• Nenhum resultado encontrado

A técnica do Ruído Magnético Barkhausen (RMB) é um método de medição de tensões residuais não-destrutivo, aplicável em materiais ferromagnéticos. Ela é sensível a vários parâmetros, tais como microestrutura do material, discordâncias, estado de tensões, composição química do material, freqüência e intensidade de magnetização, entre outros, que influenciam a estrutura do domínio dos materiais ferromagnéticos (Miesowicz et al, 2016).

Nos materiais ferromagnéticos existem grandes regiões nas quais os momentos magnéticos atômicos estão alinhados segundo a direção de magnetização espontânea, essa região é denominada domínio magnético. A direção de alinhamento dos momentos magnéticos ocorre segundo a direção do eixo de fácil magnetização, mudando de domínio para domínio (Giraldo & Padovese, 2010). Os domínios magnéticos são separados por uma

camada de transição denominada como paredes de domínio ou paredes de Bloch. Existem dois tipos de paredes de domínio nos materiais ferromagnéticos, sendo elas de 180° e de 90°. As paredes de 180° possuem melhor mobilidade quando comparadas às paredes de 90°, e contribuem de forma mais expressiva para o RMB (Yelbay et al, 2010).

Na ausência de uma magnetização externa ou residual, os domínios encontram-se orientados aleatoriamente, de forma que a soma de todos os momentos magnéticos seja nulo. Entre domínios opostos existem as paredes de domínio, as quais permitem que os momentos girem de acordo com a direção do domínio magnético adjacente (Morgan, 2013).

Na Figura 2.9 pode ser observada uma representação esquemática de domínios em um material ferromagnético, na qual as setas representam os momentos magnéticos. No interior de cada domínio, todos os momentos encontram-se orientados em uma mesma direção de alinhamento, que varia de um domínio para outro (Callister, 2001).

Figura 2.10 – Domínios em um material ferromagnético; a) representação esquemática; b) variação gradual através da parede do domínio. Fonte: Callister (2001), modificado.

No processo de magnetização de um material ferromagnético, ilustrado na Figura 2.10, pode-se perceber que a indução magnética B não possui um comportamento linear em relação ao campo magnético H aplicado (Serrão, 2014).

Na presença de um campo magnético, os domínios magnéticos que estão alinhados a favor do campo aplicado aumentam de tamanho. Esse crescimento ocorre devido ao

deslocamento reversível e irreversível das paredes de domínio de 180° e 90° ou pela rotação abrupta do domínio magnético em campos magnéticos mais altos (Gauthier et al, 1998).

Figura 2.11 – Curva de magnetização inicial. Fonte: Serrão (2014).

Durante o processo de magnetização, os domínios alinhados com o campo aplicado se expandem, gerando novos domínios; enquanto que os outros, que possuem direções de magnetização não favoráveis, são aniquilados (Yelbay et al, 2010). Em seguida, os domínios se alinham com a direção do campo aplicado e, por fim, os poucos domínios que restam são aniquilados e o material se transforma em um único domínio, que gira até alcançar um alinhamento total com a direção do campo aplicado (Serrão, 2014).

A curva da Figura 2.10 é conhecida como curva de magnetização inicial. A mesma descreve o processo desde a magnetização zero até a magnetização de saturação Ms, que possui uma indução de saturação Bs associada (Serrão, 2014).

Tanto o processo de magnetização quanto a movimentação de paredes são influenciados pela presença de tensões e defeitos na estrutura cristalina do material, como vacâncias, inclusões, partículas de segunda fase, discordâncias, defeitos pontuais e contornos

de grão. Esses defeitos atuam como barreiras na movimentação das paredes do domínio e são denominados pontos de ancoragem (Morgan, 2013).

Quando uma parede de domínio encontra um ponto de ancoragem no processo de magnetização, a energia necessária para se movimentar e ultrapassá-lo cresce. Em seguida, o processo continua até que a parede encontre um novo ponto de ancoragem em sua trajetória. No momento em que a magnetização é retirada, os domínios não conseguem voltar a sua configuração original, ou seja, a movimentação das paredes é irreversível (Morgan, 2013).

O processo de magnetização é descontínuo e irreversível, uma vez que o mesmo é composto de pequenos saltos produzidos pela movimentação das paredes de domínio através dos pontos de ancoragem. Estes saltos de magnetização produzem um fenômeno magnético denominado Efeito Barkhausen, como pode ser observado na Figura 2.11 (Morgan, 2013).

Figura 2.12 – Ruído magnético Barkhausen na curva de histerese. Fonte: Wang et al (2013), modificado.

A natureza irreversível do processo de magnetização pode ser analisada de forma mais detalhada na Figura 2.12. Ao atingir o ponto de magnetização de saturação, à medida que o campo H é reduzido pela inversão da direção do campo, a curva não retorna seguindo o trajeto inicial. Dessa forma, produz-se um efeito de histerese, no qual o campo B se defasa em relação ao campo H que é aplicado ou diminui a uma taxa mais baixa. O comportamento do efeito de histerese encontra-se diretamente relacionado com a movimentação das paredes do domínio (Serrão, 2014).

Figura 2.13 – Laço de histerese magnética. Fonte: Callister (2001), modificado.

A forma da curva de magnetização (B x H) ou do ciclo de histerese pode ser afetada consideravelmente pela anisotropia magnética, isto é, as propriedades magnéticas do material dependem da direção na qual as mesmas são medidas. A anisotropia depende de fatores como estrutura cristalina, dimensão da amostra, estado de tensão interna e temperatura. Dentre os fatores citados, apenas o primeiro é intrínseco ao material (Serrão, 2014). Os materiais metálicos apresentam estruturas policristalinas, as quais possuem seus grãos distribuídos de maneira não aleatória, apresentando uma orientação preferencial intitulada textura metalográfica, que se encontra definida em função da distribuição das células unitárias, independente do seu tamanho e forma (Morgan, 2013).

