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Para construir sociedade, o homem é obrigado a respeitar direitos alheios e a cumprir os deveres necessários à boa convivência. A partir dessa premissa, surgem valores e regras morais, que possibilitam a convivência justa, livre e solidária com o outro. Com isso, o sujeito passa a definir os rumos de sua própria história e a escolher, com base em regras, valores e princípios morais, o que é melhor para si e para a sociedade à qual pertence. Ubiratan Borges de Macedo sintetiza a questão ao dizer que “os direitos humanos são exatamente esse mínimo moral − a moral consensual de nossa sociedade. Sendo a coagulação do código moral de nossa cultura, como direitos morais que são” (MACEDO, 2003, p. 58).

O Brasil é um Estado social de direito de inspiração democrática por imposição constitucional. Isso significa que o modelo de Estado Social e de regime político democrático não pode ser deixado de lado para se compreender e interpretar a ordem jurídica vigente. Tais princípios se fazem presentes já no caput do artigo 1º, que institui o Estado democrático de direito, tendo como fundamento a cidadania (inciso III) e o pluralismo político (inciso V). Já o parágrafo único do mesmo dispositivo consagra o princípio da soberania popular.

A adoção dos princípios, dos objetivos e dos fundamentos do Estado Social e Democrático de Direito fez com que a Constituição Federal de 1988 não se limitasse à fixação dos contornos do poder frente à liberdade do indivíduo nem à organização das formas de participação popular na esfera das decisões políticas. No âmbito desse Estado, de caráter prestacional, a positivação jurídica de valores sociais passou a servir de base não apenas à interpretação de toda a Constituição, mas também à criação, à direção e à regulação de situações concretas. Nesse contexto, as leis, em seu sentido de normas abstratas gerais, deixam de ser o instrumento por excelência do Estado, uma vez que a promoção de seus objetivos sociais e a realização do princípio democrático, em sua materialidade, demandam intervenções por meio de políticas públicas (COMPARATO, 1997, p. 350).

Essas políticas públicas instituídas fundamentalmente pelo Estado devem ser pensadas a partir da definição jurídico-social do conceito de sujeito de direito, ou seja, de um sujeito titular de direitos e deveres e que tem uma relação jurídica com os outros sujeitos. Para que o Direito se exteriorize de forma a compor a convivência em sociedade, através do conceito de sujeito de direito, é fundamental compreender o Estado como uma instância convergente de uma série de relações de poder que integram as forças existentes em uma sociedade e um dispositivo que se articula e se estabiliza para a constituição do próprio sujeito (MACEDO JR, 1990).

O Direito não é, portanto, apenas aquele instrumento que garante a convivência entre o sujeito de direitos, mas é propriamente quem o constitui. Por isso o Estado Democrático de Direito reconhece os sujeitos de direito como autores e destinatários da lei e do provimento jurisdicional. Essa noção de Estado pressupõe uma aceitabilidade do Direito por todos, de modo que fique assegurado o processo legislativo de acordo com a soberania popular e que haja o respeito ao sistema de direitos fundamentais. Os fundamentos de “cidadania, dignidade humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” do Estado Democrático de Direito brasileiro remetem à ideia de um sujeito de direitos com ampla proteção social, através de políticas públicas sociais que garantam condições de uma vida digna e com condições para uma cidadania ativa, ou seja, participativa da esfera pública.

O Estado Democrático de Direito traz, portanto, uma série de questões que homogeneizam, ao mesmo tempo, a experiência de si (noção de dignidade humana), os ideais a serem buscados (valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político) e condiciona esses princípios e normativas a todas as pessoas (COMPARATO, 1997, p. 350).

Como sujeitos, temos capacidade não só de pensar, agir e de nos relacionar com o mundo físico e social, mas também de ser portadores de direitos. Esses direitos, além de estarem relacionados à noção da natureza humana, estão basicamente ligados à esfera do Estado, configurado em princípios legais destinados a garantir e a defender a dignidade humana. No vínculo com o Estado, o homem é obrigado a seguir leis e a reconhecer no outro as mesmas qualidades que definem sua humanidade (KANT, 1980).

