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4.2 Transcritos intragênicos (intraRNAs)

4.2.5 Superexpressão de domínios através de intraRNAs

Para avaliar os possíveis efeitos fenotípicos da superexpressão de domínios proteicos individuais no desenvolvimento de H. salinarum NRC-1 foram realizadas curvas de crescimento com linhagens superexpressando os intraRNAs dos genes VNG_RS07995, VNG_RS05220, VNG_RS11810, além do intraRNA do gene VNG_RS00175, o qual também codifica uma proteína de controle de ciclo celular (Seção 3.11 - Superexpressão de intraRNAs).

A curva de crescimento das linhagens superexpressando os intraRNAs em meio de crescimento CM (complex medium) não apresentou diferença significativa em relação a linhagem controle contendo o vetor de superexpressão vazio (Figura 30A). As pequenas diferenças de crescimento não foram reprodutíveis entre as réplicas biológicas utilizadas no experimento. Reproduções do experimento em outros momentos apresentaram resultados similares (dados não apresentados). Um dos possíveis motivos para ausência de fenótipo relacionado a superexpressão desses intraRNAs pode estar relacionado com a grande redundância de genes que apresentam os domínios presentes na região correspondente aos intraRNAs. Como discutido anteriormente os domínios relacionados ao gene VNG_RS07995 (trkA-N e C) estão presentes, em conjunto, em 9 genes de H. salinarum NRC-1 (Tabela 12) enquanto que os domínios relacionados aos intraRNAs dos genes VNG_RS05220 (PF13193) e VNG_RS00175 (PF09079) estão presentes em 5 e 7 genes, respectivamente.

Como a proteína produzida a partir da tradução do intraRNA do gene VNG_RS07995 apresenta o domínio trkA, o qual está relacionado com o transporte de potássio (Schlosser et al , 1993; Coker et al, 2007), decidimos avaliar o crescimento da linhagem superexpressando esse intraRNA em um meio de cultura deficiente para potássio (Wurtmann et al., 2014). O crescimento da linhagem controle e a linhagem superexpressando o intraRNA apresenta

diferenças na fase inicial, sendo que a linhagem superexpressando o intraRNA atinge a DO de 0,5 me torno de 21 horas após a inoculação, enquanto na linhagem controle essa DO é alcançada somente após 27 horas ou mais de crescimento (Figura 30B e C). Após a fase estacionária ambas as linhagens apresentam comportamentos similares no crescimento, mesmo após a adição de 100mM de KaCl no momento 37 horas para que as linhagens retomem o crescimento (Figura 30C).

O potássio apresenta um papel fundamental na osmorregulação de H. salinarum NRC- 1, uma vez que a alta concentração externa de sódio (4-5 M) é contrabalanceada com uma alta concentração interna de potássio (Christian & Waltho, 1962). Apesar de apresentar diferentes genes relacionados com o transporte desse íon, concentrações externas de potássio abaixo de 1 mM tendem a inibir o crescimento de Halobacterium após um determinado período (Strahl & Greie, 2008). O crescimento mais acelerado da linhagem superexpressando o do domínio trkA deve estar relacionado com uma maior facilidade na captação de potássio quando esse está em níveis mais baixo no meio de cultura, possibilitando assim um crescimento mais acelerado em relação a linhagem controle. Após essa fase o crescimento não progride em ambas as linhagens, se mais potássio não for adicionado, uma vez que a disponibilidade desse íon no meio de cultura é baixa. Se quantidades maiores de potássio forem adicionadas ao meio de cultura as duas linhagens apresentam respostas similares na fase final de crescimento, devido à presença de diversos genes responsáveis pela captação de potássio.