Na Figura 2.13 podem ser observados os efeitos da magnetização em cristais únicos de ferro e níquel. A forma da curva (B x H) depende da direção de magnetização, uma vez que esses elementos possuem maior facilidade de magnetização em certas direções cristalográficas, mostrando a existência de uma anisotropia magneto-cristalina (Serrão, 2014).

Figura 2.14 – Direções de magnetização fácil, média e difícil; a) do ferro; b) do níquel. Fonte: Cullity & Graham (2009).

O Efeito Barkhausen, também denominado Ruído Magnético Barkhausen (RMB), representa um fenômeno de mudanças descontínuas na densidade de fluxo B dentro de um material ferromagnético, quando o mesmo encontra-se submetido a um campo magnético variável. Esse fenômeno foi observado inicialmente pelo professor alemão Heinrich Barkhausen em 1919 (Grijalba, 2010).

No experimento original de Barkhausen, ilustrado na Figura 2.14, foi descoberto que, durante o processo de magnetização de uma barra de ferro, pulsos de tensão elétrica de curta duração eram induzidos na bobina enrolada ao redor da barra. Esses pulsos, também denominados saltos de voltagem, foram detectados como cliques audíveis e amplificados através de um auto-falante (Grijalba, 2010). Amplificando a parte inicial da curva de magnetização da barra, poderia se observar a natureza descontínua de B (Morgan, 2013).

Figura 2.15 – a) Experimento original de Barkhausen; b) mostrando os saltos de voltagem registrados pela bobina; c) devido a um processo descontínuo. Fonte: Cullity & Graham

(2009), modificado.

A Figura 2.15 ilustra a disposição experimental clássica para a medição do RMB, composto por um eletroímã para a excitação magnética e uma bobina leitora. A magnetização do eletroímã, que se encontra na superfície da amostra ferromagnética, é gerada por meio de uma onda senoidal que passa através de um amplificador de corrente. A magnetização alternante provoca mudanças na estrutura magnética do material que ocorrem na escala atômica, gerando transientes magnéticos em frequências superiores a 1 kHz, que são captados na superfície por uma bobina leitora (Serrão, 2014).

Figura 2.16 – RMB; a) Equipamentos para ensaio; b) sinais de resposta típicos. Fonte: Serrão (2014).

A Figura 2.16 mostra a variação na amplitude do RMB em um laço de histerese durante um ciclo de excitação magnética. Durante o processo, a maioria dos saltos é produzida pela movimentação irreversível das paredes de domínio de 180°, à medida que elas se deslocam, ultrapassando os pontos de ancoragem. O RMB é mais pronunciado na parte mais inclinada do laço e diminui drasticamente ao alcançar a saturação magnética, uma vez que nesse ponto a movimentação das paredes do domínio desaparece (Morgan, 2013).

O RMB pode ser caracterizado como um sinal com componentes AC aleatórios não estacionários. A raiz quadrada do valor quadrático médio (RMS - Root Mean Square) representa um parâmetro estatístico usado para caracterizar a potência de um sinal AC (Serrão, 2014). Assim sendo, esse parâmetro permite quantificar o sinal RMB em volts ao longo do tempo através da fórmula abaixo:

1

2 1

n

V

V

RMB

i m n i RMS (2.15) onde: i

V = valor da voltagem medida em um determinado instante;

m

V = valor médio do sinal; n = número de pontos do sinal.

Como o sinal RMB é centrado em amplitude, ou seja, possui média nula, o valor RMS equivale ao desvio padrão e, desta maneira, representa uma medida do tamanho médio das flutuações ao redor da média (Serrão, 2014).

O efeito da tensão uniaxial mecânica no RMB em materiais ferromagnéticos pode ser generalizado da seguinte forma: as tensões de tração tendem a alinhar os domínios magnéticos no sentido da tensão aplicada e proporcionam o aumento dos sinais do RMB; já as tensões de compressão alinham os domínios magnéticos em direção perpendicular a tensão aplicada, resultando em níveis menores de RMB. Esse processo é denominado efeito magneto-elástico. A Figura 2.17 ilustra o efeito das tensões na estrutura dos domínios (Grijalba, 2010).

Figura 2.18 – Alinhamento dos domínios magnéticos; a) devido à tração; b) devido à compressão. Fonte: Serrão (2014).

Como o RMB tem sua origem na movimentação das paredes de domínio, o tamanho de grão afeta a emissão de RMB. Quando o tamanho de grão do material aumenta, ocorre a diminuição do número de paredes de domínio e de pontos de ancoragem, gerando assim uma emissão de RMB mais baixa. Os defeitos na estrutura cristalina, principalmente os contornos de grão, representam uma barreira intransponível para a movimentação das paredes de domínio, acarretando também na redução da emissão do RMB (Antônio et al, 2013).

O RMB é sensível à microestrutura do material. Em aços ferríticos-perlíticos a presença de perlita faz com que a emissão do RMB apresente diferença em relação à ferrita. Na microestrutura ferrítica, o tamanho de grão tem grande influência, uma vez que os contornos de grão atuam como barreiras na movimentação das paredes de domínio. Enquanto que na perlita, a microestrutura no formato de lamelas atua como pontos de ancoragem, fazendo com que as paredes de domínio necessitem de uma quantidade maior energia para se movimentarem, o que gera o aumento da amplitude da emissão de RMB em relação à ferrita (Antônio et al, 2013).

2.3 INFLUÊNCIA DAS TENSÕES RESIDUAIS NAS PROPRIEDADES MECÂNICAS

Documentos relacionados