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2.2 Obtenção, equilíbrio e aspectos físico-químicos de espumas líquidas

2.2.2 Estabilizadores de espumas líquidas

2.2.2.1 Surfactantes

A rigor, qualquer molécula orgânica capaz de adsorver em alguma superfície ou interface e, como resultado dessa interação, produzir mudanças em propriedades físico-químicas do sistema, é denominada surfactante, acrônimo para “surface active molecule” [60,61]. Moléculas orgânicas capazes de estabilizar bolhas de ar em um líquido e, portanto, permitir a obtenção de espumas líquidas estáveis4, possuem características especiais que permitem

que estas moléculas se adsorvam na interface líquido-gás formada na formação de uma bolha. Esses surfactantes são anfifílicos, ou seja, apresentam em sua estrutura regiões hidrofílicas e hidrofóbicas, respectivamente [62,63]. O dodecil sulfato de sódio (cuja estrutura é representada na Figura 2.9), é um surfactante comumente utilizado em detergentes e sabões para uso doméstico. Esta

4 A estabilidade, ou tempo de vida de uma espuma, é uma medida relativa. Surfactantes permitem que espumas mais estáveis sejam produzidas, embora surfactantes distintos resultarão em espumas com distintos tempos de vida, portanto, mais ou menos estáveis em relação aos demais.

molécula tem como regiões hidrofóbica e hidrofílica, respectivamente, a cadeia de carbonos e a região com o átomo de enxofre. Denomina-se cabeça polar à região hidrofílica e cauda apolar, à hidrofóbica.

Quando próxima à interface líquido-gás, uma molécula anfifílica poderá se adsorver na região de forma a manter a cabeça polar voltada para o meio aquoso e a cauda apolar voltada para o lado gasoso, caso o líquido seja polar. A tensão interfacial será diminuída devido às interações entre a cabeça polar e as moléculas de água no limiar da interface. Essas interações reduzirão a energia livre da interface e, consequentemente, a bolha apresentará maior estabilidade.

Figura 2.9 - Molécula de dodecil sulfato de sódio, um surfactante utilizado em detergentes e sabões domésticos para a produção de espumas estáveis.

Quando um surfactante é adicionado a um líquido, é observada a contínua redução da tensão superficial do sistema até que a superfície se encontra saturada com moléculas desse composto. Tal ponto é conhecido como concentração micelar crítica (cmc) [58]. O efeito da adição de surfactante na tensão superficial de um sistema genérico é ilustrado na Figura 2.10. O líquido puro possui tensão superficial

0, que diminui à medida que é adicionado o

surfactante até que uma nova tensão superficial

é atingida. A diferença entre a tensão superficial inicial e a obtida após adição de determinada quantidade de surfactante é denominada pressão de Langmuir, Πl, também ilustrada na Figura 2.10. A dinâmica de adsorção de surfactantes na interface líquido-gás é bem descrita pelo modelo de adsorção de Langmuir [58,64], e, por meio de Πl é possível estimar a concentração de surfactantes adsorvidos na interface, quando o sistema encontra-se em equilíbrio.

Figura 2.10 - Variação da tensão superficial de um sistema genérico formado por líquido e surfactante, ilustrando o ponto onde a concentração micelar crítica é atingida.

Acima da cmc, quaisquer moléculas de surfactante adicionadas permanecerão no filme líquido, formando micelas. Quando a cmc é atingida, são observadas mudanças intensas em diferentes propriedades do sistema, como condutividade, pressão osmótica e densidade. Em adição a estas propriedades, a espumabilidade do sistema, isto é, a capacidade de formar volumes maiores de espuma, também muda. Acima da cmc, espumas volumosas são formadas e sua estabilidade também é maior em relação a sistemas cuja concentração do surfactante é inferior. Por isso, a concentração micelar crítica é uma importante propriedade a se considerar para a produção de espumas cerâmicas pela rota da espumação direta. Salvini et al. [65] avaliaram o efeito da concentração micelar crítica de dois surfactantes distintos e verificaram que o valor da cmc não só afetou a quantidade de aditivo utilizado para a fabricação de espumas, mas também pode ter influenciado as propriedades da espuma cerâmica final. Idealmente, surfactantes com menores valores de cmc são desejados no processamento de cerâmicas macroporosas, embora fatores ambientais devam ser levados em conta durante esta seleção, fazendo-se valer dos princípios da Química Verde.

Considerando a estrutura das moléculas quando dispersas em água, surfactantes podem ser classificados como aniônicos, catiônicos, zwitteriônicos e não-iônicos. Quando dispersos, surfactantes aniônicos, catiônicos e zwitteriônicos dissociam-se ou se ionizam, respectivamente, em ânions, cátions e em moléculas que possuem cargas positivas e negativas, que interagirão com as moléculas de água e adsorverão na interface líquido-gás. Já surfactantes não- iônicos apresentam em suas moléculas regiões polares, embora não se dissociem ou ionizem em meio aquoso. Se comparados, surfactantes catiônicos, aniônicos e zwitteriônicos são melhores estabilizadores de espumas em comparação aos não-iônicos [66].

