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Em um dos capítulos finais de seu livro, John Dewey (2010) descreve as subs- tâncias comuns entre as artes, sendo também as substâncias comuns à experiência estética, que é o que nos interessa.

começamos com um aspecto simples, o material. o material, como sinônimo de matéria-prima do artista, o autor sublinha, não deve ser alvo de limitações. As úni- cas imposições levadas em conta devem ser as do interesse do artista, não havendo assim qualquer outra dimensão restritiva. Dewey (2010) cita nesse trecho a observa- ção do escritor russo Liev Tolstoi de que a sinceridade é a essência da originalidade. se há interesse sincero em qualquer que seja o material, há possibilidade de que sejam relacionadas a ele todas as fases da experiência. Sem que exista interesse, de qualquer espécie, há apenas matéria, matéria amorfa, ou adequadamente conforma- da, mas não há forma, de acordo com o que definimos antes que forma é.

o material e a sua não limitação se relacionam intimamente ao segundo as- pecto comum: o veículo. Durante o texto de Dewey (2010) o veículo surge como uma das distinções do termo meio: “um é externo àquilo que é obtido; o outro é absorvido nas consequências produzidas e permanece iminente nelas” (DEWEY, 2010, pág 354). o veículo, como usaremos aqui, se refere ao meio que é incorporado ao resultado. Como a madeira e os pregos usados para fazer uma cadeira. No final do processo es-

ses mesmos materiais são o móvel, assim como as notas são a música e as cores são a pintura. a determinação do veículo determina também as características da experi- ência estética: um banjo proporciona um timbre, notas diferentes e com isso efeitos diferentes à música, em relação a um violão. Assim como um quadro pintado a oléo tem efeitos diferentes de um a aquarela. O veículo proporciona que “meios e fins se conjuguem” contribuindo para a experiência e dando a ela características específicas:

os veículos são diferentes nas diferentes artes, mas a posse de um deles é comum a todas. caso contrário, elas não seriam expressivas, e tampouco pos- suiriam forma sem essa substância comum (DEWEY, 2010, p. 361)

o veículo é o material que expressa algo além do que ele é. um acorde no piano consiste em mais do que ondas que se propagam pelo ar. muito facilmente ele pode ser interpretado como alegre ou triste, se seguido de outro acorde, talvez o cun- junto possa ser chamado de nostálgico ou outro sentimento mais específico. O veículo é essa matéria que expressa e é a expressão simultaneamente. o exemplo dos acordes ao piano pode ilustrar também a maneira como o veículo define a experiência: Uma série de bons acordes funciona analoga aos contornos em uma pintura. Eles definem a obra como um todo ao mesmo tempo que valorizam trechos individuais. a partir do veículo é que uma experiência se torna coerente como composto tanto quanto seus elementos distintos. o veículo de uma catedral são os tijolos e demais materiais empregados na construção. depois de pronta, esses materiais continuam ali sendo o que eram antes e sendo também todas as partes da igreja. o ritmo lhe dita a ordem do olhar. Você vê primeiro o teto, depois as paredes, as colunas. Cada elemento desses possui coerência particular e também com o conjunto, fazendo o olhar ir de um ponto ao outro do ambiente:

Embora a ênfase das artes plásticas recaia sobre os aspectos espaciais da mudança e a da música e das artes literárias, sobre os aspectos temporais, a diferença é apenas de ênfase em uma substância comum (DEWEY, 2010, p. 371)

O objeto estético e toda a experiência que proporciona não simplesmente existem. A experiência, como resultado de uma interação, ocorre, ao olhar um quadro, ouvir uma música ou mesmo entrar em um ambiente específico. Todas as experiên- cias possuem características tempo-espaciais. o importante é ter um entendimento

qualitativo dessas características. O tempo, por exemplo, não é o relógio. Uma música pode ser expansiva ou não, tanto quanto um grande mural pode lhe dar a sensação de pequenez. um templo budista pode passar tranquilidade, amplitude e fazer o tempo durar mais do que indicam os ponteiros. É esse atributo que possibilita que o ritmo possa ser percebido na música, na pintura, na dança ou na arquitetura, etc.

nas palavras do autor:

Não só é impossível a linguagem duplicar a infinita variedade de qualidades individualizadas existentes, como é totalmente indesejável e desnecessário que o faça. A qualidade singular de uma qualidade encontra-se na experiên- cia em si; existe nela em dose suficiente para não precisar de reprodução na linguagem (DEWEY, 2010, p. 383)

O trecho acima aponta a última das características comuns às experiências estéticas, o aspecto de contextualização e sugestão. Uma experiência se faz pela inte- ração por isso exige empenho proveniente de todas as partes envolvidas. se o caso for de uma obra atingir ou desenvolver uma linguagem tão óbvia que não exija esforço, interpretação ou qualquer tipo de input do sujeito, não há experiência estética. Toda a relação criada por quem percebe o objeto estético acontece porque há margem para isso e esse evento participa com grande importância da construção da experiência. O contexto nesse caso surge a partir dessa flexibilidade gerada pela sugestão. Não se diz tudo, algumas partes permacenem indefinidas para que o espectador as defina. A indefinição, nessa circunstância, não faz parte da experiência, apenas a circunda e por isso não gera duvidas ou sensações de vazio, é relativa à relevancia das partes. como quando um fotógrafo escolhe um pedaço da cena onde focar e ao mesmo tempo es- colhe onde não focar. ele cria com isso uma noção de todo que excede o campo de visão proporcionado pela foto. ou, por exemplo, um poema que conta uma história de amor em primeira pessoa sem explicitar o gênero do eu lírico, aumentando assim a chance de identificação com o poema por milhares de outros amantes. O poema se insere em um ambiente de indefinição que o faz caber no mundo, não prejudica seu entendimento, apenas dissolve suas bordas para melhor se adequar a esse ou aquele contexto.

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