• Nenhum resultado encontrado

SUPORTE FÁTICO PARA INCIDÊNCIA DA CLÁUSULA PENAL

No documento CLÁUSULA PENAL NO CÓDIGO CIVIL (páginas 126-133)

CONTEÚDO DA CLÁUSULA PENAL

5.1 SUPORTE FÁTICO PARA INCIDÊNCIA DA CLÁUSULA PENAL

A cláusula penal tem por finalidade pré-fixar os danos causados em virtude do inadimplemento (latu sensu) das obrigações, bem como pressionar o devedor a cumprir a obrigação a que ficou obrigado.

O cumprimento normal da obrigação, em seu tempo, lugar e forma estipulados, não poderá gerar qualquer penalidade ao devedor, uma vez que executou a prestação exatamente como combinado com o credor. Em contrapartida, ocorrido o inadimplemento (latu sensu), caso tenha sido estipulada a cláusula penal, poderá o credor se beneficiar da sua fixação.

Ocorre que não é qualquer espécie de inadimplemento que pode gerar a aplicação da cláusula penal estabelecida. O inadimplemento deve ser imputável ao devedor. O atual Código Civil, em seu artigo 408, determina que incorrerá na cláusula penal o devedor que deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora. Pede-se licença para citar a letra da lei.

“Artigo 408, do Código Civil: Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora.”

A necessidade de ser imputável ao devedor a inexecução da obrigação é condição imprescindível para a aplicação da cláusula penal.

O elemento culpa está intrinsecamente ligado à aplicação da cláusula penal. O inadimplemento que decorrer de caso fortuito ou força maior, não permitirá ao credor lançar mão da cláusula penal.

Este entendimento já podia ser encontrado no direito romano. O professor MOREIRA ALVES descreve:

Caso Fortuito, força maior e custódia – São várias, nos textos, as expressões (entre outras: casus, casus fortuitus, uis, uis maior, uis cui resisti non potest, uis diuina, fatale dammum) utilizadas para indicar que a impossibilidade objetiva do cumprimento da obrigação não decorre de ato ou de fato imputável ao devedor, razão por que a obrigação se extingue e o devedor de exime de responder por ela. (...)

Apesar da controvérsia que persiste entre os romanistas atuais, tudo indica que os termos casus fortuitus, uis maior e similares fossem empregados nas fontes para designar diversas hipóteses (por exemplo: terremotos, incêndios, naufrágios, guerra), em que a obrigação se extinguia por impossibilidade objetiva da prestação, e o devedor, a quem o fato danoso não podia ser imputado, se eximia, em conseqüência, de responsabilidade. 103

Também sobre este aspecto, MARIA HELENA DINIZ enumera como um dos requisitos da exigibilidade da cláusula penal a “Imputabilidade do devedor (CC, art. 408, 1ª. parte), pois se inadimplemento

103 ALVES, José Carlos Moreira, Direito Romano, Editora Forense, 14ª.

do contrato principal se deu por caso fortuito ou força maior, ter-se-á a extinção da obrigação e, por conseguinte, da cláusula penal”104.

A verificação da necessidade da culpa também pode ser fundamentada como regra geral dos direitos das obrigações, uma vez que o artigo 393 do Código Civil, acerca do inadimplemento das obrigações, regula que o “devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”.

Sobre escusa de culpa pelo caso fortuito e pela força maior, escreve RENAN LOTUFO.

De qualquer sorte, a prova do caso fortuito é, a um só tempo, prova também da ausência de culpa, até porque, concorrendo o devedor com culpa na produção do evento, não se poderão afirmar inevitáveis os efeitos deste.

Fica excluída, assim, toda possibilidade de uma equiparação do fortuito à ‘ausência de culpa’.

Logo, e com maior razão, quanto à força maior.

O artigo 408, do Código Civil exige a culpa para que ao devedor seja imputada a cláusula penal. No entanto, podem as partes convencionar que a cláusula penal terá lugar independentemente de culpa. Conforme exposto, tal convenção não fere regulação específica da cláusula penal.

