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2 BIOPIRATARIA A PILHAGEM DA NATUREZA

2.3 Biodiversidade

2.3.1 Sustentabilidade para biodiversidade

O livro monoculturas da mente (SHIVA, 2003) é definido como uma metáfora oriunda da prática agrícola e florestal da monocultura, que separa "cientificamente" os domínios florestais dos agrícolas e privilegia, na floresta, a retirada de madeira e na agricultura, o cultivo de um único produto. A monocultura, ao promover o desaparecimento da diversidade na nossa percepção, elimina-a do próprio mundo.

A principal mensagem do livro é mostrar que as monoculturas não se referem apenas à forma de cultivo das grandes propriedades rurais, muito comuns no Brasil, mas dizem respeito também ao pensamento reducionista e único do homem do nosso tempo.

De posse desta análise primordial, a autora chama a atenção para as ameaças à biodiversidade do planeta e para as conseqüências ambientais e humanas, quando a monocultura imposta aos países do terceiro mundo entra em cena.

Esta obra como um todo é a resposta que a autora encontrou para a crise em que vivemos, e também é o despertar para a compreensão de que o verdadeiro desenvolvimento deve ser ecológico e socialmente sustentável.

A autora aborda as ameaças à biodiversidade do planeta e as conseqüências ambientais e humanas quando da utilização de monoculturas impostas por países do primeiro mundo aos dos terceiro mundo. Alertando para a imposição cultural e conseqüente massificação e alienação em níveis incompreensíveis sem uma abordagem holística. O despertar para a compreensão dos males causados pelo sistema econômico de sustentabilidade da hegemonia elitista de uma sociedade altamente influenciada e por isso consumista.

A questão mais crucial que o mundo enfrenta neste fim de milênio é um problema duplo: a necessidade de sustentabilidade ecológica e de justiça social.

Segundo a autora do livro, muitas pessoas têm a tendência de considerar a justiça social como algo bastante diferente da sustentabilidade ecológica, porém

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estas duas questões estão intimamente ligadas, em parte porque suas lições sobre ecologia são baseadas e originas da sociedade indiana.

A sociedade indiana é basicamente composta por produtores agrícolas, 70% das pessoas dependem diretamente dos recursos nacionais. A natureza é o meio de produção dessa população, a injustiça é o mesmo que a destruição ecológica, quando a floresta é destruída, quando o rio é represado, quando a biodiversidade é roubada, quando os campos são alagados, ou tornados salinos como resultados de atividades econômicas.

A sustentabilidade em nível ambiental e a justiça em termos de que as pessoas precisam ter um lugar no sistema de produção e consumo – trata-se de um mesmo fenômeno, e precisam ser reintroduzidos no modo de pensar. Eles foram artificialmente separados.

A crítica de uma ciência moderna que é reducionista, e extremamente mecanicista é, na verdade, uma crítica que foi herdada por Vandana Shiva através de sua formação científica. Ela foi aprofundada com sua experiência, com o modo como está ocorrendo à destruição ecológica.

A minha evolução como ecologista e a minha leitura desse fato é basicamente a de que as estruturas dominantes da ciência são extremamente boas com relação a muitos objetos que têm funções únicas e objetivos externos. Assim, se você quiser que uma vaca deixe de ser uma vaca, para ser uma máquina de leite, podemos fazer um trabalho muito bom, criando novos hormônios, como o hormônio de crescimento dos bovinos. Isso poderá deixar a vaca muito doente, isso poderá deixar a vaca viciada em drogas, poderá até causar pânico nos consumidores quanto aos aspectos da saúde e segurança do leite produzido, mas estamos tão habituados a manipular objetos, organismos e ecossistemas para obter um único objetivo, que eu chamo de ‘Monocultura da Mente’, e dentro do âmbito das monoculturas, naturalmente, isso parece muito inteligente. Mas na dimensão múltipla, no âmbito da diversidade, isso é extremamente grosseiro, porque aquilo que perdemos com esse processo foi o gado como e de energia, e de energia sustentável. Na Índia, isso significou que os programas de cruzamento estão imitando as ‘colinas de leite’ das vacas ocidentais, como as Jerseys e as Holsteins, e descartam a capacidade dos animais de puxarem arados e carretas. Em conseqüência, através dos programas de cruza, temos um gado sem corcunda, mas também sem energia. E se considerarmos o gado tanto como e de adubo orgânico, energia animal, assim como de laticínios, o gado da Índia não é absolutamente inferior. É só quando medimos as cabeças desse gado como se fossem máquinas de leite que se tornam inferiores. Mas quando foi que medimos as vacas leiteiras da América, ou de Jérsei, ou dos Alpes Suíços, em termos de suas funções de trabalho? Elas seriam dramaticamente inferiores, se tivéssemos o objetivo de energia para a melhora do gado. Dessa forma, o desenvolvimento mono e unidimensional cria a monocultura da mente. A monocultura da mente tem se tornado uma espécie de profecia auto-realizável da melhoria. E esta é a causa do porque opusemos o valor

dos títulos e ações contra a ecologia, a sustentabilidade, contra a justiça. (SHIVA, 2000)

De uma forma brilhante a autora explica a tendência de justificar o uso das monoculturas em nome do crescimento do desenvolvimento humano.

Infelizmente podemos constatar que a autora indiana acertou ao tratar da prática agrícola e florestal da monocultura como uma forma de destruição da biodiversidade a nível global. A falta de preocupação do governo em criar mecanismos de defesa pode criar efeitos irreversíveis para o futuro da humanidade.

