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O terceiro debate no qual no qual se insere o livro Antiguos y Modernos é o debate sobre a formação da teoria do progresso. Voltando ao nosso esquema, esse momento da formação de uma teoria corresponde ao terceiro tempo do relacionamento entre uma ideia e o processo histórico.

Figura 4 – Terceiro tempo da ideia na história – Ideia como produto do processo histórico

Maravall traça uma argumentação ao longo de todo o livro tentando mostrar os antecedentes (o primeiro tempo da ideia) e os processos de formação (o segundo

tempo) da ideia de progresso. No último capítulo, ele se centra nos textos em que essa teoria teria sido expressa de fato. Na parte quatro de Antiguos y Modernos, ele analisa séries de textos do Renascimento espanhol onde existem percepções e discussões do progresso em áreas específicas da sociedade: as artes e as letras; a política e a economia; os tratados militares; a técnica das armas de fogo, da engenharia, o espírito de cálculo e o começo da formação da mentalidade “burguesa”. Já na quinta parte, em seu capítulo único, Maravall se pergunta se não houve algum ou alguns intelectuais que tivessem ido além das percepções setoriais de progresso e que tivessem partido para uma “interpretación progresiva de alcance general”.190

Maravall analisa o trabalho de alguns historiadores que já pesquisaram esse assunto. São nomes como os que já citamos anteriormente Jules Delvaille, Hubert Gillot e Ferdinand Brunetière na França; J. B. Bury, Richard F. Jones e Ernest Lee Tuveson na Inglaterra; Giovanni Gentile, Margiota e Rodolfo Mondolfo na Itália. Segundo Maravall, em geral, a historiografia coloca o surgimento de uma teoria coerente do progresso apenas no século XVIII, após a querela dos antigos e modernos travada na França, instigada por figuras como Bernard le Bovier de Fontenelle e Charles Perrault. No entanto, em Historia

del Pensamiento social de Barnes e Becker191, Maravall encontra uma narrativa da evolução do pensamento europeu em que a teoria de progresso já teria sido formada no século XVII. Para Barnes e Becker, essa teoria já teria aparecido em Michel de Montaigne, René Descartes e Francis Bacon. Maravall nota, no entanto, que os critérios usados pelos autores de Historia del Pensamiento..., para situar a teorização do progresso no século XVII, já podiam ser aplicados no século XVI em alguns escritores espanhóis:

190MARAVALL, José Antonio Casesnoves. Antiguos y Modernos. Madri: Alianza Editorial, 1998, pág. 581.

191BARNES, Harry Elmer; BECKER, Howard. Social Thought from Lore to Science. Nova Iorque, EUA: D. C. Heath, 1938.

“Pero cuanto Barnes y Becker encuentran a ese respecto – critica de los clásicos, independencia de los antiguos, pretensión de mejorar al mundo y al hombre, afirmación de la experiencia y de la razón como instrumentos de conocimiento – todo ello hemos visto ya en el XVI.”192

Partindo desses critérios, Maravall vai buscar expressões da teorização de progresso entre os escritores do século XVI espanhol. Primeiramente ele busca expressões gerais, através de tópicos como “Progreso”, “cultura” e “veritas filia

temporis”. Após esse procedimento, ele passa aos escritores em que esse processo de

transformação cultural apareceria como teoria propriamente dita.

Segundo Maravall, o produto do processo histórico analisado em “Antiguos y

Modernos” gerou, no século XVI, o que ele chama de “El crecimiento de los tiempos como opinón común”. Ele encontra, já no XVI, visões da história como a de dom Antonio

de Guevara. Esse escritor valorizava os modernos como superiores aos antigos, já que os modernos puderam aprender com os erros dos antigos. Essa visão é característica de uma apreciação da cultura como acumulação de progressos que se somam ao longo do tempo, melhorando o homem e o mundo. Maravall também encontra essa visão de “crecimiento

de los tempos” na obra de Juan Luis Vives. Vives foi um humanista de origem judaica,

nascido em Valencia, em 1493. Vives estuda as emoções, corpo e história do ser humano, na linha dos estudos abrangentes do Renascimento. Em De Discipliniis, o livro mais influente de Vives, ele afirma o que Maravall chama de “criterio general progresivo sobre

la naturaleza humana y el curso de la historia”. Após a análise da presença dessa cultura

favorável ao surgimento de uma teoria de progresso, Maravall passa aos escritores dessa teoria.