Ainda nesta esteira de raciocínio, PAULO NADER, analisando os tempos atuais, menciona:

A culpa latu sensu do devedor é um dos pressupostos de exigibilidade da cláusula penal (art. 408, CC). Destarte, se o incumprimento ou atraso foi devido a caso fortuito ou força maior, ou por fato imputável ao credor, incabível a cobertura de prejuízos mediante aquela cláusula, salvo convenção em contrário. Tal disposição harmoniza-se com o disposto no art. 393, que exclui a responsabilidade do devedor por prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, salvo se por eles se obrigou. A interpretação aqui, como sempre, deve ser sistemática. 105

Acerca da escusa de responsabilidade mencionada, bem como sobre a possibilidade do devedor se responsabilizar pelo caso fortuito e pela força maior, destaca-se CLÓVIS BEVILAQUA.

O efeito do caso fortuito e da força maior é isentar o devedor da responsabilidade pelo não cumprimento da obrigação. Ao

105 NADER, Paulo, Curso de Direito Civil, Vol II, Editora Forense, 2ª.

devedor incumbe provar o caso fortuito ou a força maior, que alega. Não lhe aproveita a prova do fato, se teve culpa na sua realização. O incêndio, por exemplo, é um fato que poderá ser invocado como determinante da impossibilidade, em que se acha o devedor de cumprir a sua obrigação. Mas, bem se compreende, quando quem o invoca não lhe deu causa, nem concorreu para aumentar-lhe os efeitos. Também lhe não aproveita a prova do fato, se dele não resulta a impossibilidade da prestação.

O caso fortuito e a força maior escusam o devedor de responsabilidade pelos prejuízos; mas ele pode, por cláusula expressa, ter assumido esta responsabilidade.106

A interpretação da letra da lei não pode ser estanque, deve ser uma interpretação que entenda a real intenção da norma. Não se fala em buscar a intenção do legislador, o que para muitos parece medida impossível. Deve-se buscar o real alcance da norma que está inserida em um sistema.

O titular do direito disponível pode, dentro dos limites da autonomia privada, também se responsabilizar por eventual prejuízo em caso de força maior e caso fortuito.

Havendo a possibilidade de responsabilizar o devedor por caso fortuito e força maior, nada mais lógico do que alargar o alcance da

106 BEVILAQUA, Clóvis, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil

cláusula penal podendo ser aplicada independente da culpa do devedor, desde que assim se obrigue expressamente o devedor.

Mas, frisa-se, ausente a culpa, ao devedor apenas será imputada a cláusula penal quando assumir, expressamente, esta responsabilidade.

O artigo 408, do Código Civil, ora em estudo, informa que o devedor incorrerá na cláusula penal, “desde que, culposamente,

deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora”.

Diante da segunda parte do referido artigo, foi realizado estudo específico neste trabalho, acerca da mora e sua caracterização. Sobre este aspecto, POTHIER traz elucidativa lição:

Neste caso cabe a pena, quando o devedor foi posto em mora para dar ou fazer o que prometeu. As leis romanas fazem uma distinção entre se a convenção contém ou não um prazo fixado pelo qual o devedor se responsabiliza a dar ou fazer aquilo que se acordou. No primeiro caso, decidem que a pena é devida de pleno direito assim que tenha expirado o prazo, sem que seja preciso haver qualquer interpelação ao devedor, e sem que possa ficar desonerado dessa pena, ainda que, depois de expirado o prazo, ofereça-se para satisfazer a obrigação principal.

A expiração do prazo parecia ser, aos jurisconsultos romanos, de tal modo

suficiente para fazer valer a pena, sem necessidade de constranger de outra forma o devedor, que davam margem a este até quando o devedor tivesse morrido sem deixar herdeiro antes do fim do prazo, e, por conseguinte, mesmo que não se encontrasse ninguém a que se pudesse por em mora para pagar.107

Apenas por cautela, destaca-se que o momento da configuração da mora já fora explanado, inclusive sobre a diferenciação entre a mora ex re (que independe de interpelação) e a mora ex persona (necessita da interpelação para ser caracterizada).

Configurada a mora ou deixando de cumprir, culposamente, a obrigação, estará configurado o suporte fático para a incidência da cláusula penal.

No documento CLÁUSULA PENAL NO CÓDIGO CIVIL (páginas 126-133)