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SUICÍDIO, PSICANÁLISE E PSICOLOGIA

No documento antonionealvesgrassano (páginas 47-50)

Da obra de Sigmund Freud pouco consta expressamente acerca do suicídio. As considerações feitas pelo psicanalista acerca do tema são geralmente remetidas a dois textos. No primeiro, Luto e Melancolia, publicado em 1917, Freud descreve o estado psíquico do enlutado e do melancólico, ambos, embora distintos em natureza, relacionados a uma perda de um objeto de amor.

Freud (1987) escreveu que os traços mentais distintivos da melancolia são caracterizados por um profundo e doloroso desânimo, perda de interesse no mundo externo e da capacidade de amar e inibição de atividades. Também compõe o quadro melancólico a diminuição da autoestima em uma medida em que pode se expressar em comportamentos de auto-recriminação e vilanização, culminando em uma expectativa delirante de punição.

O quadro melancólico se aproxima da experiência do luto uma vez que compartilham traços mentais semelhantes. Ambos, no caso, podem constituir uma reação à perda de um objeto amado. Na melancolia, no entanto, ocorre uma perda de natureza mais ideal: o objeto pode não ter morrido de fato, mas perdido enquanto objeto de amor. Freud (1987) exemplifica com um caso de desilusão amorosa: mesmo que a pessoa esteja ciente da perda que originou a melancolia, ela sabe apenas no sentido de quem ela perdeu, não o que perdeu neste alguém. Tal movimento indicaria que a melancolia, ao contrário do luto, em que a natureza da perda não é inconsciente, estaria relacionada a uma perda objetal retirada da consciência.

Enquanto no luto a observação clínica apontava para uma perda relativa a um objeto, a melancolia acena para uma perda relativa ao próprio ego. Por isso, a inibição melancólica produz efeitos psíquicos muito diferentes da inibição e da perda de interesse encontrados no paciente enlutado, entre eles uma diminuição da autoestima extraordinária e um empobrecimento egoico em grande escala (FREUD, 1987).

O melancólico, relata Freud (1987), expressa o ego como sendo desprovido de qualquer valor e moralmente desprezível. A repreensão e a vilanização dirigidas a si próprio cria a expectativa de expulsão e punição do próprio ego. Em um quadro de delírio de inferioridade, notadamente moral, o paciente não percebe que uma mudança tenha se processado em si próprio, e estende sua autocrítica até o passado e afirma que sempre fora assim. Dessa forma, completa Freud (1987), se no luto é o mundo que se torna pobre e vazio, na melancolia é o próprio ego.

Impactado pelos horrores e pelo morticínio causados pela Primeira Guerra Mundial, Freud se preocupa posteriormente, em Além do princípio do prazer, em entender os impulsos autodestrutivos humanos. Assim, na descrição do funcionamento psíquico, introduz um novo dualismo pulsional: a pulsão de morte (Tânatos), em contraposição à pulsão de vida (Eros, que agregava as pulsões libidinais e as forças de autoconservação). O problema da destrutividade ocupou um papel cada vez mais importante nas teorias de Freud, e esta é a primeira vez que este novo quadro da estrutura da mente aparece explicitamente nas obras do autor. (FREUD, 1987b).

Karl Menninger, da segunda geração psicanalítica, irá propor um aprofundamento da teoria do suicídio na psicanálise. Sem romper com a princípio do dualismo pulsional e de que o suicídio é um fenômeno da agressividade inconsciente, publica, em 1938, O homem

contra si próprio. As mais diversas formas de autodestruição são interpretadas sob o

argumento da vitória de Tânatos sobre Eros. Menninger postula três componentes implicados no comportamento suicida: o desejo de matar, o desejo de ser morto e o desejo de morrer (BOTEGA, 2015).

Para Menninger, qualquer comportamento autolesivo ou atividade que imponha risco à vida podem ser compreendidos dentro do contexto suicida. Assim, distingue várias formas de suicídio que podem ser suicídios crônicos – como psicóticos, dependentes químicos, anti-socias – suicídios focais – automutiladores – suicídio orgânico – derivado de doenças somáticas – e o suicídio inconsciente – observado em fatalidades ocasionadas em esportes de alto risco ou acidentes automobilísticos, ou seja, mortes inconscientemente intencionais (SARAIVA, 2010).

A partir de um eixo teórico fundamentado na noção freudiana de trauma, Macedo e Werlang (2007) desenvolveram uma linha de raciocínio estimulada pelos resultados da prática clínica. Recorrentemente, era possível observar em pacientes que haviam sobrevivido a uma tentativa de suicídio uma espécie de alheamento. Eles não conseguiam se comunicar ou explicar o que aconteceu, transmitiam uma sensação de anestesiamento emocional. Durante o tratamento, após começarem a encontrar modos de se expressar, transmitiam o sentimento de vazio e de que algo indizível ocorrera.

