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A linguagem tem um papel decisivo na formação dos processos mentais da criança, sendo um fator de vital importância para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social. A ausência da linguagem interfere de modo significativo no desenvolvimento do indivíduo. No caso do surdo, embora desenvolva linguagem, a mesma, na maior parte das vezes, não evolui para a aquisição de uma língua.

Fernandes (1990) refere que os surdos demonstram pouco conhecimento dos recursos da Língua Portuguesa, caracterizado pela dificuldade com o léxico, pelo uso inadequado dos verbos em suas conjugações, tempos e modos; pelo uso inadequado das preposições e dos advérbios na frase; pela omissão de conetivos em geral, de verbos de ligação e pela falta de domínio e uso restrito de certas estruturas de coordenação e subordinação.

Problemas são registrados também em relação à leitura e compreensão de textos, sendo que as atividades de leitura são limitadas a textos “simples” e curtos e, ainda assim, muitos surdos apresentam dificuldades de interpretação (Souza e Mendes, 1987). Embora sejam capazes de decodificar os símbolos gráficos, grande parte não consegue atribuir sentido ao que lê.

Representada como alguém que tinha muita dificuldade de se comunicar oralmente, a criança surda era submetida ao aprendizado da língua como um sistema constituído por fonemas, morfemas e estruturas frasais, esperando-se que, dominando as regras, a criança surda viesse a usar adequadamente a linguagem (Trenche, 1995). Esta postura tem levado os professores, de um modo geral, a não considerarem questões fundamentais ao processo de constituição da linguagem, como a natureza da relação entre sujeito e linguagem ou entre sujeito e o conhecimento, bem como o seu papel no processo de constituição da linguagem de seus alunos.

Quando a criança é exposta à língua de sinais ela consegue interagir e se comunicar com as pessoas ao seu redor e assim exprimir o que quer, os seus desejos e necessidades.

Esta comunicação é possível não só com os seus pares (outras pessoas surdas), mas também com os ouvintes que aprendem a Língua de Sinais. Assim, observa-se que a criança surda é mais tranqüila, não apresenta alterações de comportamento porque pode compreender as razões de alguns limites impostos, isto é, consegue apreender o que é certo e o errado, o que pode e o que não pode, diminuindo, assim, o comportamento de teimosia, birra e nervosismo. O uso da língua de sinais vai possibilitar também a aquisição de conceitos, noções, conhecimento dos objetos, fatos, acontecimentos do seu dia a dia, o que vai resultar em desenvolvimento cognitivo e de linguagem comparável a da criança ouvinte.

A língua de sinais favorece, também, o agrupamento dos surdos, possibilitando o conhecimento de suas realizações, da cultura dos surdos. Ele passa a ter uma identidade cultural e social valorizadas, é visto como passível de humanidade e não tem que perseguir um objetivo inatingível, o de ser ouvinte. (Moura, 1996).

Vygotsky (1993) refere que é impossível adquirir linguagem sem alguma capacidade inata essencial, mas essa capacidade é ativada apenas por outra pessoa que já possui poder e competência lingüística. É apenas através da negociação com outra pessoa que se adquire a linguagem. Ela é sempre ao mesmo tempo social e intelectual na função. Quanto à relação intelecto e o afeto, Vygotsky propõe que, como toda comunicação, todo pensamento é também emocional, refletindo as necessidades e interesses pessoais, as inclinações e impulsos do indivíduo. Mas se a comunicação se torna inadequada afetará o crescimento intelectual, o intercâmbio social, o desenvolvimento da linguagem e as atitudes emocionais, tudo ao mesmo tempo, de forma simultânea e inseparável.

Vygotsky estabelece duas funções básicas para a linguagem: o intercâmbio social (para se comunicar com seus semelhantes); o pensamento generalizante (a linguagem ordena o real, agrupando todas as ocorrências de uma mesma classe de objetos, eventos, situações, sob uma mesma categoria conceitual). É essa função de pensamento generalizante que torna a linguagem um instrumento do pensamento, isto é, a linguagem fornece os conceitos e as formas de organização do real que constituem a mediação entre o sujeito e o objeto de conhecimento.

