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de Newman frente aos Sudários, de Fonteles

3.3 The Stations of the Cross Lema Sabachtan

Embora o interesse desta pesquisa se refira mais à expografia e à repercussão da Exposição The Stations of the Cross, Lema Satachtani, faz-se necessário tecer alguns comentários a respeito de suas obras. Desde a First Station, Newman utilizou a tinta a óleo e três tintas sintéticas diferentes, o que lhe permitiu uma grande variação de brilhos e texturas, malgrado a limitação cromática do preto e do branco condizentes com sua premissa de economia formal. Na maior parte da série, a tinta foi utilizada diretamente sobre a tela crua, sem imprimação, tornando-se um discurso sobre a própria pintura e sobre suas diferentes temporalidades. O comportamento das tintas sobre a urdidura da tela de algodão é um capítulo especial deste processo, que comportou o surgimento de nódoas âmbar na tela, sobrecarregada de óleo em áreas manchadas que passaram, ao longo dos anos, a se transformar em pintura, numa relação suporte/matéria que penetra no campo da dualidade manifesta pelos zips35 verticais que caracterizam a série. Se para Bois(2002: 29-45) oszips se armam numa estratégia de lateralidade, pode-se dizer que o próprio campo de forças foi complexificado pelos modos de associação entre as tintas de diferentes naturezas sobre a tela. Na primeira obra das Stations of the Cross, de 1958, Newman fixou uma faixa esquerda em negro, larga e rígida como um esteio no limite da tela crua, que sustentaria as primeiras quatro obras e só começou a ser questionada na 5th Station. Sempre com o auxílio de fitas adesivas como guia, Newman desenhou com lápis negro, à direita, os limites de um zip deixado cru, no negativo f. 164. Com uma

pincelada expressiva e quase sempre seca, essa pintura negra surge como a presença de um esboço, de uma hesitação que mais suja a tela do que a cobre. No interior do zip, a tela deixada crua marca uma ausência de pintura por contraste com seus limites, esses sim positivos, pintura esfregada (sfregato). As faixas e os zips, à esquerda e direita do plano pictórico não podem ser compreendidos como personagens, mas sua relação é colocada não como tema, mas como problema plástico a ser resolvido. Nesta tela, evidencia-se a relação à banda esquerda, firme, delineada, grave, que oferece sustentação à obra com a aparente e até calculada hesitação em torno do zip à direita. A série trata do pranto humano, do humano em relação a outra força, impalpável, talvez uma alusão à própria divindade. Mas não se pode interpretar esta dualidade como uma relação referencial de Cristo com outrem mas, como o que aqui se esboça, como lateralidade de dois agentes num campo de forças, cujo fórum é a própria pintura.

35 Optou-se por não traduzir zip, termo utilizado pelo próprio Newman, porque a tradução por fecho

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Fig. 164 B. Newman, 1th Station, 1958, magna s/ tela crua, 198,1 x 153,7 cm É necessário afirmar também a desconfiança em relação a uma abordagem fisiognomônica dos zips, que correria o risco de uma literalidade apoiada nos ecos de premissas iconográficas, mesmo que Newman insistisse em alguma espécie de dualidade e, não por acaso, realizou 14 Estações, em conformidade com a tradição cristã milenar que induziria os temas de cada Passo da Paixão, mas ao mesmo tempo deixou claro que cada pintura não corresponderia a um Passo (ALLOWAY, 1966:12).

Na Second Station a banda esquerda recebeu mais óleo, causando uma mácula âmbar que ultrapassa seus limites negros mais precisos f. 165. A faixa da direita aparece como um duplo negativo. As manchas de tinta esfregada da primeira tela desaparecem dando lugar a uma espécie de simulacro da outra banda, só que cinza, de um cinza não-homogêneo, mas dominante, dentro do qual, a partir de precisos limites lineares em negro, surge, deslocado para a esquerda, novamente um “vazio”, a não-pintura de um zip vertical deixado cru.

A Third Station insinua-se como uma assunção da dualidade da tela como um todo na aproximação entre dois zips à direita, positivo e negativo, que parecem se opor à impassível banda esquerda f. 166. Os zips da direita parecem reencarnar a 1th Station em um modelo em miniatura, que dialoga como uma repetição (em mise en abîme) na terceira tela das Stations.

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Fig. 165 B. Newman, 2nd Station, 1958, magna s/ tela crua, 198,1 x 153,7 cm Fig. 166 B. Newman, 3th Station, 1960, óleo s/ tela crua, 198,1 x 152,4 cm

Fig. 167 B. Newman, 4th Station, 1960, óleo s/ tela crua, 198,1 x 152,4 cm

Na próxima pintura, a Fourth Station f. 167, uma mudança sutil ocorre nessa dualidade. A banda da direita agora se aproxima do negro e sua delimitação, ainda que menos regular,

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garante uma largura semelhante à outra, o que parece sintetizar a relação entre Moment

f. 134

e Onement I f. 135. Dentro dela surge ainda um zip em negativo, da cor crua da tela, mas sem hesitações, como que a assunção do negativo no interior do positivo, mas sem conflito. Pela primeira vez, o equilíbrio entre os dois lados da tela se realiza, uma vez que as bandas passam a encarnar pesos visuais equivalentes. É interessante notar que a mácula do óleo que se dissipou a partir da banda esquerda está mais uniforme, formando um duplo, mais evidente do que na penúltima tela, como se desta vez a hesitação tivesse ocorrido naquela faixa que até então se mostrara inflexível. Além disso, respingos de tinta preta marcam a zona inferior esquerda da obra, como uma espécie de abertura a novas transfigurações.

Fig. 168 B. Newman, 5th Station, 1962, óleo e emulsão de polímero pigmentada s/ tela crua, 198,1 x 152,4

cm

Fig. 169 B. Newman, 6th Station, 1962, óleo s/ tela crua, 198,1 x 152,4 cm É de grande interesse a Fifth Station f. 168, até porque é a primeira a ser realizada em 1962, após a definição da Via Dolorosa como tema da série. Aqui a banda que teria sido o esteio das composições anteriores, a parte até agora pouco variável, que sofre uma alteração mais significativa, pois o sfregato perverte a anterior imobilidade de seus limites. Ela parece se desfazer e passa a tender à porção direita da obra. Enquanto isso, a banda da direita se torna um sutilíssimo zip que mantém seu lugar com um esforço último de marcar presença.

O zip esquerdo volta a se enrijecer na Sixth Station f. 169, deixando transparecer a mancha oleosa irregular enquanto aquela linha negra da última estação volta a se tornar uma

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