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2. O DIREITO À SAÚDE SOB A ÓTICA DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO

2.3. Fosfoetanolamina

2.3.1. Suspensão de Tutela Antecipada nº 828/SP

A recentíssima decisão em análise tinha como objeto (i) o pedido de Suspensão de Tutela Antecipada contra liminar concedida pela 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo – que determinou o fornecimento da substância fosfoetanolamina sintética para tratamento de câncer –, bem como (ii) o pedido de Suspensão de Liminares e decisões de segunda instância que possuem objeto idêntico – ambos interpostos pela Universidade de São Paulo (USP).

Trata-se de decisão monocrática proferida pelo então ministro presidente Ricardo Lewandowski na Suspensão de Tutela Antecipada nº 828/SP167 no dia 04 de abril de 2016.

A universidade requerente sustentou que os estudos científicos referentes às propriedades anticancerígenas da fosfoetanolamina sintética foram interrompidos nos estágios iniciais da pesquisa. Assim, torna-se impossível afirmar que a referida substância é eficaz, podendo o seu consumo provocar prejuízos ao organismo das pessoas que a utilizem, já que também não foram realizados estudos sobre a sua toxidade. Defende a instituição requerente que a fosfoetanolamina sintética não é um medicamento, mas uma substância química que não passou por todas as etapas necessárias para afastar os riscos à saúde de seus usuários.

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BRASIL. STF. Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo nº 894085. Primeira Turma. Relator: Min. Roberto Barroso. Brasília, 15 dez. 2015. DJe-029 17 fev. 2016.

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BRASIL. STF. Suspensão de tutela antecipada nº 828. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Brasília, 04 abr. 2016. DJe-063 07 abr. 2016.

A decisão proferida pelo então ministro presidente destaca que a Corte constitucional brasileira sempre se sensibilizou com a situação dos enfermos sem meios para custear tratamento de saúde de alto custo que buscam o Poder Judiciário, ainda que os medicamentos não tenham registro na ANVISA, em caráter excepcional. No caso de fármaco não registrado na mencionada agência, quando há comprovação de que é o único eficaz para combater determinada enfermidade que coloca em risco a vida de paciente sem condições financeiras de custeá-lo, entende o ministro que o Estado tem a obrigação de fornecê-lo desde que o medicamento tenha sido aprovado por entidade congênere à ANVISA.

Ressalta o ministro que o caso em análise não se assemelha àqueles já examinados pelo STF. A novidade apresentada pelo caso em voga deve-se ao fato de que a substância química pleiteada por beneficiários do sistema público de saúde ainda não teve seu ciclo de estudos concluído, não estando registrada nem mesmo em uma entidade congênere à ANVISA. Assim, a fosfoetanolamina sintética não foi submetida a testes e estudos aptos a aprovar sua distribuição e comercialização.

Ao SUS compete, por atribuição constitucional (art. 200, inciso II da Constituição Federal) e da Lei 8.080/1990 (art. 6º), a execução de ações de vigilância sanitária. A referida lei define vigilância sanitária como um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde (art.6º, §1º).

Sendo assim, o então ministro presidente – em concordância ao apontamento realizado pela universidade requerente – entendeu que a manutenção das decisões que determinaram o fornecimento da fosfoetanolamina sintética – que é uma substância, não um medicamento – gera risco de dano inverso decorrente do desconhecimento dos seus efeitos no ser humano, colocando em risco a saúde dos interessados. Isso porque a substância nem sequer foi objeto de investigações técnico- científicas submetidas aos protocolos legalmente exigidos e tampouco de fiscalização das normas de vigilância sanitária:

Observa-se, assim, que a liberação indistinta para uso da “Fosfoetanolamina

Sintética” por pacientes diagnosticados com câncer não pode deixar de

prescindir do regular trâmite dos estudos já mencionados e da aprovação e sanção do projeto de lei antes mencionado [projeto de lei que dispõe sobre o uso da “Fosfoetanolamina Sintética” por pacientes diagnosticados com

neoplasia maligna]. Acredito que não caberia ao Poder Judiciário respaldar a prática de uma medicina não baseada em evidências.168

O ministro prolator da decisão deu destaque à Recomendação nº 01/2012 do Comitê Executivo de Santa Catarina (COMESC), cuja previsão é de que devem ser identificados os benefícios da nova substância prescrita na hipótese concreta, bem como os riscos decorrentes da sua não dispensação, com a apresentação de estudos científicos eticamente isentos e comprobatórios dessa eficácia.

No entendimento do então ministro presidente, a prudência exige que sejam afastadas condutas passíveis de contestação, experimentais e sem conhecimento sobre os riscos ao paciente, sendo prestigiadas as condutas baseadas em evidências científicas:

Considero, também, que a inexistência de estudos científicos que atestem que o consumo da “Fosfoetanolamina Sintética” seja inofensivo ao organismo humano, somado ao fato de que a referida substância não é considerada por outros países como medicamento e, ainda, que a sua produção, no atual estágio, não está submetida aos controles de vigilância sanitária, coloca em risco a vida dos interessados, justificando-se o deferimento do pedido de suspensão para sustar as decisões atacadas.169

O ministro ainda vislumbrou o risco de ocorrência do efeito multiplicador da medida, de modo que sua manutenção permitiria o deferimento de outros pedidos de tutela de urgência em situações semelhantes. Entendeu o ministro que estava devidamente demonstrado o fundamento de aplicabilidade do instituto de suspensão da tutela antecipada, visto que a decisão impugnada configura grave lesão à ordem, à segurança e à saúde públicas.

Por prudência e para que o posicionamento adotado seja plenamente eficaz em relação à instituição requerente, o então ministro presidente deferiu o pedido de suspensão da execução da tutela antecipada concedida na decisão da 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo e estendeu a suspensão a todas as decisões judiciais proferidas em âmbito nacional que tenham determinado à Universidade de São Paulo o fornecimento da substância fosfoetanolamina sintética para o tratamento de câncer até o trânsito em julgado das respectivas decisões. A decisão determinou ainda que seja mantido o fornecimento da fosfoetanolamina sintética enquanto existir estoque remanescente da referida substância.

2.3.2. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº