• Nenhum resultado encontrado

A SUPEREXPLORAÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO

CAPÍTULO 3: O TRABALHO NUMA ECONOMIA DEPENDENTE

3.2 A SUPEREXPLORAÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO

Marx parte do pressuposto quando inicia a análise sobre a força de trabalho que as mercadorias são trocadas na economia pelos seus equivalentes. A força de trabalho é uma mercadoria especial porque é ela quem cria valor. Diz Marx que o capitalista deve “[...] comprar a mercadoria pelo seu valor, vendê-la pelo seu valor e, apesar disso, colher, no fim do processo, mais valor do que lançou” (MARX, 2009, p. 197).

Obedecendo a esses pressupostos, o tempo de trabalho necessário para a reprodução da força de trabalho corresponde ao seu salário, em condições onde o preço (salário) se

equivale ao valor. O trabalho não remunerado, embolsado pelo capitalista, é chamado de mais-valia. Para medir o grau de exploração dos trabalhadores, calcula-se a taxa de mais- valia, que é a relação entre a mais-valia e capital variável. Dessa forma, podemos ter a dimensão de quão explorados estão sendo os trabalhadores.

Para compreender em que medida a categoria da superexploração da força de trabalho não viola a elaboração realizada por Marx, é necessário levar em conta que em diversas passagens d’O Capital ele trata desse tema admitindo o pagamento da força de trabalho abaixo do seu valor. Afirma ele que quando isso ocorre, a força de trabalho se atrofia. Outro ponto fundamental é relembrar que existe um descolamento entre preço e valor das mercadorias.

Um terceiro ponto se refere ao cuidado de não admitir que a violação do valor da força de trabalho se trata da violação da lei do valor, já que a dialética marxiana trata justamente de contra-tendências às leis que ditam a dinâmica do capital. A respeito disso, Luce (2013) argumenta:

Assim como Marx discutiu a capacidade de o capital contrarrestar a lei da queda tendencial da taxa de lucro através do comércio exterior, a superexploração da força de trabalho consiste de uma lei de tendência própria do capitalismo dependente, a qual segue a orientação de contrarrestar a transferência de valor a que as economias dependentes estão submetidas na divisão internacional do trabalho. (LUCE, 2013, p. 147)

Enquanto os países centrais realizavam a passagem para a mais-valia relativa, a América Latina teve de lidar com as suas perdas de mais-valia resultantes das trocas desiguais superexplorando a força de trabalho. Marini define assim claramente:

[...] a superexploração é melhor definida pela maior exploração da força física do trabalhador, em contraposição à exploração resultante do aumento da sua produtividade, e tende normalmente a se expressar no fato de que a força de trabalho se remunera abaixo de seu valor real. (MARINI 2011b, pg 180)

Logo, é justamente pela baixa produtividade do trabalho que se pratica a superexploração da força de trabalho na periferia latino-americana. Isso nos leva a atentar para o fato de que não é a superexploração uma forma de definir “mais exploração”, pois o grau de exploração se mede através da taxa de mais-valia. O trabalhador A pode ser superexplorado e mesmo assim, ter uma taxa de mais-valia abaixo do trabalhador B, que é melhor remunerado. Esta é a diferença, inclusive, entre países com alta produtividade – que têm na mais-valia relativa a sua forma predominante de exploração – dos países periféricos

que precisam realizar esta compensação pagando salários abaixo do valor da força de trabalho.

Osório (1975, p.7) considera que a categoria da superexploração da força de trabalho preenche o vazio teórico deixado por Marx, pois ela dá “cuenta de las formas que asume la violación del conjunto recondiciones necesarias para la producción y reproducción de la fuerza de trabajo, en los procesos de producción y circulación”. Argumenta ele que quando a exploração capitalista viola o valor da força de trabalho, esta exploração assume um caráter superexplorador.

Segundo Marini (2011a), a superexploração da força de trabalho é realizada por meio dos mecanismos de intensificação do trabalho, prolongamento da jornada e expropriação de parte do trabalho necessário ao trabalhador para que ele recomponha sua força de trabalho.

A intensificação do trabalho trata-se do aumento da produtividade do trabalho resultante da pressão sob o trabalhador, tendo como consequência um aumento da produção num mesmo período de tempo, fato que provoca um maior desgaste físico e psicológico do trabalhador. Já o prolongamento da jornada de trabalho se dá quando os trabalhadores fazem uma jornada maior do que o limite legal. Este caso é facilmente observado através das horas- extras, que muitas vezes não são remuneradas, ou do banco de horas, que embora seja uma compensação de horas, na prática significa deixar à disposição do empregador a alocação de todo o tempo do trabalhador, podendo manejá-lo em função da demanda de trabalho. A flexibilização da jornada, através da hora extra e do banco de horas, faz com que o trabalhador perca o controle da sua rotina diária, uma vez que sua compensação sempre ocorrerá quando se tem menos demanda de trabalho. Já o trabalhador sem controle disso não pode sequer programar suas atividades de descanso e lazer. Essas pressões exercidas pelo capital constantemente fazem com que diminua o tempo de vida útil do trabalhador; aumente os acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, além do estresse, doenças psiquiátricas e afastamentos.

A expropriação de parte do trabalho necessário ao trabalhador para que ele recomponha sua força de trabalho, também conhecida na literatura marxista como conversão de parcela do fundo de consumo do trabalhador em fundo de acumulação do capital, se trata da contratação da força de trabalho abaixo do seu valor. Verifica-se isso através da perda do poder de compra dos salários. Neste caso, a inflação representa um dos mais importantes mecanismos de transferência de renda da classe trabalhadora para o capital.

Uma das críticas geralmente feitas à categoria da superexploração da força de trabalho é de que ela se trata meramente de mais-valia absoluta. O próprio Marini esclarece acerca disso:

[...] o conceito de superexploração não é idêntico ao de mais-valia absoluta, já que inclui também uma modalidade de produção de mais-valia relativa – a que corresponde a um aumento da intensidade do trabalho. Por outra parte, a conversão do fundo de salário em fundo de acumulação de capital não representa rigorosamente uma forma de produção de mais-valia absoluta, posto que afeta simultaneamente os dois tempos de trabalho no interior da jornada de trabalho, e não somente o tempo de trabalho excedente, como ocorre com a mais-valia absoluta. (MARINI, 2011b, p. 180)