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Nesta parte do trabalho trataremos da segurança jurídica, instituto já conceituado no item I do trabalho e entendida especificamente como resultado da previsibilidade do sistema jurídico.

Tivemos uma experiência jurídica anterior que nos permite refletir sobre a influência da concessão de efeito suspensivo aos recursos sobre o comportamento dos jurisdicionados. Com o advento da Lei no 9.139, de 30 de novembro de 1995, o relator passou a deter poderes para atribuir efeito suspensivo ao agravo;35 as partes podiam optar36 livremente pelo modo “retido” ou “de instrumento”. Resultado: “em poucos meses, as cortes locais estavam repletas de agravos”.37 Araken de Assis avalia que “o vencido prefere tentar suspender a eficácia da decisão agravada apostando em sucesso perante o órgão judiciário de segundo grau, em lugar de se conformar ou optar pelo agravo retido”.38 O agravo é retido pois é interposto perante o juiz de primeiro grau e fica anexado nos autos na própria origem, sendo apreciado no momento em que o Tribunal aprecia o recurso de apelação. O agravo de instrumento cabe em quatro situações:

- quando a decisão recorrida é suscetível de causar á parte lesão grave e de difícil reparação;

- quando a matéria recorrida trata-se de regularidade procedimental;

- quando inexiste ou não é corriqueira a apelação em determinado procedimento; - nos demais casos previstos em lei.

35 Art. 527: “Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinente, se não for caso de indeferimento liminar (art. 557) o relator:

I – poderá requisitar informações ao juiz da causa, que as prestará no prazo de 10 (dez) dias; II – poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), comunicando ao juiz tal decisão;

III – intimará o agravado, na mesma oportunidade, por ofício dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda no prazo de 10 (dez) dias, facultando-lhe juntar cópia das peças que entender convenientes; nas comarcas sede de tribunal, a intimação far-se-á pelo órgão oficial;

IV – ultimadas as providências dos incisos anteriores, mandará ouvir o Ministério Público, se for o caso, no prazo de 10 (dez) dias.” (BRASIL. Lei n 5.869, de 11 jan 1973. Institui o Código de Processo Civil)

36 Art. 522: “Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, retido nos autos ou por instrumento.” (BRASIL. Lei n 5.869, de 11 jan 1973. Institui o Código de Processo Civil)

37 CARMONA, Carlos Alberto. Quinze anos de reformas no Código de Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2007. p. 23.

38 ASSIS, Araken de. Duração razoável do processo e reforma da lei processual civil. In: FUX, Luiz; NERY JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Processo e constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

Assim, podemos já de início sustentar que o efeito suspensivo estimula a não aceitação das decisões (comprometendo, assim, também a pacificação), e tudo leva a crer (já que a mera oportunidade do efeito foi por si só capaz de alterar o comportamento do sucumbente) que esse estímulo ocorre mesmo diante de situações que não causem dúvida ou inconformismo ao interessado.

Existem, na lei processual civil, vários dispositivos que visam a coibir atos atentatórios ao regular andamento do processo e condutas procrastinatórias. Na tentativa de avaliar em que medida essas disposições de espírito incrementam o contingente judiciário, foram buscados dados estatísticos junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, cuja litigiosidade sempre supera a média nacional,39 acerca dos seguintes números:

- a imposição de sanção por litigância de má-fé;

- sua proporção em relação ao número total de demandas ajuizadas;

- quantas foram aplicadas em primeira instância e quantas em grau de recurso; - o número de imposição de sanções por atos atentatórios à dignidade da justiça (art. 600 do CPC);

- número de multas cominatórias e seus montantes;

- o número de multas contra embargos manifestamente protelatórios; - o número de multa aplicada ao devedor recalcitrante (art. 475-J do CPC);

- a quantitade de decisões concessivas de tutela antecipada fundadas no abuso de direito de defesa ou no manifesto propósito protelatório (art.273, II do CPC).

Infelizmente, até o momento da elaboração da presente pesquisa, essas informações ainda não haviam sido disponibilizadas pelo Tribunal. Contudo, entrevistas informais realizadas com desembargadores junto ao Tribunal de Justiça apontam para uma ínfima aplicação de multas para a interposição de recursos meramente procrastinatórios ou para condutas incompatíveis com a boa-fé processual. Essas entrevistas, obviamente não substituem as informações precisas que a consulta pretendia. Mas pelo menos ilustram o argumento desenvolvido neste trabalho de que não há aplicação de medidas que poderiam inibir o comportamento oportunista do uso do efeito suspensivo, a fim de prorrogar o andamento do processo. Nesse sentido, pode-se sustentar que o uso de recursos não é condição suficiente para garantir segurança jurídica, mas é condição necessária para o aumento do tempo de duração do processo.

