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3 ASPECTOS METODOLÓGICOS: O SENTIDO E DIREÇÃO DA PESQUISA

3.3 SUJEITOS DA PESQUISA

Em relação aos sujeitos, foram utilizadas as informações disponibilizadas pelas secretarias acadêmicas e a lista fornecida pela Coordenadoria de Acessibilidade Educacional (CAE).

A Coordenadoria de Acessibilidade Educacional (CAE) é um programa da Universidade Federal de Santa Catarina que atua com a graduação e a pós-graduação, objetivando ações de acessibilidade na comunidade universitária, a saber: articular a implementação das políticas públicas de inclusão na UFSC, oferecer suporte aos cursos de graduação e pós-graduação acerca das práticas pedagógicas, orientar sobre as ações de acessibilidade na universidade.

Nessa perspectiva, essa coordenadoria é vinculada à Pró-Reitoria de Graduação – PROGRAD, localizada no prédio da Reitoria 1, com atuação junto a Educação Básica, cursos de Graduação e de Pós-Graduação, buscando atender ao princípio de garantia de direitos da pessoa com deficiência na universidade.

Dessa forma, a seleção dos participantes foi feita mediante lista de pessoas que se autodeclararam surdas ou portadoras de deficiência auditiva, que é elaborada por essa coordenadoria através de uma coleta de dados no sistema de Controle Acadêmico da Graduação (CAGR) e do sistema para a Pós-Graduação (CAGP) e por confirmação via e-mail para os alunos.

Os contatos com os acadêmicos surdos deram-se inicialmente por meio de correio eletrônico e de redes sociais. De vinte e um alunos contatados, cinco responderam aos contatos. Apenas três aceitaram participar da pesquisa. Para ser mantido o sigilo das identidades, as acadêmicas serão denominadas da seguinte forma:

3.3.1 Scheilla

A entrevista com Scheilla deu-se na Universidade Federal de Santa Catarina, no espaço junto ao Restaurante Universitário. Scheilla trouxe consigo outra acadêmica ouvinte, que não participou da entrevista. Como Scheilla realiza leitura labial e faz uso de aparelho de amplificação sonora individual – AASI, não foi necessária mediação: apenas que nos sentássemos uma de frente à outra. A fala de Scheilla é inteligível, apenas marcada por forte sotaque nordestino. Essa entrevista durou vinte e sete minutos.

Scheilla é doutoranda em Bioquímica, tendo como formação inicial a graduação e mestrado em Zootecnia, em uma universidade federal do nordeste brasileiro. Tem como diagnóstico a deficiência auditiva bilateral profunda, descoberta apenas quando tinha 10 anos. Scheilla faz uso de aparelho de amplificação sonora individual em ambos os ouvidos, realiza leitura labial e é oralizada. Não utiliza intérprete.

Ela relata que, em sua infância, não compreendia muitas coisas, dando como exemplo, situações em que via seus irmãos sentados em frente à televisão, e ela não entendia os motivos pelos quais eles estariam ali. Sentava-se ao lado deles, pois considerava ser certo a fazer, mesmo que não compreendesse o que via.

Acredita ter aprendido a falar sem ajuda, pois quando criança, a família não percebeu sua deficiência, que só foi descoberta quando tinha dez anos. Considera que a perda auditiva ocorreu em virtude de rubéola da mãe, em sua gestação. Aos 12 anos, a família conseguiu adquirir um aparelho de amplificação sonora individual – AASI, sendo que o segundo só foi adquirido quando estava com 22 anos. Não utiliza LIBRAS, sabe apenas o básico da língua que aprendeu para comunicar- se com dois amigos surdos.

Na educação básica, frequentou apenas escola comum. Relatou que era considerada uma pessoa tímida no ambiente escolar, apresentando algumas dificuldades na aprendizagem, como ela mesma relatou, principalmente com as palavras “esse” e a letra “s”, “colher”, ”mulher”, e outras como essas palavras. Relata que tinha muita dificuldade na fala, mas na escrita não.

