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O sujeito e domínio sobre si

1.2 A CONSTITUIÇAO DO SUJEITO EM O USO DOS PRAZERES

1.2.3 O sujeito e domínio sobre si

Quanto à investigação sobre o sexo, logo depois que começou uma mudança da temática sexual para o corpo (a partir dos séculos XVII e XVIII), Foucault passou a questionar sobre a condição da criança, da saúde e da normalidade, ou seja, houve um “novo deslocamento do núcleo de problematização no interesse que foi manifestado pela sexualidade da criança e, de uma maneira geral, pelas relações entre o comportamento sexual, a normalidade e a saúde” (FOUCAULT, 2007b, p. 220).

O domínio atingido do sujeito moral seria expresso como domínio sobre si, tanto no modelo de vida doméstica como no modelo da vida pública, onde o essencial seria a

constituição da autoridade no governo de si, na administração da casa e no governo da polis. Esta forma ativa de domínio de si tinha a sophrosyne como objetivo, ou seja, governar desejos e prazeres para alcançar a liberdade e o conhecimento. Liberdade de poder que se exercia sobre si, e de poder que se exercia sobre os outros. O cuidado de si11 era a condição para não se tornar escravo dos seus desejos, sendo, portanto, a própria liberdade individual. A liberdade individual e até civil foi problematizada pelos gregos como ética (ethos), sendo uma tarefa política.

Na antiguidade clássica, o valor moral do domínio de si é também um valor estético. A liberdade manifesta a vida como obra. O regime físico dos prazeres e a economia que se lhes impõe faz parte da arte de si. É no domínio de si que o sujeito mostra-se em relação a si mesmo. O sujeito de desejo, quando tem domínio de si, desenvolve uma arte da existência, determinada pelo cuidado de si. As tekhnai, ou artes da existência, são referências para as análises que demarcam uma linha entre a razão e o saber, onde está o domínio da estética. Foucault (2007b) questiona por que a finalidade é estética:

[...] de que maneira, por que e sob que forma a atividade sexual foi constituída como campo moral? Por que esse cuidado ético? Por que esse cuidado ético tão insistente, apesar de variável em suas formas e em sua intensidade? Por que essa ‘problematização’? (FOUCAULT, 2007b, p. 14)

Foucault não almejou avaliar comportamentos, ideais, sociedades e suas ideologias, mas as “problematizações”, através das quais o indivíduo se deu como algo que pode ser pensado, e as práticas, a partir das quais essas problematizações se formaram. A atividade e os prazeres sexuais foram problematizados através das práticas de si, e, com isso, coloca-se em jogo os critérios de uma estética da existência. O indivíduo pode dominar-se, transformar-se na relação consigo mesmo, independente de prescrições. O regime é de uma “arte de viver”, onde se evita o desperdício e requer cuidado para evitar a morte. Os prazeres que provém da atividade sexual são resultantes do jogo entre vida e morte, sendo o campo para a formação ética do sujeito. Em Uso dos prazeres, ele deixa claro que:

[...] a exigência de austeridade implicada pela constituição desse sujeito senhor de si mesmo, que não se apresenta sob a forma de uma lei universal, à qual todos e cada um deveriam se submeter; mas, antes de tudo, como um princípio de estilização da conduta para aqueles que querem dar à sua existência a forma mais bela e melhor realizada possível. (FOUCAULT, 2007b, p. 218)

11 Cuidado de si, aqui, no sentido de “recolher-se em si”, “estar consigo mesmo”, “ocupar-se consigo mesmo”,

Consequentemente, nem interdições, nem leis universais, mas, sim, uma estética da existência daria a forma bela à vida. Assim, em Uso dos Prazeres, Foucault analisou a teoria e as práticas subjetivantes ou práticas de si que problematizam, como questão moral, as condutas sexuais, visando ao que se pode chamar de a subjetivação do sujeito. Tal subjetivação, na Grécia nos séculos IV e III a.C., é o resultado de uma relação consigo, constituída a partir de uma estilização da liberdade numa estética da existência, através da qual o homem desse período procurou conferir à sua vida a forma a mais bela possível.

Foucault tomou por base a história da sexualidade para buscar como se deu a formação do sujeito moderno, visto através da sexualidade, sendo este um dispositivo histórico, pois gerou preocupação científica, administrativa e social. Foi possível observar, então, sua estreita relação na origem da identidade do sujeito. A análise das transformações do comportamento dos sujeitos em relação a sua sexualidade permitiu observar de que forma os indivíduos buscam sua identidade diante da sociedade e de si próprios, visto que suas ações estão diretamente ligadas a questões de práticas cotidianas, como saúde, trabalho, lazer, família, educação etc. Sendo a sexualidade uma ação que gera muitas consequências, faz-se necessário dar continuidade à pesquisa, abordando como cada um se relaciona consigo mesmo e com sua própria sexualidade, uma vez que estamos inseridos em um meio mantido por uma rede de poderes.

2 O CUIDADO DE SI NA HISTÓRIA DA SEXUALIDADE

Neste capítulo o tema abordado será o cuidado de si, tendo como base teórica principal o volume III de História da sexualidade. Para colocar em prática o cuidado conosco mesmos, é preciso que dediquemos uma atenção especial a esta tarefa, pois, ao cuidarmos de nós mesmos, estamos nos construindo.