No Brasil constatamos que pouco se tem sido feito para frear a expansão desordenada do agronegócio, e que ao longo do tempo trarão resultados muito negativos para a sustentabilidade da agricultura.

A mídia brasileira enaltece atitudes como recordes contínuos de safra de grãos e o superávit na balança comercial provenientes, sobretudo pela venda de commodities.

Devido a pressões das tradings, de grandes empresários – particularmente da soja e até da imprensa, as opiniões e ações contrárias ao desenvolvimento de monoculturas é vista como entrave a economia do país.

A noção de desenvolvimento visto sob este prisma, assumida pelos meios de comunicação de massa é equivocada. Este mesmo desenvolvimento real não se resume em aumentar a renda de poucos em detrimento da maioria, não se encerrando apenas em indicadores positivos no campo da economia e das finanças. Para sermos ainda mais precisos, o desenvolvimento sustentado exige estratégias e políticas que permitam o crescimento contínuo, onde as benesses devem ser socialmente compartilhadas. Apostar em commodities, e só nelas, é ignorar o vai- vêm dos mercados internacionais e os ciclos de geração de riquezas pelas monoculturas, algo que já nos penalizou ao longo da história, com a borracha, o cacau e o café. Não é razoável produzir mais, consumir mais recursos naturais, quando a renda correspondente não aumenta ou, como estamos percebendo agora, pode até declinar.

A possibilidade de compatibilizarmos a expansão do agronegócio, gerando assim empregos e aumentando nossas receitas, com outras perspectivas, que eliminam distorções e não nos encaminham para armadilhas.

Um país moderno não pode viver à custa de commodities, pelo menos por muito tempo, e precisa voltar os olhos (e desenvolver ações) para setores mais

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dinâmicos, como o de serviços, de tecnologia avançada etc. Nossa vocação agrícola não pode cegar-nos a ponto de conduzir-nos a uma dependência. Custa acreditar que estejamos condenados a produtores de commodities.

A expansão do agronegócio de modo algum pode atentar contra a biodiversidade e impactar, da forma como tem acontecido no Cerrado e nas florestas. Com o respaldo econômico que as monoculturas trazem, não podemos desviar a nossa atenção de questões fundamentais como: a segurança alimentar, o aumento de preços das culturas alimentares básicas, o esgotamento e a degradação de recursos como a água e o solo.

De acordo com a autora, este modelo nocivo, que enxerga lucros a curto prazo, não nos prepara para o futuro, portanto, precisamos incorporar a sustentabilidade como uma forma de contabilidade ambiental, não deixando assim que os monopólios detenham a produção e concentração dos insumos.

Em 22 de outubro de 2008 ocorreu a 5ª conferência internacional da Via Campesina, que debateu entre outros assuntos a situação da agricultura, apontando que a saída para o problema da fome é a Soberania Alimentar. Desde a Cúpula Alimentar, em Roma, no ano 1996, há uma permanente discussão no meio da Via Campesina, das outras organizações e das centenas de ONG’s no mundo, sobre o que é soberania alimentar, gerando uma definição provisória de que:

Soberania Alimentar é o direito dos indivíduos, das comunidades, dos povos e dos países de definir as políticas próprias da agricultura, do trabalho, da pesca, do alimento e da terra. São políticas públicas ecológicas, sociais, econômicas e culturais, adaptadas ao contexto único de cada país. Inclui o direito real ao alimento e à produção do alimento, o que significa que todo mundo tem o direito ao alimento seguro, nutritivo e adaptado à sua cultura e aos recursos para produção de comida; à possibilidade de sustentar-se e sustentar as suas sociedades. (CHONCHOL, 2005)

Os camponeses encontraram na crise financeira mundial uma oportunidade de atacar o modelo de agricultura e de sociedade baseados na exportação e na especulação. Ou seja, neste momento de descrença no modelo neoliberal por conta das constantes crises econômicas mundiais, os camponeses atacam o modelo atual de economia agrícola apontando o possível colapso deste sistema.

A ”Carta de Maputo”, documento final do encontro pondera que no meio da atual crise o capitalismo teria oportunidade para se reinventar e repensar novas formas de manter as taxas de lucros com oportunidades para o desenvolvimento social, ainda mais considerando que as instituições financeiras atuais (Banco

Mundial, FMI, OMC) estão mostrando sua incapacidade de administrar a crise, criando a possibilidade ao surgimento de outras instituições reguladoras da economia global.

Este mesmo documento aponta que nas últimas décadas houve um forte avanço do sistema capitalista sobre todos os aspectos da agricultura, envolvendo inclusive o sistema alimentar dos países e do mundo. Este avanço pode ser percebido desde a privatização das sementes e a venda de agrotóxicos, até a compra da colheita, levando a concentração de boa parte do processo em um número reduzido de empresas. Os alimentos deixaram de ser um direito do cidadão e tornaram-se apenas mercadorias.

A reunião também menciona o avanço ofensivo do capital sobre os recursos naturais, como nunca se viu desde os tempos coloniais. A busca do lucro lança uma guerra que acaba por “expulsar” camponeses, camponesas, comunidades indígenas, de terras férteis ou de interesse comercial. Este tipo de predadorismo do capital sobre comunidades agrícolas e indígenas, qualquer que seja o uso, acaba por degradar além do meio ambiente todo um sistema social existente na região agredida.

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3 BIOPIRATARIA: O CASO BRASILEIRO

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