Sobre suas interações com os professores, afirmou ter muita dificuldade. Entretanto, não os culpa, tendo em vista que ela mesma só veio a reconhecer-se como surda aos 12 anos, quando estava na sétima série. A partir do uso do aparelho, ela começou a falar com os professores, a orientá-los para que ela pudesse realizar a leitura labial, a

dizer-lhes que não havia necessidade que aumentassem o tom de voz, apenas que ficassem de frente para ela.

3.3.2 Luana

Luana é educadora e funcionária pública. A entrevista foi realizada em seu local de trabalho, que conta com a presença de intérprete de língua de sinais, que mediou a entrevista, a qual teve duração de onze minutos.

Luana é doutoranda em Linguística, tem graduação em Pedagogia à distância para surdos, realizada na Universidade do Estado de Santa Catarina. Seu primeiro vestibular foi realizado no Estado do Rio de Janeiro, onde cursou dois semestres do Curso de Letras e abandonou.

Nasceu ouvinte e, a partir dos 3 anos, foi perdendo a audição. A perda total se deu com 11 anos. Afirma que sua língua materna é a língua portuguesa. Nunca utilizou AASI. Aprendeu LIBRAS com 22 anos. Oraliza e faz leitura labial, entretanto, afirma que muitas vezes não é entendida. Quando isso ocorre, utiliza LIBRAS. Em seu cotidiano, faz uso de intérprete, tanto na universidade como em seu trabalho.

Na educação básica, frequentou apenas escolas comuns. Não apresentava dificuldades na aprendizagem, pois sua língua natural é a língua portuguesa. Utilizava-se de leitura labial, oralização e escrita em suas interações com os educadores.

3.3.3 Amanda

A entrevista com Amanda foi realizada na UFSC, no Centro de Comunicação e Expressão, mediada por dois intérpretes, tendo a duração de 38 minutos.

Amanda é mestranda em Educação e tem como formação inicial os cursos de Pedagogia a distância para surdos, da Universidade do Estado de Santa Catarina, e Letras-LIBRAS, da Universidade Federal de Santa Catarina.

Acredita que nasceu ouvinte, entretanto sofreu um acidente aos sete meses de idade, que pode ter ocasionado à surdez. Sua surdez foi descoberta de forma precoce e ela foi encaminhada à Fundação Catarinense de Educação Especial, com um ano e meio.

Nos anos seguintes, aprendeu a ler e escrever e participou de terapias de fala, em uma perspectiva oralista. Quando estava com nove

anos, a Fundação Catarinense de Educação Especial encerrou esses trabalhos, ao assumir a política de inclusão. Sendo assim, ficou um ano sem atendimento pedagógico, até que a família a matriculou na escola pública.

Na entrevista, referiu-se ao medo da mãe em deixá-la sair de casa neste período, tendo permanecido um ano em casa. Após esse período, houve uma mudança de perspectiva familiar e ela passou a ser constantemente estimulada a ter interações com outras pessoas, faziam-na, por exemplo, ir à padaria sozinha e comprar o pão para a família. Os pais passaram a questionar-se sobre a não-escolarização de Amanda, até o momento em que a matricularam na educação básica, na mesma escola que as irmãs.

Relatou ter dificuldade no primeiro ano porque não conhecia as palavras. Assim, não tinha acesso à informação. Então, sua irmã a auxiliava, ensinava-a, explicava-lhe o que era. Amanda não tinha acesso à informação auditiva, e as informações todas que a rodeavam eram auditivas.

Considera que não escreve bem. Nas suas interações na escola básica, havia o reconhecimento de sua surdez. Os professores e colegas a apoiavam e auxiliavam. Permaneceu na mesma turma por dez anos. A partir dos 10 anos, teve contato com a cultura surda e a LIBRAS, sendo que professores e alunos passaram a aprender a língua de sinais para melhor comunicação entre a comunidade escolar. Apenas utiliza-se dessa língua, que considera sua língua natural. Não se utiliza de leitura labial, nem oraliza, optando sempre pela utilização da LIBRAS. Faz uso de intérprete na universidade.