Vygotsky (1993) considera que o pensamento e a fala têm raízes genéticas diferentes e desenvolvem-se segundo trajetórias diferentes e independentes; antes que ocorra a estreita ligação entre esses dois fenômenos. Podemos, assim, estabelecer, no desenvolvimento da fala da criança, um estágio pré-intelectual; e no desenvolvimento de seu pensamento, um estágio pré-linguístico.

A fase pré-intelectual da linguagem seria caracterizada como linguagem sem a função de signo, funcionando muito mais como expressão emocional e de comunicação difusa com os outros enquanto que a fase pré-linguística do pensamento se caracteriza pelo uso da inteligência prática e pela utilização de instrumentos. Num determinado momento do desenvolvimento filogenético (por volta dos dois anos), essas duas trajetórias se unem e o pensamento se torna verbal e a linguagem racional, possibilitando, assim, a transformação do biológico no sócio-histórico. O ser humano passa a ter a possibilidade de um modo de funcionamento psicológico mais sofisticado, mediado pelo sistema simbólico da linguagem, mas não elimina a presença da linguagem sem pensamento (como na linguagem puramente emocional ou na repetição de frases decoradas), nem mesmo do pensamento sem linguagem (nas ações que requerem o uso da inteligência prática, do pensamento instrumental). No entanto, o pensamento verbal passa a predominar na ação psicológica tipicamente humana.

Pelo fato de ser a função generalizante da linguagem que a torna um instrumento do pensamento, e a abstração se dar somente através da linguagem, é que Vygotsky supõe um processo de internalização da linguagem, que vai chamar de fala interior como forma interna de linguagem, dirigida ao próprio sujeito e não a um interlocutor externo. É um discurso sem verbalização, voltado para o pensamento, com a função de auxiliar o indivíduo nas suas operações psicológicas (dialeto pessoal).

A gênese da fala interior, segundo Vygotsky (1993), está na fala egocêntrica, ou seja, a criança inicialmente utiliza a fala socializada com a função de comunicar, de manter contato social. Com o decorrer do desenvolvimento é capaz de utilizar a linguagem como instrumento de pensamento, com a função de adaptação pessoal. A transição entre a fala socializada e a fala interior, é a fala egocêntrica. Esta é a fala da criança quando dialoga

alto consigo própria, quando “fala sozinha” (isto acontece por volta dos três anos de idade). À medida que a criança se desenvolve, a fala egocêntrica vai aos poucos afastando-a da fala exterior, e o aspecto vocal vai desaparecendo gradualmente, transformando-se em linguagem interior.

A decrescente vocalização da fala egocêntrica indica o desenvolvimento de uma abstração do som, a aquisição de uma nova capacidade que é a de “pensar as palavras”, ao invés de pronunciá-las. Isto evidencia que o desenvolvimento está se voltando para a fala interior. Enquanto na fala exterior o pensamento é expresso por palavras, na fala interior as palavras morrem à medida que geram o pensamento. A fala interior é, em grande parte, o pensamento em significados puros.

Vygotsky postula para o processo de desenvolvimento do pensamento e da linguagem a mesma trajetória das outras funções psicológicas. O percurso é da atividade social, interpsíquica, para a atividade individualizada, intrapsíquica. É através da fala interior que a criança desenvolve seus próprios conceitos e significações, é através da fala interior que alcança sua própria identidade, é através da fala interior, finalmente, que constrói seu próprio mundo.

Neste sentido, ressalta-se a importância da aquisição da língua de sinais o mais precocemente possível pela criança surda, uma vez que é ela que vai possibilitar a trajetória da linguagem socializada para a interiorizada.

Portanto, o desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem, isto é, pelos instrumentos lingüísticos do pensamento e pela experiência sociocultural da criança. E o crescimento intelectual da criança depende de seu domínio dos meios sociais do pensamento, isto é, da linguagem (Vygotsky, 1993).

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