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Suspensão automática dos direitos dos credores

4. Os dois códigos de insolvência e suas diferenças

4.3. Diferenças entre o código norte-americano e o português

4.3.3. Suspensão automática dos direitos dos credores

A suspensão automática dos direitos dos credores é outro dos fatores a ter em consideração na tomada de decisão pelo pedido de insolvência. A forma como após essa decisão são tratados os credores da empresa pode conduzir a que estes incentivem, ou não, a entrada em processo de insolvência

Quando se envereda quer pelo Chapter 7 quer pelo Chapter 11 do código de insolvência norte-americano, a suspensão automática dos direitos dos credores entra em vigor de forma imediata.24. Entende-se neste contexto por suspensão automática, a

23 Para maior detalhe consultar o art.º 22º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

capacidade que o código tem de proibir a maioria dos credores de continuar a cobrar as suas dívidas ao devedor. Existe então um período de tempo em que todos os julgamentos, as atividades de cobrança, execuções e despejos estão suspensos. Importa no entanto ressalvar que, a entrada em processo de insolvência o código norte- americano não prevê a suspensão da totalidade das cobranças que poderiam ser efetivadas, havendo desta forma determinadas exceções, entre outras a não suspensão dos processos criminais em curso, contra o devedor, os processos do Governo por forma a impor os seus poderes regulatórios, as ações de um locador para obter posse de bens imóveis, etc. 25

Além disso, o código norte-americano prevê a possibilidade de, em circunstâncias bastante específicas, um credor com garantias requerer uma ordem do tribunal garantindo-lhe o alívio da suspensão automática; temos como exemplo o caso de o devedor não ter capital e determinado bem não ser necessário para que a reorganização da empresa seja levada a cabo com sucesso. Nesta situação, o credor poderá fazer o levantamento da suspensão sobre os seus bens26.

No que se refere ao CIRE, verificam-se algumas diferenças, embora não muito significativas, relativamente ao que é executado nos EUA. A declaração de insolvência tem a capacidade de suspender todas as diligências executivas que possam ter sido requeridas pelos credores relativos aos bens da empresa insolvente, sendo que, durante os três meses seguintes, não podem ser propostas execuções para o pagamento das dívidas.27 De acordo com o CIRE, a declaração de insolvência abre a possibilidade de exigência ao devedor do cumprimento das suas obrigações não subordinadas, ainda que o prazo de vencimento ainda não tenha sido atingido, uma vez que as obrigações tornam-se vencidas e exigíveis aquando da declaração de insolvência da empresa28. Ao serem suspensos alguns pedidos de cobrança por parte dos credores e o vencimento das obrigações por via da apresentação da declaração de insolvência acaba por permitir perceber qual o verdadeiro património à data da declaração, será possível ter noção do verdadeiro património da empresa, de qual é o seu real passivo. Com o processo de

25 Para maior detalhe consultar 11 U.S.C. §362 (b) do código de insolvência americano. 26 Para maior detalhe consultar 11 U.S.C. §362 (d) (2) do código de insolvência americano. 27

Para maior detalhe consultar art.º 85º e art.º 89º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

insolvência em curso, o devedor não deve fazer pagamentos aos seus credores sem a aprovação do plano de insolvência uma vez que será nesse plano que está também contemplado o posterior plano de pagamentos29.

A esta altura importa referir, um pouco à semelhança do que se verifica nos EUA, que o CIRE usa agora a noção de créditos subordinados, no que se refere ao plano de pagamentos. Em analogia ao que se verifica em outros países30 introduziu-se a noção de “classificação dos créditos”31

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Como se percebe, a suspensão automática dos direitos dos devedores acaba por se verificar em ambos as legislações, embora com contornos diferentes; esta característica pode ser entendida como uma proteção essencial, prevista na lei, dada ao devedor. Isto permite que o devedor se sinta um pouco mais aliviado, uma vez que o património da empresa acaba por ser resguardado aquando da declaração de insolvência, sem que seja requerida qualquer tipo de ordem específica vinda do tribunal.

No momento em que se estabelece a suspensão dos direitos dos credores, este princípio é aplicável a todos os credores, não se verificando a este nível, qualquer distinção entre credores com ou sem garantia. Esta distinção acaba por ser feita apenas no momento de pagamento das dívidas aos credores, após o estabelecimento do plano de pagamentos, podendo os credores ser severamente penalizados caso não cumpram o legislado, uma vez que não lhes é permitido exercer qualquer tipo de pressão, principalmente no caso americano.

De acordo com La Porta et al. (1998) a questão dos direitos dos credores pode ser analisada tendo em conta determinados aspetos específicos. Em ambas as legislações, é percetível que a suspensão automática dos direitos dos credores ocorre efetivamente em caso de reorganização, assim sendo, é permitido pela legislação que a empresa continue a usufruir dos seus ativos precavendo de alguma forma o sucesso na estratégia de reorganização da empresa. Tanto no contexto americano como no contexto português, a maior proteção oferecida aos credores acaba por ser o facto de os credores com garantias ainda terem prioridade absoluta sobre os rendimentos da massa falida. De

29 Para maior detalhe consultar art.º 192º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas

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Esta noção é igualmente utilizada na legislação americana, como se percebeu, na alemã e também na legislação espanhola. Não descuidando que a forma como esta é abordada possa ser diferente.

notar que a diferença mais significativa se verifica no facto de no caso português ser exigido o consentimento dos credores aquando da opção pela reestruturação da empresa, ao contrário do que se verifica no código norte-americano.

De uma forma geral, e quanto ao nível total de proteção dos credores que os códigos permitem, percebe-se que ambos demonstram um índice de proteção bastante reduzido (La Porta et al., 1998). Esta constatação resulta no facto de, em muitos casos, o código norte-americano ser considerado um código anticredor, não só devido à possibilidade da suspensão automática dos direitos dos credores mas também por permitir a continuidade dos gestores em caso de reorganização.

Uma consequência da fraca proteção dos credores, verificada em ambos os códigos, é o enviesamento ao nível do investimento. É expectável que, em países em que a proteção dos investidores seja mais acentuada, o investimento acabe por surgir de uma forma mais natural do que o que se poderá verificar em países em que essa proteção não seja devidamente legislada. Como se percebe o código português, comparativamente ao de outros países32, acaba por não ser o mais protetor, o que torna o investimento nas empresas mais difícil. Nestas situações, os possíveis investidores (novos credores) acabam por estar a enfrentar um maior risco, uma vez que, em caso de insolvência, não poderão logo à partida reaver o que investiram. É assim compreensível, que para que os credores invistam nas empresas sujeitas a códigos de insolvência em que a proteção dos credores não é tão salvaguardada, exijam um prémio maior pelo risco que estão a correr, estabelecendo-se assim a relação direta entre risco e rentabilidade exigida pelo credor.

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