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4. ANÁLISE DOS DADOS

4.7 SUGESTÕES PARA O ESTUDO DOS CONTOS

A interpretação textual dos contos do corpus pode ser feita através dos mecanismos enunciativos, vozes e modalizações. Esses mecanismos ocupam a terceira camada do “folhado textual” de Bronckart (2003).

O levantamento dos mecanismos enunciativos em um texto possibilita uma melhor compreensão do seu conteúdo temático e toda a estrutura textual se torna mais clara.

Nenhuma voz passa despercebida e mesmo as personagens menos atuantes ganham relevo no texto.

Quando percebemos a atuação das vozes em um texto, fica fácil concordar com Bakhtin (1984) que o concebe como uma orquestra de vozes, um ponto de interseção de vários diálogos, cruzamento das vozes oriundas de práticas de linguagem socialmente diversificadas. Para esse autor, as vozes polemizam entre si e se completam. É esta a visão que queremos que o aluno tenha do texto.

O levantamento dos mecanismos enunciativos, ao mostrar o papel desempenhado pelas vozes, evidencia a atuação das personagens. As vozes sociais são importantes para o estudo de qualquer texto e, no caso dos contos, seu levantamento mostrou o relacionamento dessas com o desenrolar da história. As modalizações, por sua vez, tornam mais claras as diversas avaliações sobre os aspectos temáticos do texto, facilitando sua compreensão e interpretação.

No conto Gaetaninho, o estudo realizado pelos autores do livro didático no item 4.1 não faz referência aos mecanismos enunciativos. As instâncias enunciativas que denominamos vozes sociais aparecem no texto, tais como: tia Filomena, o padrinho de Gaetaninho, Salomone, o carroceiro, o padre, o Savério, noivo da Filomena, o cocheiro, entre outras. Essas vozes são mencionadas, mas têm um papel secundário e nenhuma questão é formulada sobre elas. Por essa razão são praticamente esquecidas e só ganham destaque as personagens principais, Gaetaninho, sua mãe e os amigos mais próximos, diretamente envolvidas na história. As modalizações também não são abordadas em um estudo “tradicional” e essas avaliações sobre as personagens e sobre o conteúdo textual do texto favorecem a sua interpretação.

O conto Gaetaninho é polifônico, pois muitas vozes atuam em seu conteúdo temático e exercem papel significativo na estrutura textual. Todas essas vozes devem ser consideradas quando se estuda um texto, pois a compreensão dessas instâncias favorece uma melhor visualização do texto.

O conto O Homem Nu também é polifônico e sugerimos o seu estudo através dos mecanismos enunciativos para que todas as vozes e modalizações presentes no seu conteúdo temático tenham o seu papel evidenciado.

Nesse conto aparecem as vozes do autor, do homem nu, a esposa, Maria, e os vizinhos. Essas personagens agem diretamente no conto e, portanto, as suas atuações são claramente definidas. As demais vozes, denominadas sociais, são apenas mencionadas. Uma dessas vozes, a do cobrador é extremamente importante no desenrolar do conto e é aliás a entidade que desencadeia o conflito e, apesar disso, nenhuma questão é elaborada envolvendo diretamente esse cobrador. Numa abordagem através dos mecanismos enunciativos é possível dar destaque para essa voz e também para as demais, como: Kafka, a empregada,entre outras. Além das vozes, há também as modalizações que contribuem significativamente para o entendimento do texto,pois constituem-se em avaliações sobre os diferentes aspectos do conteúdo temático de qualquer texto.

No conto A Opinião em Palácio, temos outro caso de voz social muito importante no desenrolar do texto e tudo o que é relatado nesse conto não pode ser desvinculado dessa voz social que é a Opinião Pública. Nesse caso, a interpretação feita em geral nos livros didáticos, aponta apenas o Rei como personagem e a Opinião Pública é personalizada. No estudo desse conto, as questões elaboradas no livro didático ficaram centradas no Rei e em suas ações e, embora o conto tenha sido muito bem explorado se considerarmos os métodos tradicionais, pensamos que uma exploração do texto, considerando as vozes e modalizações seria ainda mais significativa para a sua compreensão e interpretação.

O conto As Marias é também polifônico e as vozes dos personagens que aí se expressam são: o autor do conto, a patroa, Maria, o cabo, o baleiro. Essas instâncias enunciativas estão diretamente envolvidas no conteúdo temático do texto, já as vozes sociais, Marta, amiga de Maria, o palhaço, o bebê, entre outras são apenas mencionadas e também não há questões elaboradas sobre elas. Então, a sugestão é para que sejam exploradas todas as vozes do texto, bem como as modalizações, lógicas, apreciativas e pragmáticas.

O conto A Cartomante é o mais extenso do corpus e foi pouco explorado. Somente quatro questões foram elaboradas sobre o seu conteúdo. Esse conto se explorado através dos mecanismos enunciativos, deixaria evidente toda a sua polifonia. Nesse conto também, a presença das vozes sociais, Hamlet e Horácio é muito importante, pois os dizeres “Há mais coisas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia” atribuídos a Hamlet se referem a todo o conteúdo temático do conto e envolvem, principalmente, as personagens principais, Rita, Camilo e a cartomante. Na abordagem feita, essa voz tão importante é completamente esquecida e somente um estudo feito, levando-se em conta o papel que as

diversas vozes desempenham daria destaque para ela. Além das vozes, a exploração das modalizações também deixaria claro o desenrolar do texto.

