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Surpresa e desconhecimento

No documento Episiotomia : a dimensão oculta (páginas 55-58)

7. FALANDO SOBRE EPISIOTOMIA COM AS PUÉRPERAS

7.1 Surpresa e desconhecimento

Um dos aspectos que chama atenção nas falas das puérperas é a surpresa e o desconhecimento pela possibilidade de um parto sem episiotomia. Esta surpresa também atinge a pesquisadora, visto que, para algumas mulheres, não é possível o nascimento sem algum tipo de incisão. Da mesma forma, há um estranhamento pelo fato de ocorrer a episiotomia em parto normal. Tanto numa quanto noutra situação, a episiotomia não é assunto costumeiro entre elas, pois o desconhecem como ato de rotina.

“Sem cortar, nasce?” (Gessi)

Aperceber-se de ter recebido um corte somente após sua realização, sem aviso ou orientação prévia provocam perplexidade tanto nas puérperas quanto em seus maridos:

“Eu não sabia que iriam cortar. Quando eu soube já estava cortado” (Zilá).

A partir destas falas, estabelece-se o diálogo. As mulheres e alguns de seus maridos, que a princípio não questionam, passam a fazê-lo: começam a perceber outra alternativa para o parto vaginal. À medida que expressam sua curiosidade, são fornecidas informações para orientá-los quanto às possibilidades de parto sem episiotomia, com episiotomia, complicações decorrentes e diálogo para esclarecimentos.

Desde então, ocorrem transaçôes^^ entre a pesquisadora e os entrevistados, "’Para King, (1981), transação é o comportamento observável do ser humano em interação com seu ambiente. Representa o componente de avaliação da Interação humana, envolvendo trocas sociais. Os objetivos da assistência são alcançados se ocorrem transações, isto é, trocas de experiências, de expectativas e de informações, estabelecimento de objetivos conjuntamente, proporcionando crescimento e desenvolvimento tanto para clientes quanto para profissionais. Neste processo, é indispensável que cliente e enfermeira(o) se percebam mutuamente, acarretando, assim, a interação, a transação e o alcance dos objetivos.

e os questionamentos assumem outra ótica: “Este corte não é necessário?” (Andréia).

“Este corte não prejudica a mãe ou o bebê num novo nascimento?” (marido de Andréia).

Os diálogos compreendem aspectos históricos do nascer, e a vontade de estender a entrevista e buscar novos esclarecimentos evidenciam-se:

“Este é um assunto bastante interessante e muito pouco divulgado, né?” (Zilá)

“Nunca pensei em perguntar sobre a possibilidade de ter parto sem o corte” (Cátia).

A fala de um dos maridos, presente à entrevista, revela constrangimento por situação alheia á sua vontade: não conhece a possibilidade de parto sem episiotomia e refere não ter tido tempo para informar-se.

“Na verdade nem deu tempo da gente questionar porque ela chegou ganhando” (marido de Andréia).

O contato ingênuo com a situação e a falta de estranheza pelo fato de ter recebido um corte, torna este procedimento um acontecimento natural (Kergoat, 1995^'’; Zuben, 1990^^) e, são expressos nas entrevistas antes da troca de idéias e das reflexões sobre o assunto.

“Nunca perguntei o motivo de ter corte, mas se todas recebem, acho que também devo receber” (Cátia).

“Nunca imaginei que teria um corte ao ter meu primeiro filho, agora com o segundo, não achava que o corte seria uma coisa natural” (Elisa).

A maioria das mulheres revela desconhecimento sobre a realização e as indicações da episiotomia:

Kergoat, 1995, op. cit. p. 30. Zuben, 1990. op. cit. p. 26.

“Nunca recebi qualquer informação sobre a realização deste corte. Eu nem sabia que cortavam ali” (Gessi).

“ Minha primeira filha eu tive com 15 anos e não me disseram que eu iria receber o corte. Nem sei quantos pontos eu levei” (Ivone).

De acordo com as mulheres que recebem informações sobre indicação de episiotomia, estas são sucintas. É importante lembrar que mesmo sendo considerado um acontecimento normal, o parto provoca ansiedades e temores tanto no que diz respeito a saúde da mãe quanto do recém-nascido. Quando é acenada a possibilidade de diminuição destes sentimentos fica difícil a contra argumentação; é mais fácil aceitar o procedimento.

As falas seguintes mostram que o julgamento das usuárias é feito de acordo com a informação recebida. As afirmativas errôneas ou inadequadas, elaboradas a partir da informação, indicam falha na informação propriamente dita ou na transmissão da mesma.

“Me informaram que é pra não deixar a bexiga caída, pra facilitar o nascimento. Me disseram que é mais fácil o parto com pontos” (Anita).

“Este corte está me incomodando. Se eu pudesse não ter... mas acho que precisava sim, porque o bebê estava estrangulado pelo umbigo..., 2 voltas” (Camila).

Pela experiência-surpresa recém vivenciada, algumas mulheres deduzem a episiorrafia;

“Eu sabia que iria receber pontos porque tinham me cortado bastante” (Zilá).

Nota-se, pelas falas, que a possibilidade de complicações provoca, nas entrevistadas, a surpresa e a necessidade de informação sobre o assunto;

“Não fui avisada sobre a possibilidade de alguma complicação. Tem perigo de infecção?” (Zilá)

Uma das puérperas entrevistadas, tem seu filho anterior através de cesárea. Para outras quatro puérperas entrevistadas, é a primeira experiência como mâes. As demais têm partos vaginais prévios, porém, a nenhuma mulher é apresentada a possibilidade de parto sem episiotomia. Além do espanto de algumas ao receber a incisão e pelas possibilidades de complicações, surpreendem-se, também, pela possibilidade do parto sem episiotomia.

“ Nunca tive informação de que meu parto poderia ser com ou sem pontos!” (Zilá)

“Uns dizem que tu vai fazer cesárea. Outros dizem que tu vai ganhar normal mas nenhum fala que posso ganhar sem pontos” (Gessi).

A episiotomia está tão introjetada no cotidiano do atendimento obstétrico do HCPA que em seu livro de rotinas-(Freitas et al., 1990), não há alusão, sequer, às suas indicações. Na descrição do atendimento ao parto normal é considerada rotina, e na seqüência de procedimentos alusivos ao parto, há a seguinte recomendação:

“...antes da realização da episiotomia é feita anestesia local através de bloqueio do nervo pudendo bilateral quando a apresentação ainda estiver alta; e quando estiver coroando, faz-se anestesia do local da episiotomia e, se possível, bloqueio pudendo (Freitas et al., 1990, p.20).

Já, em edição recente (Freitas et al., 1997, p. 154), há referência de “provável episiotomia”. Porém, os próprios autores ressalvam que, apesar de suas indicações serem restritas, a episiotomia é utilizada em 86,7% dos partos atendidos no HCPA, contra 7% registrados na Holanda em 1991.

No documento Episiotomia : a dimensão oculta (páginas 55-58)