• Nenhum resultado encontrado

Sugestões de práticas de leitura

CAPÍTULO III. O papel do mediador no processo de formação do leitor

3.4 Sugestões de práticas de leitura

Como educadora e professora-mediadora, reconheço e valorizo a importância das práticas de leitura para a formação do leitor, do leitor literário e do cidadão e a importância delas serem trabalhadas de forma sistemática durante todo o Ensino Fundamental I pelos professores, com o apoio da família. Por conta disso, além das práticas propostas pelo Programa Ler e

Escrever, desenvolvo e coloco em prática outras que dialogam com as

propostas do Programa e que serão explicitadas a seguir. Ressaltamos que se tratam de sugestões que podem contribuir na formação do leitor literário.

3.4.1 Leitura em sala de aula

Temos um combinado em sala de aula que consiste em os alunos possuir autonomia para escolherem os livros durante os horários livres, tanto do acervo da classe (composto pelos livros trazidos pelas crianças e por mim), quanto os livros disponibilizados pela escola, que permanecem na sala durante o ano. Há uma diversidade considerável de gêneros, autores e histórias. Portanto, toda vez que um aluno tiver finalizado uma atividade, ele tem liberdade, autonomia e oportunidade de ler, tanto no canto da leitura como na

72 sua carteira. O importante é respeitar os colegas que ainda estão trabalhando na atividade proposta.

No início do ano, por não estarem acostumados com a proposta, fazem barulho, andam pela classe, conversam com os colegas, enfim, não sabem usar esse tipo de liberdade de uma maneira adequada. Com o decorrer do tempo, juntamente com minhas intervenções, começam a entender a proposta, mudam de atitude e percebem esse espaço como um momento importante de acesso à leitura. Entretanto, é muito difícil permanecerem totalmente em silêncio. Dessa maneira, utilizo esta oportunidade para ressaltar a importância de respeitarem as regras necessárias para o convívio social.

Observo, na maioria das crianças, o prazer que sentem no ato da leitura e o quanto valorizam o momento. É muito comum observá-los, logo cedo, após terem organizado o material na carteira, escolherem livros para serem lidos enquanto aguardam o início da aula. É satisfatório vê-los lendo com prazer, entretidos com a história, como se o tempo tivesse parado. Conforme Petit, (2009, p. 290):

a leitura é uma atividade maior do que ler livros (...) é se sentir desconcertado ante o mundo, procurar signos e construir sentidos. Para ler dessa maneira, com essa intensidade, é fundamental poder estar desocupado, disponível, não temer o vazio. E quando a programação da vida é muito rigorosa, parece que não há fissura ou lugar onde se sentir desconcertado, perplexo, questionador, inquieto por tudo o que nos cerca.

Portanto, durante todas as manhãs, proporciono aos alunos momentos de introspecção para que possam usufruir do vasto mundo da leitura, respeitando seu ritmo e suas escolhas. Dessa maneira,

a literatura, a cultura e a arte não são um suplemento para a alma, uma futilidade ou um momento pomposo, mas algo que nos apropriamos, que furtamos e que deveria estar a disposição de todos, desde a mais jovem idade e ao longo de todo o caminho, para que possam servir-se dela quando quiserem, a fim de discernir o que não viam antes, dar sentido a suas vidas, simbolizar as suas experiências. (PETIT, 2009, p. 289)

Esse momento também permite aos alunos conhecer a variedade de obras, o que é visto como algo pertinente por Machado, para quem:

73 se o leitor travar conhecimento com um bom número de narrativas clássicas desde pequeno, esses eventuais encontros... terão boas probabilidades de vir a acontecer quase naturalmente, depois, no final da adolescência. (2002, p.13) Esse procedimento propicia aos alunos a oportunidade de usufruírem do acervo da sala de aula, assim como aprenderem atitudes importantes para o convívio social.

3.4.2 Acervo da sala de aula

Organizamos juntos, desde o início do ano, o acervo de livros composto por exemplares trazidos por mim e também por eles. Explico a importância de contribuírem com os livros que já possuem e que poderiam ser socializados com os colegas ao longo do ano. Esclareço que eles serão devolvidos no final do período letivo. Felizmente, algumas crianças doam as obras, contribuindo para manter o acervo sempre com novos títulos e com uma quantidade considerável de obras. Eu mantenho o acervo em funcionamento a cada ano e, para isso, aproveito as obras que foram doadas pelos alunos e as trazidas por mim. Dessa forma, dou continuidade ao trabalho com a nova turma.

