadores poderiam suspirar (ELIAS, 1993; ELIAS; DUNNING, 1992; GAY, 1995), torna-se fenômeno expressivo no século XX.

Aliados a isso, o espírito de competição, o desejo de vencer crescente nas sociedades contemporâneas do sistema burguês tinham, mais ainda que no passado, sido investidos pelo

esporte (BRACHT, 1999). Que se pense, aqui, numa esportivização da sociedade contemporânea, onde os esportes assumem um papel de “ensinar a dominar melhor o corpo, a potencializá-lo” (VAZ, 2002, p. 90). Aqui a Educação é, também, um dos vetores para a preparação do mundo da competição, da performance e da velocidade (ibid, p. 90). Por isso essa prática corporal – o esporte – não tardou a ser incorporada pela pedagogia da Educação Física, sem necessidade de mudar seus princípios mais fundamentais (BRACHT, 1999, p.75- 76).

A Educação Física trata de um conjunto de práticas corporais pedagogizadas, e o esporte é uma delas, além dos jogos, das acrobacias, das lutas, das ginásticas, das danças entre outras expressões (COLETIVOS DE AUTORES, 1992). Mas como aponta Bracht (2000, p. xix) “pedagogizar o esporte tornou-se um problema para o sistema esportivo, porque coloca nesta prática elementos que acabam entrando em confronto com os princípios, com a lógica que orienta as ações no âmbito do esporte.”

Para Lovisolo (2000) como área de conhecimento, formação, produção de conhecimento e intervenção a Educação Física sofre com problemas de identidade, e pode ter perdido “a capacidade de integrar atividades guiadas por valores, objetivos e campos de atuação tão diferenciados como: educação escolar, esporte competitivo, modelagem corporal, saúde, qualidade de vida, recreação e lazer.” (Ibid, p.11).

Diante dessa crise de identidade, diz o supracitado autor, que na Educação Física de um lado está a tribo da potência, centrada no esporte competitivo, que pretende elevar as possibilidades do corpo a seus limites. No outro, a tribo que trabalha a favor da conservação da saúde, da qualidade de vida e do bem-estar, centrada na recomendação do controle do esforço para a realização apenas do necessário e do possível, voltando-se “na direção do tradicional valor da moderação para sua conservação: atividade moderada iguala-se à conservação” (Ibid, p.18). Há ainda a da modelagem corporal, centrada na modelagem, desenvolvimento e manutenção da beleza dos corpos. No meio de tudo isso se distingue uma outra: a que se ocupa das escolas e instituições de ensino. Esta almeja “as coisas mais diversas: iniciação ao esporte competitivo, desenvolvimento físico e psicomotor, saúde, recreação, formação moral disciplinadora ou crítica, formação do cidadão e até formação cognitiva, identidades e reconhecimento institucional” (LOVISOLO, 2000, p.19-20). Seus limites de atuação se formam pela tribo da potência e da conservação, quer quando delas se aproxima, quer quando se distancia por meio da crítica.

Para Bracht (2000), o esporte é tema das discussões pedagógicas na Educação Física pelas seguintes razões:

a) o esporte (de rendimento) tornou-se a expressão hegemônica da cultura de movimento no mundo moderno; b)uma das bases da legitimação social do sistema esportivo era sua alegada contribuição para a educação e a saúde; c) o esporte é/era o conteúdo dominante no ensino da EF; d) o sistema esportivo via na escola uma instância contribuidora importante para o seu desenvolvimento, uma de suas “bases”; e) com a sociologia crítica do esporte (e da educação) surgem dúvidas quanto ao valor educativo do esporte. (Ibid, p. xiv).

Taborda de Oliveira (2003c) também, nos chama a atenção para esta ligação/tensão entre Educação Física e esporte. Diz que a consolidação do discurso da Educação Física esportivizada se dá a partir de meados da década de 1970, e mais que isso, que desse momento torna-se o esporte um “padrão” teórico na área. E só ao final da década de 1970, com a entrada do discurso da psicomotricidade, começou a se tecer críticas ao esporte. Mas foi a partir da década de 1980 que “essas críticas são enriquecidas com uma crítica radical da própria disciplina no contexto de uma sociedade em conflito.” (Ibid, p. 173).

Mas, concordo com Bassani, Torri e Vaz, (2003), que afirmam que mesmo com as críticas desferidas ao esporte, a celebração das práticas esportivas não apenas sobreviveram como voltaram a ser uma bandeira oficial de inclusão social. E como o discurso oficioso diz que o esporte é um fator fundamental na educação das crianças e jovens, ocupa nos ambientes escolares uma destacada presença. “Tanto como conteúdo central da Educação Física Escolar, quanto como prática extracurricular.” (Ibid, p. 90).

Na concepção de um Coletivo de Autores (1992), cujo texto é resultado da chamada Pedagogia Crítico-Superadora, o esporte deve ser abordado para que se torne o esporte da escola e não o esporte na escola. Já que

Sendo uma produção histórico-cultural, o esporte subordina-se aos códigos e significados que lhe imprime a sociedade capitalista e, por isso, não pode ser afastado das condições a ela inerentes especialmente no momento em que se lhe atribuem valores educativos para justificá-los no currículo escolar. [...]. Na escola é preciso resgatar os valores que privilegiam o coletivo sobre o individual, defendem o compromisso da solidariedade e respeito humano, a compreensão de que jogo se faz “a dois”, e de que é diferente jogar “com” o companheiro e jogar “contra” o adversário. [...]

Para o programa de esporte se apresenta a exigência de “desmistificá- lo” através da oferta, na escola, do conhecimento que permita aos alunos criticá-lo dentro de um determinado contexto sócio- econômico-político-cultural. Esse conhecimento deve promover, também, a compreensão de que a prática esportiva deve ter o significado de valores e normas que assegurem o direito à prática do esporte. (Ibid, p. 70 -71).

Em perspectiva semelhante Kunz (1989, 1991, 2000), apoiado em autores da Pedagogia do Esporte alemã, acredita que o esporte no modelo de alto rendimento, apresenta problemas devido aos seus principais pressupostos, soprepujança (vencer os/as adversários/as) e comparações objetivas (regras básicas com igualdade de chances para todos). Mas, ainda assim, tem suas possibilidades pedagógicas emancipadoras, e no contexto escolar poderá servir de veículo para uma leitura e compreensão da realidade. Certamente, antes, deve passar por uma transformação didático-pedagógica (KUNZ, 2000). Por isso sua “tematização deve ser no sentido dos educandos poderem entender, compreender, este fenômeno sócio-cultural, o que não pode acontecer somente pela sua ação prática, mas principalmente pela ação reflexiva” (KUNZ, 1989, p. 69). Dessa forma, sua melhor compreensão auxiliará os educadores e educandos no entendimento da própria realidade social, já que o esporte, além de fazer parte, cumpre um importante papel neste contexto.

Portanto, não é novidade o esporte como elemento central das aulas de Educação Física Escolar, o que coloca em xeque o lugar social da Educação Física como integrante do currículo escolar e como disciplina do conhecimento, já que geralmente não há outro critério senão a vontade própria de professores/as e alunos/as na escolha de um esporte a ser ensinado/aprendido. E sob os efeitos da “crise da legitimidade da Educação Física” (BRACHT, 1992) datada pelos estudos da área na década de 1980, ainda hoje encontramos dificuldades em consolidar a disciplina no contexto da formação.

Lidar com tantas questões e especificidades da Educação Física e do esporte, seja no contexto escolar ou fora dele, é tarefa dos professore/as. Isso requer uma preocupação com sua formação14.

Mas se desde a década de 1980 temos presente essa discussão15, principalmente sob forma de denúncia, sobre o esporte na Educação Física ou a esportivização da Educação Física, principalmente a escolar, ele parece ter “resistido ao ataque” 16 de tantas críticas. Por outro lado – e aqui concordo com a indicação de Taborda de Oliveira (2003c) em seu trabalho sobre a Educação Física brasileira nos tempos da ditadura militar – pouco se investigou sobre o lugar que esse mesmo esporte ocupa, ou ocupou, na formação dos professores/as, na perspectiva dos próprios professores/as. Reforço esse aspecto com a ajuda do referido autor:

14 Aqui também a esportiva.

15 Como já dito em nota anterior, que se dá pela presença das chamadas teorias progressistas da área tão conhecidas e estudadas. Sobre a constituição, das teorias pedagógicas da educação física, ver BRACHT (1999). 16 Como destacam Bassani, Torri e Vaz (2003).

Muito se instituiu, a partir dos anos 1980, na polaridade entre Educação Física e esporte. Para negar uma orientação técnica-pedagógica de cunho esportivo, convencionou-se denunciar a esportivização de Educação Física escolar, como já vimos. Mas pouco se investigou como os professores concebiam essa relação. (TABORDA DE OLIVEIRA, 2003c, p. 347).

Pretendo, portanto, não denunciar mais uma vez o esporte como elemento determinador, ou não, da Educação Física, mas compreender essa relação e influência no contexto da formação inicial, a partir das experiências esportivas, ou sua negação, na perspectiva dos que estão “se formando” professores/as.