Figura 30: Curva de crescimento com linhagens de H. salinarum NRC-1 superexpressando intraRNAs. A superexpressão dos intraRNAs do genes VNG_RS07995, VNG_RS05220 e VNG_RS00175 e VNG_RS11810 não apresentou efeito fenotípico no crescimento de H. salinarum NRC-1 em meio complexo (A). É possível perceber um crescimento mais acelarado da linhagem superexpressando o intraRNA do gene VNG_RS07995, a qual atinge D.O. ligeiramente mais elevadas nas primeiras 24 horas de crescimento em meio de cultura deficiente de potássio (B/C) Em baixas concentrações de potássio as linhagens superxpressando o intraRNA do gene VNG_RS07995 e a linhagem controle não conseguem retomar o crescimento após a fase estacionaria (B). Quando 100mM de potássio são adicionados ao meio de cultura as linhagens voltam a crescer, no entanto não apresentam diferença no crescimento final (C).

A capacidade da superexpressão do intraRNA do gene VNG_RS07995 afetar a fase inicial do crescimento de H. salinarum NRC-1 em condição de baixa concentração de potássio, indica que as proteínas traduzidas a partir desses transcritos podem apresentar papéis funcionais. Essa informação tem implicações na essencialidade de genes, uma vez que a existência de uma região gênica transcrita e traduzida de maneira independente possibilitaria que domínios essenciais continuassem a ser produzidos mesmo que alterações em outras regiões do gene resultassem na produção de proteínas truncadas e sem funcionalidade (Lu et al., 2015).

A determinação de regiões essenciais no desenvolvimento dos organismos envolve o uso de experimentos de deleção dirigidos a determinados genes, mutagênese por meio de mobilização de elementos de transposição e inibição de transcritos via RNAs antisense (Glass et al., 2006; Forsyth et al., 2002; de Berardinis et al., 2008). No entanto, o conjunto de genes essenciais identificados em diferentes organismos apresenta baixa sobreposição, indicando que determinados genes podem ou não ser classificados como essenciais de acordo com o organismo analisado (Lu et al., 2015). Além disso, a análise experimental de genes altamente conservados em bactérias indica que menos de um quarto desses genes são essenciais, indicando que a uma alta conservação não necessariamente está relacionada com a essencialidade do gene (Zalacain et al., 2003).

Trabalhos recentes têm apontado que a essencialidade dos genes pode estar relacionada com a presença de determinados domínios proteicos específicos nos genes analisados (Lu et al., 2014). Resultados nesse sentido foram obtidos com o uso de sistemas de mutagênese por meio de transposons nas bactérias C. crescentus e M. pneumoniae, onde a análise dos genes essenciais demonstrou a existência de sítios de inserção em regiões específicas dos genes, enquanto regiões correspondentes a determinados domínios específicos não foram interrompidos (Christen et al., 2011; Lluch-Senar et al., 2015). Além disso, a

análise de 355 proteínas essenciais em bactérias, identificou 238 domínios sem função conhecida (DUF), sendo que em muitas dessas proteínas esse era o único domínio presente. Esse resultado destaca que domínios sem função estabelecida podem apresentar importantes papéis funcionais no desenvolvimento de bactérias (Goodacre et al., 2014).

Analisadas em conjunto, as informações a respeito dos inícios de transcrição internos a regiões codificantes permitiram a identificação de uma nova classe de RNAs em H. salinarum NRC-1, os RNAs intragênicos (intraRNAs). A existência de 554 iTSS não relacionados a erros de anotação ou a artefatos da técnica de dRNA-seq mostra que a produção de transcritos internos aos genes é amplamente distribuído no genoma dessa archaea. Além disso, a associação de 89 desses intraRNAs com domínios proteicos específicos, e a demonstração experimental de que 3 deles estão envolvidos com a produção de proteínas alternativas, sugere que os intraRNAs podem estar associados com o comportamento modular de domínios proteicos, com importantes implicações na essencialidade de determinadas regiões do genoma. A conservação da associação entre os intraRNAs e determinados domínios proteicos em outros procariotos indica que esse fenômeno pode ser amplamente distribuído nesse grupo.