Eles gostam de contribuir e, sempre que trazem um novo título, costumo mostrar para os alunos para que conheçam e possam agradecer ao colega. Ressalto a importância de tomarem cuidado com os livros para que permaneçam em bom estado, principalmente por terem sido trazidos pelos colegas. Oriento também para mantê-los sempre organizados. Complemento o acervo com revistas, programação cultural e jornal (Estadinho e Folhinha- suplementos dos jornais O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, respectivamente). Nas reuniões de pais, explico sobre o acervo da sala e incentivo que façam o mesmo em casa, criando um acervo com os filhos.

Dessa maneira, temos para uso permanente em sala de aula o acervo e os livros e gibis disponibilizados pela Secretaria da Educação. O material é bastante rico e está organizado de uma maneira que possa ser utilizado pelas crianças durante o período de aula, visto que de nada vale ter o material e não deixá-lo disponível de uma maneira adequada para ser usado diariamente. Além desses materiais, disponibilizo dicionários, atlas e enciclopédias a fim de

74 que aprendam a usá-los e tenham autonomia de consultá-los quando necessário. Ressalto, novamente, a necessidade e importância de organizar todo esse material de uma maneira que fique acessível para os alunos, para que possam visualizá-los e usá-los.

Esse trabalho proporciona o desenvolvimento do prazer e hábito da leitura, assim como a expansão do repertório linguístico e literário. Eles aprendem a cuidar do material, mantendo a organização que facilitará o processo de escolha da obra. Aprendem também a socializar os livros que compraram ou ganharam, com os colegas, o que demonstra uma atitude de companheirismo, desprendimento e, sobretudo, a compreensão da importância da sua participação no processo da construção do acervo para que todos possam se beneficiar cada vez mais da leitura. O acervo também permite que eles exerçam a autonomia no processo de escolha da obra e que entrem em contato com diferentes autores, obras e histórias.

3.4.3 Papel da família na formação do leitor literário

Para que todo esse trabalho produza resultado, faz-se necessário desenvolver com a família um trabalho de orientação da importância da leitura e da leitura diária do texto literário realizada em casa tanto pelo aluno quanto pelos pais. Além disso, é essencial esclarecer a necessidade de os pais servirem como modelo de leitores a seus filhos, assim como incentivar e elucidar a importância dos programas culturais junto às crianças. Aproveito para conversar sobre esses tópicos nas reuniões de pais, momentos em que esclareço a importância de cada um deles e apresento as orientações.

É preciso desenvolver um trabalho sistemático com a família desde o início do ensino fundamental para que possamos juntos – família e escola – , formar leitores do texto literário. Dessa maneira, o trabalho desenvolvido pela família irá ajudar a cultivar e desenvolver o prazer e hábito da leitura nas crianças iniciado pelo professor-mediador. Segundo Petit (2009, p. 22), “a leitura é uma arte que se transmite mais do que se ensina. Vários estudos demonstram que a transmissão no seio da família permanece a mais frequente". É ainda a mesma autora que ressalta que:

75 Várias pesquisas confirmaram a importância da familiaridade precoce com os livros, de sua presença física na casa, de sua manipulação, para que a criança se tornasse, mais tarde, um leitor. A importância, também, de ver os adultos lerem. E ainda o papel das trocas de experiências relacionadas aos livros, em particular as leituras em voz alta, em que os gestos de ternura, a inflexão da voz, se misturam com as palavras. (...) O que atrai a atenção da criança é o interesse profundo que os adultos têm pelos livros, seu desejo real, seu prazer real. (2008, p. 140)

Petit discorre também sobre a importância da tradição familiar como incentivo à leitura, pois "a maioria dos que leem viu e ouviu alguém ler durante a infância e manteve essa tradição familiar" (p.142). Além disso, a valorização dada ao conhecimento pela família é um fator determinante para a apropriação da leitura.

3.4.4 Roda cultural

Uma vez por semana, na segunda-feira, fazemos a roda cultural, prática que propicia a socialização dos programas culturais feitos pelas crianças durante o final de semana. Explico logo na primeira semana de aula sobre os programas que podem ser considerados como culturais, para que entendam o objetivo da roda cultural.

A participação é espontânea, portanto, as crianças que quiserem participar socializam com os colegas suas experiências, o que serve de incentivo para que todos conheçam e queiram participar das oportunidades socializadas pelos colegas. Isso contribui para que adquiram novos conhecimentos e que ampliem também o repertório cultural, pois passeios, visita a museus, galerias, exposições, teatro, cinema, viagens, bibliotecas, livrarias, exibições de música e dança contribuem para ampliar a leitura de mundo. Esse conhecimento, por sua vez, ajudará a aprimorar o processo de leitura, beneficiando o desenvolvimento de um cidadão criativo, ativo, reflexivo e crítico, capaz de exercer sua cidadania de uma maneira plena, com deveres e direitos. Incentivo que participem dos diversos programas culturais com a família e compartilho também os programas que faço.

Precisamos ajudá-los a perceber que, como cidadãos, dispõem do direito de participarem desse universo cultural tão rico, que deve ser disponível

76 a todos. Porém, muitas crianças que frequentam a escola pública não têm acesso aos bens culturais por diversos motivos. Um deles, que é relevante e preocupante, é o fato de acharem que não pertencem a esses espaços públicos e, portanto, não se acham no direito de participarem desse universo. Conforme Candido, “pensar em direitos humanos tem um pressuposto: reconhecer que aquilo que consideramos indispensável para nós é também indispensável para o próximo" (1995, p.239).

Portanto, nosso trabalho como educadores é o de incentivar e promover a participação de nossos alunos nesse mundo cultural, no intuito de que possam usufruir e se beneficiar dele. O papel da escola é proporcionar oportunidades para que tanto o aluno quanto a família possam usufruir das criações artísticas, tanto as ditas populares quanto as chamadas eruditas, a fim de que adquiram conhecimento e experiência.

Os educadores têm o poder de desvendar o mundo das artes aos seus alunos, possibilitar que tenham a oportunidade de se humanizarem, para que suas necessidades básicas sejam satisfeitas e para enriquecer sua percepção e visão de mundo. Candido entende que humanização "é o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a recepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor" (1995, p.249).

É o mesmo autor quem afirma:

Quanto mais igualitária for a sociedade, e quanto mais lazer proporcionar, maior deverá ser a difusão humanizadora das obras literárias, e, portanto, a possibilidade de contribuírem para o amadurecimento de cada um. (CANDIDO, 1995, p. 258)

A roda cultural, portanto, é uma oportunidade criada para que haja a socialização dos bens culturais, a fim de que as crianças conheçam e possam começar a frequentá-las com a família. "Uma sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em todas as

77 modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável" (CANDIDO, 1995, p. 263).

É partindo disso que incentivo e esclareço às famílias, durante as reuniões de pais, acerca da importância e dos benefícios dos programas culturais junto aos filhos e da necessidade de ampliar o repertório cultural através da exposição ao mundo das artes (literatura, música, dança, artes plásticas, cinema e teatro).

Da mesma forma, a escola tem um compromisso social de promover o encontro e o acesso do aluno ao mundo das artes, ou seja, aos bens culturais através das aulas e da organização de visitas com o objetivo de incluir os alunos nesse universo e, desta forma, ampliar o seu repertório cultural. Sabe- se da importância da experiência do sujeito para o seu aprendizado e, como afirma Paulo Freire ,"a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele"(apud Martins, 2000).

3.4.5 Leitura compartilhada dos textos de História, Geografia e Ciências Como professora do Ensino fundamental I, sou responsável por ministrar todas as matérias obrigatórias do currículo, ou seja, língua portuguesa, matemática, história, geografia e ciências. Dessa maneira, tenho a oportunidade de trabalhar com o conteúdo das matérias, desenvolvendo, também com os textos trabalhados nestas disciplinas, o hábito e a prática da leitura, assim como a compreensão e a interpretação através da leitura compartilhada.

Nessa prática, todos os alunos têm acesso ao mesmo texto e acompanham a leitura que pode ser feita tanto pelo professor quanto pelos alunos em voz alta, de forma alternada. Todos têm a chance de ler e é necessário que sigam a leitura conforme estiver sendo feita. Ela possibilita ao aluno ouvir a voz do outro, portanto, seguir a cadência e o ritmo da leitura. Eu, como mediadora, quando necessário, dou suporte, tomando o cuidado para não atrapalhar a fluidez (fluência) da leitura.