Pela análise qualitativa de cinco casos de pessoas que tentaram suicídio, Macedo e Werlang (2007) abordaram a tentativa de suicídio como um ato-dor decorrente da vivência de experiências traumáticas, ou seja, daquilo que escapa ao espaço representacional do sujeito.

ato que ocorre sem mediação e sem adiamento, daí seu caráter violento. A quantidade que irrompe no psiquismo buscará uma forma de descarga sendo que, na situação da tentativa de suicídio, o “violento” dirige-se contra a própria pessoa no ato de buscar a própria morte (MACEDO e WERLANG, 2007, p. 185)

A teoria do trauma seguiu sendo desenvolvida por Ferenczi, e este entendia o traumático como aquilo que não poderia ser inscrito psiquicamente. A impossibilidade de representar ou atribuir sentido a um ocorrido é o que torna um processo patológico. A dor psíquica, assim, corresponde a um sentimento de desagregação de si, aproximando-se da vivência de morte. “Quando as tentativas de lidar com o trauma fracassam e aumenta a sensação de desagregação, medidas psíquicas drásticas precisam ser acionadas” (MACEDO e WERLANG, 2007, p. 186).

O ato-dor é, portanto, uma expressão proposta para designar a tentativa de suicídio que decorre do traumático e da dor psíquica. Essa dor anula investimentos das forças de libido, ou seja, da vida, quando objetiva o falso alívio de morte como única solução. Macedo e Werlang (2007) afirmam que o espaço de escuta instaura condições de atribuição de sentido ao traumático. Ao se dar a ruptura com o “inominável”, rompe-se o estado de clivagem psíquica. A clivagem pode ser entendida como um movimento de recusa, que possibilita a coexistência no ego de duas atitudes psíquicas completamente diferentes frente à realidade, uma considerando-a e outra recusando-a.

Para Botega (2015), as considerações do ato suicida como um ato-dor acenam para a importância de uma atenção que possibilite uma construção de sentido e uma atribuição de significado aos sobreviventes de suicídio.

Dentro do campo da psicologia, no entendimento da teoria cognitivo- comportamental, o suicídio pode ser abordado como uma forma extrema de comportamento de esquiva. A pessoa é levada a tirar a própria vida para evitar uma experiência significativa de dor. Em virtude da não satisfação de expectativas do sujeito, de sua família ou de sua comunidade, à esquiva pode-se agregar contingências coercitivas, como reforçamento negativo e punição, o que aumentam o sentimento de culpa e de incapacidade (BOTEGA, 2015).

Indivíduos que tentam suicídio tem uma tendência maior a apresentarem estratégias de enfrentamentos de crise mais pobres e são mais sensíveis a estímulos que podem sinalizar fracasso e rejeição. Pôde-se observar que eles constroem distorções cognitivas em que se sentem repetidamente enganados, sem escapatória e que não conseguem esperar cenários positivos. Outras distorções cognitivas podem ser: pensamento dicotômico

(tendência à avaliação dualista e radical), sentimentos de catástrofe, abstração seletiva, inferências arbitrárias, rotulagem, personalização, pensamento comparado, desqualificação do positivo e falácia do belo (crença de que o perfeito, o belo e o harmonioso devam ser a regra geral da vida). (BOTEGA, 2015)

Segundo McGoldrick e Gerson (1987), o funcionamento das relações familiares é intrínseco aos comportamentos suicidas. As situações e experiências, como prejuízos na vinculação, pautas familiares e geração de mitos transmitem-se de geração a geração e vão se repetindo. A ocorrência de rigidez de padrões interativos, de comunicação e apego emocional incipiente podem levar a dificuldades no desenvolvimento da identidade pessoal e na capacidade de enfrentamento de crises (HENRY et al, 1994). Ambientes familiares que costumam subestimar problemas também mostraram-se responsáveis por aumentar a vulnerabilidade dos pacientes que sofrem de transtorno da personalidade borderline, levando- os à negação, punição e respostas inadequadas diante de problemas emocionais (LINEHAN, DEXTER-MAZZA, 2009).

Segundo Saraiva (2006), a tentativa de suicídio pode, ainda, ser percebida como uma forma de metacomunicação, ao expor problemas como distorções ou ausência de vínculos familiares. O autor apresenta uma ótica interessante em que o ato de tentar se matar é, também, um ato de comunicar, estando relacionado com o poder dentro da matriz familiar, quando a utilização do próprio corpo torna-se um meio de retomar o poder.

No documento antonionealvesgrassano (páginas 47-50)