192MARAVALL, José Antonio Casesnoves. Antiguos y Modernos. Madri: Alianza Editorial, 1998, pág. 582.

Ele cita alguns desses autores no último capítulo de Antiguos y Modernos: Um deles é Cristóbal de Villalón, autor de Ingeniosa comparación de lo antiguo con lo

presente193, de 1539. Maravall identifica nessa obra uma clara valorização dos modernos sobre os antigos. Além disso, essa valorização não está ligada diretamente a uma área específica. Villalón estuda diversas áreas como as letras, a pintura, a política, a arte da fundição e do trabalho em vidro, a filosofia e a guerra. É após esse panorama geral que Villalón atribui um crescente melhoramento dos tempos aos modernos. Outro desses escritores é Pedro Mexía, autor de Silva de Varia Lección194, de 1540. Ele também valoriza os modernos acima dos antigos e acredita que esse melhoramento se estenderá para o futuro. Juan Sedeño, autor de Summa de varones ilustres195, de 1551, afirma que os tempos presentes são melhores que os antigos pois “la naturaleza humana que de sí

misma es endereçada a la bondad”. Dessa maneira, a natureza humana teria um impulso

natural a melhorar as coisas e a si mesma. A ideia de que está na natureza do mundo melhorar continuamente aparece na segunda metade do século XVI, com Pedro Simón Abril, em sua obra Gramática latina. Segundo ele, o mundo nasce incompleto e vai se aperfeiçoando. Como as coisas humanas seguem o mesmo princípio, elas também apresentam aperfeiçoamento ao longo da história; prova disto seria o estado de melhoramento dos modernos em relação aos antigos. Huarte de San Juan, autor de

Examen de ingenios196, propõe uma nova forma de filosofar. Essa é a obra a qual Maravall atribui o maior caráter de modernidade entre as que analisa. Essa “nova forma” estaria

193VLLALÓN, Cristóbal. Ingeniosa comparación entre lo antiguo y lo presente. Madri: Sociedad de Bibliófilos Españoles, 1898. Disponível em:

https://archive.org/details/ingeniosacompara00vill. Acesso em: 21 de junho de 2018. 194MEXÍA, Pedro. Silva de Varia Lección. Barcelona: Castalia Ediciones, 2001. 195SEDEÑO, Juan. Summa de varones ilustres. Europeana, 2016. Disponível em:

https://www.europeana.eu/portal/es/record/2022701/oai_es_red_aracne_oai_ibso_bidiso_es_sdv irpiscy0000.html. Acesso em: 21 de junho de 2018.

196SAN JUAN, Juan Huarte de. Examen de Ingenios. Alicante : Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2000.

baseada na independência da razão de cada um. Essa opinião é compartilhada pelo médico Miguel Sabuco, com sua obra Nueva Filosofía de la naturaleza del hombre, la cual

mejora la vida y la salud humana197.

Através dessas obras, forma-se o que Maravall chama de “la ilusión

progresista”198. Já em finais do século XVI a cultura se fecha. Começa o Barroco e a política imperial dirige essa ânsia e esse gosto por novidades para áreas que considera inofensivas. No entanto, para Maravall, a semente de ilusão de progresso já havia sido plantada e iria florescer novamente em todo o ocidente nos séculos seguintes no iluminismo. Essa é a contribuição de Maravall para o debate sobre a formação da ideia de progresso.

197SABUCO, Miguel. Nueva filosofia de la naturaleza del hombre no conocida, ni alcanzada de los grandes filosofos antiguos, la qual mejora la vida y salud humana : con las adicciones de la segunda impression escrita y sacada a luz por doña Oliva Sabuco de Nantes Barrera. Biblioteca Digital Hispánica, 2010. Disponível em:

http://www.bne.es/es/Catalogos/BibliotecaDigitalHispanica/Acercade/. Acesso em: 21 de junio de 2018.

198MARAVALL, José Antonio Casesnoves. Antiguos y Modernos. Madri: Alianza Editorial, 1998, pág. 582.

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