É interessante observar a necessidade que a maioria dos alunos têm de corrigir o colega. Entretanto, ressalto a importância de respeitarem o momento

78 do outro, para que possa ter a chance e o tempo necessários para ler e, assim, adquirir fluência e compreensão. Conforme as palavras de Frank Smith, citadas no primeiro capítulo, a leitura é um processo em que o leitor participa com uma capacidade de dar sentido aos sinais, de compreendê-los e não somente de decifrá-los.

Dependendo do texto, peço aos alunos que façam uma primeira leitura em casa para dele se apropriar e, desta maneira, utilizar o conhecimento prévio durante a aula. Em classe, fazemos a leitura compartilhada e, posteriormente, peço que façam uma leitura silenciosa. Por meio dela, o aluno se apropria do texto à sua maneira, visto que a leitura é feita no seu ritmo, o que auxilia o processo de compreensão. Após essas etapas, iniciamos o trabalho de compreensão e interpretação do texto.

Desenvolvo esse trabalho com a finalidade de promover nos alunos uma leitura dialógica dos textos, diferente da típica leitura mecânica e de memorização. Organizo a leitura por trechos, para não sobrecarregá-los de informações, mas tomo o cuidado de fazer as devidas relações entre elas. Eles têm a oportunidade de fazer inferências a partir do conhecimento prévio, possibilitando o levantamento de hipóteses, de análise, de comparação, e de estabelecer relações que auxiliem o processo da leitura e entendimento das informações implícitas do texto e de sua compreensão e, consequentemente, na aquisição de novos conhecimentos. Segundo Bajour (2012, p. 114), "o conhecimento prévio deixa de ser uma condição que limita: é uma zona que se constrói em um jogo social de saberes que não estabelece hierarquias excludentes".

Dessa maneira, para que o leitor compreenda um texto, é necessário que encontre o seu sentido, que é construído pelo próprio leitor no processo de inferir informações. Para que possa interpretá-lo, faz-se necessário refletir sobre o conteúdo, criticá-lo a fim de que haja uma reflexão sobre a realidade. Consequentemente, no afã de que o aluno aprenda a compreender e a interpretar um texto, é primordial que aprenda a fazê-lo na escola com a mediação do professor. De acordo com Rosenblatt (apud DIOS, 2000, p. 151), "ler é uma construção do leitor durante o ato da leitura". Sendo assim, o leitor ativo reconstrói o texto, dando significado a ele, possibilitado pelas relações

79 propiciadas pelo diálogo, pelo conhecimento prévio e pelas informações contidas no texto.

Desenvolvo esse trabalho ao longo do ano, com diferentes textos, utilizando estratégias de leitura adequadas à finalidade da leitura.

3.4.6 Leitura e escrita na matemática

As aulas de matemática são também úteis para a prática da leitura. Aproveito essas aulas para que os alunos percebam o uso social da leitura e da escrita, que, nesse caso, se encontra no universo da matemática e na solução dos problemas.

Segundo Castrillón (2011, p. 98), "a leitura sem a escrita permite uma apropriação somente parcial da cultura letrada". No intento de solucionar as questões, precisam ler e entender o que está sendo proposto. Percebe-se, aqui, a importância da leitura em uma situação real de ensino-aprendizagem. Muitas crianças têm dificuldade de ler, de compreender e interpretar o que está sendo solicitado, portanto, não conseguem resolver o problema. Mas, quando leio com eles, e explico o que é para ser feito, são capazes de desenvolver o raciocínio necessário para solucionar o problema.

A fim de que desenvolvam a linguagem escrita também na aula de matemática, estabeleço um combinado, que consiste em, além de darem o resultado, escreverem a resposta, elaborando, para isso, frases completas. No início, como não estão familiarizados com essa maneira de trabalhar, estranham bastante e reclamam também. Mas, com o passar do tempo, incorporam essa prática como parte do exercício. Dessa maneira, utilizo a aula de matemática para trabalhar com textos, além de incentivá-los a usarem os conhecimentos prévios na elaboração das respostas e perceberem que o uso da língua é necessário em todos os momentos, indo, portanto, além da sala de aula. Leitura e escrita estão, assim, inseridas em todas as atividades do dia a dia, incluindo a escola como um todo e não somente a aula de língua portuguesa.

Documentos relacionados