A energia de adsorção de surfactantes pode ser estimada por meio do cálculo da energia livre padrão de adsorção de Gibbs ( ), representada por Fainerman et al. por [67,68]:

(2.18)

onde, é a constante universal dos gases perfeitos (8,314 J.K-1 mol-1),

é razão entre a densidade e a massa do solvente e a constante de equilíbrio relativa à adsorção do surfactante, obtida a partir das isotermas de adsorção para cada sistema [69].

A energia de adsorção de surfactantes na interface água-ar é relativamente baixa. Por exemplo, a 25°C, a energia de adsorção de uma molécula de decil sulfato de sódio na interface água-ar equivale a 5,6 kbT,

enquanto uma molécula de Triton-X 100, um surfactante não-iônico, tem energia de adsorção de 19,1 kbT nas mesmas condições. Com energias de adsorção tão

pequenas, próximas à energia vibracional média das moléculas na mesma temperatura5, os surfactantes podem ser facilmente removidos da interface da

bolha. A cada surfactante é associada uma frequência de adsorção e dessorção que depende também das propriedades físico-químicas do sistema, como

5 Pela teoria cinética dos gases, igualmente estendida para líquidos e sólidos, a energia cinética média EK associada a um conjunto de moléculas é proporcional à temperatura, sendo definida

pela relação 3

2

K b

temperatura, força iônica do meio e concentração de moléculas. Tal processo cinético definirá o tempo que o sistema demandará para atingir um estado de equilíbrio [60,67,70–73].

Surfactantes também modificam as propriedades viscoelásticas da interface devido às interações intermoleculares e ao balanço de forças geradas entre interfaces opostas [60,74]. As alterações que os surfactantes causam nas propriedades reológicas interfaciais podem aumentar a estabilidade das bolhas, que terão maior resistência aos dois tipos de solicitação mecânica que estas podem sofrer: expansão/compressão (solicitação radial) ou cisalhamento (solicitação tangencial).

Na presença de surfactantes, quando um filme líquido entre bolhas é solicitado mecanicamente, ocorre um fenômeno conhecido como efeito Marangoni. Uma tensão mecânica causa a deformação regional desse filme, provocando a redução da concentração de moléculas do surfactante no local. Consequentemente, um gradiente de tensões interfaciais é gerado, provocando um fluxo de líquido das regiões com tensão superficial menor para aquela com tensão maior. Caso no líquido haja moléculas de surfactante disponíveis, estas adsorverão na interface, diminuindo o gradiente de tensões e restaurando a espessura de equilíbrio do filme [58,60,74]. O efeito Marangoni é representado na Figura 2.11.

A Figura 2.11(a) apresenta o filme entre bolhas em repouso, com concentração uniforme de surfactantes nas interfaces e ausência de gradiente de tensões interfaciais. Em (b), uma tensão radial é aplicada em ambos os lados (setas pretas), diminuindo a concentração de moléculas de surfactantes na região. Com a diminuição da concentração de surfactantes, um gradiente de tensões é criado e consequente, surge um fluxo de líquido para a região de maior tensão interfacial. Com este fluxo, a espessura do filme aumenta e é favorecida a adsorção de surfactantes na interface deformada, restaurando assim uma nova condição de equilíbrio, representada em (c).

Figura 2.11 - Representação esquemática do efeito Marangoni em duas interfaces entre bolhas. Em (a), temos a situação de equilíbrio inicial, até que uma tensão externa atua em uma localização e gera a redução da concentração de moléculas na interface, situação ilustrada em (b). Nessa condição, um fluxo de líquido surge em sentido oposto à tensão superficial, favorecendo a adsorção de outras moléculas de surfactante na região deformada. Por fim, uma nova situação de equilíbrio é atingida, como mostrado em (c).

Normalmente o efeito Marangoni é visto como benéfico para a estabilidade de bolhas, no entanto, a restauração da condição de equilíbrio depende da cinética de adsorção da molécula na interface e da concentração de moléculas no líquido. Em termos práticos, considerando o processamento de espumas macroporosas, é interessante trabalhar com espumas cuja concentração de surfactantes é superior à concentração micelar crítica, pois o excesso de moléculas no sistema permitirá que o efeito Marangoni tenha o efeito restaurador da interface da bolha.

Devido à baixa energia de adsorção, espumas produzidas com surfactantes apresentam curto tempo de vida. Mesmo assim, alguns surfactantes são utilizados para a produção de cerâmicas macroporosas [75]. As proteínas podem ser utilizadas com o mesmo fim, e apresentam vantagens em relação aos surfactantes, como apresentado na próxima seção.

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