O sujeito de direitos é uma das mais importantes conquistas da modernidade, com o qual surgiram também alguns dos princípios fundamentais da vida social,

como a definição do indivíduo como uma pessoa detentora de dignidade. Esse sujeito, ao ser entendido como ser humano, passa a ter um instrumento privilegiado de defesa, promoção e realização de sua dignidade: os direitos humanos, cuja base de sustentação é a dignidade humana, que define a essência do ser humano e o valor de humanidade que se atribui ao sujeito. Essa noção de dignidade serve também para direcionar o agir, o sentir e o pensar do homem em suas relações sociais e para proteger os sujeitos de direitos, independentemente do seu status social, cor ou raça. Como universais, os Direitos Humanos se baseiam em fundamentar suas ações protetivas, no núcleo mínimo de direitos inerentes a todo e qualquer ser humano.

Inseridas nesse núcleo mínimo de direitos, as políticas públicas são instrumentos de efetividade dos direitos sociais que retratam o dever do Estado de garantir os direitos dos sujeitos, saúde, educação, assistência, moradia, transporte, etc. O Direito não atua apenas normatizando o convívio entre os sujeitos, mas confere deveres ao Estado. Elas, ao mesmo tempo em que efetivam direitos, regulam e ordenam a vida dos sujeitos, seja através de prescrições sobre os modos de vida, seja pela via do instituído pelo Estado, regulando as formas de participação política dos sujeitos.

George Sarmento, em seu artigo A Educação em Direitos Humanos e a

Promoção da Cidadania Brasileira (2012), afirma que o problema não está na

garantia do direito, mas na desinformação dessas garantias. Para ele, podemos considerar sujeito de direitos todo aquele que tem familiaridade com os principais tratados internacionais e o catálogo de direitos fundamentais contidos na Constituição de seu país e que estabelece interlocução com instituições democráticas como o Ministério Público, os PROCONS, o Poder Judiciário, o Poder Executivo, a Defensoria Pública, os meios de comunicação etc., tendo ciência das possibilidades de ações que garantam a efetividade e a exigibilidade de seus direitos.

O autor aponta, ainda, que o sujeito de direitos deve se comprometer com a promoção dos direitos humanos, participando amplamente de ações que promovam a defesa da dignidade humana e fortaleçam a cidadania, estando apto a produzir, de forma coerente, um discurso jurídico que exija a correta aplicação das normas jurídicas garantidoras de direitos fundamentais.

Com o Estado Democrático de Direito, a ascensão desse sujeito trouxe o redimensionamento de toda a estrutura legislativa, tendo como base o princípio da dignidade humana. Quando uma lei (norma) é elaborada e todas as vezes em que é interpretada e aplicada, encontra-se subtendida a noção de sujeito de direito1 e sua

dignidade, que, segundo Kelsen (KELSEN, 2006, p. 191), é aquele a quem a lei – em sentido amplo – atribui direitos e obrigações, e cujo comportamento se pretende regular.

O entendimento de sujeito que surge a partir da ênfase na dignidade do ser humano e, consequentemente, no direito social, é marcado pela ideia de que é responsabilidade do Estado garantir e prover esses direitos através de ações positivas. Assim, falar em sujeitos de direitos é pensar num sujeito social. Por isso, quando o jurista Lênio Streck (2006) propõe uma sociedade pluralista que sustenta seu ordenamento jurídico no princípio do ser humano, preocupada com a não exclusão e com a transformação social, e quando Paulo Freire (2011) fala que só o homem é capaz de diferenças entre o ontem e o hoje e estabelece que essa constatação da “passagem de uma época para a outra se caracteriza por fortes condições que se aprofundam, dia a dia, entre valores emergentes em busca de afirmações, de realizações, e valores do ontem em busca de preservação” (FREIRE, 2001, p. 88-89), estão, implicitamente, tratando do mesmo assunto - sujeito de direito e sua valoração.

Portanto o reconhecimento e a valorização do sujeito de direitos passam, inevitavelmente, por uma formação educacional que proporcione a reflexão crítica e responsável, fazendo com que esse sujeito absorva e vivencie seu papel transformador da sociedade. Como disse Lênio (2006), precisamos ter consciência do poder transformador do direito e não mais nos contentar somente com sua declaração e garantias. Para a concretização do sujeito de direitos, em sua totalidade, é preciso valorizar o ser humano em todas as suas dimensões. Segundo George Sarmento, esta é a maior missão da Educação em Direitos Humanos: formar cidadãos ativos e conscientes de seu papel na sociedade.

1

Segundo Kelsen, “a teoria tradicional identifica o conceito de sujeito jurídico com o de pessoa. Eis sua definição: pessoa é o homem enquanto sujeito de direitos e deveres” (KELSEN, 2006, p. 191). Aqui se pretende analisar o sujeito de direito como pessoa física, não jurídica.