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FERRAZ, Leslie Shérida Ferraz. Decisão monocrática e agravo interno: celeridade ou entrave processual? A justiça no Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: FGV Direito Rio, 2009. p. 43.

No entanto, foram consultados dados colhidos sob a coordenação de Leslie Shérida Ferraz,40 em pesquisa promovida pelo Centro de Justiça e Sociedade – CJUS na área “acesso à justiça e práticas processuais”. Do trabalho, que compara, dentre outros, os julgados entre os anos 2003 e 2008, é possível verificar que a proporção de decisões monocráticas em sede de apelação tem crescido em relação aos números de acórdãos, tendo atingido, no ano 2008, o percentual de 31,5% dos julgados.41

Lembramos que as decisões monocráticas de indeferimento são cabíveis quando o recurso for manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de tribunal superior. Por sua vez, o relator pode deferir o recurso quando a decisão de primeiro grau contrariar súmula ou jurisprudência predominante.

Embora a pesquisa não aponte qual o sentido das decisões do relator (deferimento ou indeferimento), não há aparente razão para que o número de sentenças que contrariam jurisprudência dominante tenha crescido acentuadamente, sobretudo quando se sabe42 que os juízes em geral consideram que seu merecimento será avaliado em face da “qualidade de suas sentenças”.

O acentuado aumento da litigiosidade43 no Estado e do número de decisões monocráticas (cujo percentual mais que dobrou entre 2003 e 2008 – de 12,1% para 31,5%) e as informações sobre o resultado da concessão de efeito suspensivo ao agravo de instrumento tornam mais críveis que as decisões de indeferimento prevaleçam largamente.

É pertinente acrescentar que nos recursos de agravo preponderam as decisões monocráticas (53,8%),44 e que nas entrevistas realizadas pela equipe de pesquisa os desembargadores “reconheceram proferir decisões monocráticas com mais parcimônia em sede de apelação, já que, segundo eles, esse recurso encerra a controvérsia”.45

Sendo assim, concluímos que de fato a ampliação do tempo havido entre a violação do direito e a tutela corretiva (que se expande com a concessão de efeito suspensivo)

40 Idem. 41 Idem. p. 51.

42 “Um outro fator que reduz o entusiasmo do juiz pela conciliação é a percepção que eles têm, e muitas vezes com razão, de que o seu merecimento será aferido pelos seus superiores, os magistrados de segundo grau que cuidam de suas promoções, fundamentalmente pelas boas sentenças por eles proferidas, não sendo consideradas nessas avaliações, senão excepcionalmente, as atividades conciliatórias, a condução diligente e correta dos processos, a sua participação em trabalhos comunitários”. (WATANABE, Kazuo. Cultura da sentença e cultura da pacificação. In: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES, Maurício Zanoide (Org.). Estudos em homenagem à

professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005)

43 O número de casos novos por 100 mil habitantes aumentou consideravelmente no período pesquisado: 56,3% em seis anos. Idem. p. 43.

44

Idem. p. 50. 45 Idem. p. 51.

tem concorrido para o crescimento de litígios que versam sobre direitos cujos lindes não acarretam perplexidade aos destinatários da norma. Ademais, a manutenção da situação de ineficácia do direito apurado, além de comprimir sua efetividade, prolonga a situação de seu não reconhecimento, comprometendo a segurança havida como estabilidade do sistema jurídico. Conforme veremos nos próximos capítulos, a segurança do sistema é garantida pela obediência ao Princípio do Devido Processo Legal.

Este trabalho insiste em apresentar mais uma colaboração no âmbito do Direito Processual Civil visando a combater o generalizado clamor popular contra a ineficiência na prestação jurisdicional. A sociedade exige que a solução de um conflito judicial seja eficaz no tempo e segura em seu conteúdo.

Por diversas vezes, acompanhei partes que mesmo vitoriosas nas demandas não apresentavam nenhuma satisfação com o resultado em virtude da longa demora na resposta do Poder Judiciário. Tentaremos na medida do possível analisar nos próximos capítulos seguinte a possibilidade de diminuir seguramente o tempo do processo com a supressão do efeito suspensivo do recurso de apelação.

3.3 A UTILIZAÇÃO ESTRATÉGICA DO TEMPO PELOS ATORES (RÉUS) DO