O conto Urupês possui as vozes dos personagens Jeca e o Negro e em número muito maior as vozes sociais, tais como:Princesa Isabel, Pedro I, Floriano Peixoto, entre outras. Essas vozes são importantes na composição do conteúdo temático e como nos demais contos não foram exploradas, o que a nosso ver não deveria ter ocorrido, pois esclarecem muitos aspectos do texto. A abordagem através dos mecanismos enunciativos possibilita a exploração de todas as instâncias enunciativas e por isso deveria ser utilizada para facilitar o estudo de textos.

Encerradas as sugestões para o estudo dos contos, passamos agora ao cruzamento das variáveis. Nosso objetivo é observar o comportamento das mesmas.

4.8 Cruzamento das variáveis linguísticas e discursivas

O primeiro cruzamento das variáveis da pesquisa diz respeito ao caráter polifônico dos contos analisados no corpus desta pesquisa.

QUADRO 26

Quadro geral da variável caráter polifônico

VOZES C1 C2 C3 C4 C5 C6

Autor E / I E / I I E / I E / I E / I

Sociais E / I E / I E / I E / I E / I E / I

Personagens E / I E / I E / I E / I E / I E / I

O QUADRO 26 nos apresenta uma síntese da polifonia em todos os contos e podemos concluir que todos eles são polifônicos, pois diversas vozes atuam em seu conteúdo temático. Analisando a voz do autor, podemos perceber que não está explícita apenas no conto 3, A Opinião em Palácio, nos demais contos foi possível identificar a manifestação do autor diretamente no texto.

O segundo cruzamento de variáveis da pesquisa analisa o comportamento dos discursos direto, indireto e indireto livre.

QUADRO 27

Quadro geral da variável tipos de discurso

DISCURSOS C1 C2 C3 C4 C5 C6 TOTAL

Direto 14 19 7 14 29 2 85

Indireto 0 0 5 2 11 1 19

Indireto livre 2 4 1 1 4 0 12

O quadro geral dessa variável nos mostra que o discurso direto foi o que apresentou o maior número de ocorrências, seguido pelos discursos indireto e indireto livre. Nos contos analisados foi possível perceber várias situações de diálogo em que as personagens, ou os autores se posicionaram diretamente em relação ao conteúdo temático dos contos. O discurso indireto livre foi o que apresentou menos ocorrências em todos os contos analisados. São fortes os indícios de que o discurso direto é mais frequente nesse gênero, em relação aos demais discursos.

No terceiro cruzamento de variáveis da pesquisa analisamos a frequência das modalizações nos contos analisados.

QUADRO 28

Quadro geral da variável frequência de modalizações

MODALIZAÇÕES C1 C2 C3 C4 C5 C6 TOTAL

Lógicas 16 18 6 13 22 4 79

Apreciativas 12 20 4 15 38 8 97

Pragmáticas 26 13 6 5 24 5 79

O QUADRO 28 nos mostra que as modalizações apreciativas apresentaram maior número de ocorrências, seguidas pelas modalizações pragmáticas e lógicas. Nossas análises mostraram que o número de ocorrências das modalizações define a “natureza” do conto. Assim o conto que apresenta muita ação dos personagens vai apresentar maior número de

ocorrências das modalizações pragmáticas. Se o conto é construído sobre uma base de juízo de valor, julgamentos em relação aos seus personagens, ou aspectos do texto, então as modalizações apreciativas vão ocorrer em maior número. As modalizações lógicas que indicam os fatos certos, possíveis, impossíveis também indicam os aspectos do conteúdo temático do texto. Sua ocorrência aponta para contos com características mais realistas.

O quarto cruzamento de variáveis efetuado no texto está relacionado com os indicadores de modalidade e apresenta a seguinte distribuição.

QUADRO 29

Quadro geral da variável indicadores de modalidade

INDICADORES DE MODALIDADES C1 C2 C3 C4 C5 C6 TOTAL Verbos no futuro do pretérito 0 4 0 0 10 0 14 Auxiliares de modalização 3 3 2 4 22 0 34 Advérbios ou locuções adverbiais de modo 3 10 3 3 30 4 53 Orações impessoais 0 0 0 0 0 0 0

Esse QUADRO nos permite concluir que entre os subconjuntos indicadores de modalidade, os advérbios e locuções adverbiais de modo ocorreram em maior número que os demais indicadores de modalidade. Os auxiliares de modalização ou metaverbos também apresentaram um número significativo de ocorrências. Como auxiliares de modalização analisamos: querer, dever, ser necessário e poder. Em relação aos verbos no futuro do pretérito, o número de ocorrências foi baixo e o quarto subconjunto de indicadores de modalidade, as orações impessoais ( orações que regem uma oração subordinada completiva dos tipos: é provável que, é lamentável que, admite-se que) não apresentaram nenhuma ocorrência na pesquisa.

Encerrados os cruzamentos das variáveis, passamos às considerações finais da pesquisa.

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