• Nenhum resultado encontrado

2.3 TÉCNICAS DE COMPOSIÇÃO

2.3.1 Técnicas de Geração de Estruturas Musicais

Destinam-se a gerar, a partir de uma mesma configuração numérica, diferentes estruturas musicais, tais como motivos, padrões rítmicos, melodias, acordes, compassos, e frases. Fundamentam-se nas diferentes possibilidades de conversão recém descritas e nas diversas maneiras de aproveitar musicalmente os ritmos e alturas assim obtidos. Servem, portanto, para definir os materiais iniciais para a composição. Embora passe a existir toda esta variedade de estruturas, não há em absoluto a necessidade de definir numericamente sempre dois ou mais parâmetros musicais simultaneamente para compor um determinado trecho. Berry faz menção justamente à importância de serem deixadas lacunas para a ação do compositor (necessidade esta manifesta em diferentes sistemas musicais, a exemplo do tonalismo e do dodecafonismo):

A tonalidade, enquanto um sistema, predetermina o conteúdo de uma instância musical em particular somente nos termos mais gerais [...], e somente com respeito a certos elementos estruturais [...] (1976, p. 18)

É importante enfatizar que a serialização de alguns elementos de forma alguma impede a determinação contextual de outros. Além disso, qualquer predeterminação nos procedimentos clássicos com doze notas é comumente de CA (classes de alturas) ao invés de alturas específicas, tanto que, por exemplo, a melodia é precondicionada apenas em um de seus aspectos. A serialização de

43 O autor sugere, em seu livro Thesaurus of Scales and Melodic Patterns, diferentes divisões de uma, duas, três, cinco, sete e até mesmo onze oitavas.

conteúdos de CA em procedimentos clássicos nos quais ritmos e outros elementos atuantes44 são deixados para determinação contextual produziu uma literatura vital, inclusive às vezes com bases tonais [...] (ibid., p. 19) [grifo do autor]

A seguir são apresentadas, de forma mais detalhada, algumas possibilidades de criação de estruturas:

Motivos e frases rítmicas – um padrão rítmico gerado a partir do número 9107-6432,

considerando a semicolcheia como unidade45, poderia ser escrito assim:

Figura 17 – Aspecto rítmico do número 9107-6432, apresentando prolongamentos com base na semicolcheia como unidade.

O uso alternado, na mesma frase, de agrupamentos e prolongamentos com base na mesma unidade permite que sejam criadas diferentes variações da frase inicial. A reinterpretação destas estruturas mediante o deslocamento em relação ao pulso ou ao compasso e mesmo a sua inserção em um diferente tipo de compasso46 também

constituem importantes recursos adicionais de variação.

Motivos e frases melódicas – aproveitando o ritmo obtido anteriormente e,

interpretando como alturas os algarismos do mesmo número (91076432)47, com base

na conversão feita considerando os graus do modo Lídio construído a partir da nota ré, assim ficaria uma possível melodia:

44 Tradução escolhida para o termo element-actions, constantemente empregado pelo autor ao longo do livro. 45 Dependendo do andamento e especialmente no caso do uso de figuras maiores como unidade, é preciso estar atento: uma melodia feita com cerca de 6 notas (ou até menos) já seria suficientemente vaga do ponto de vista da percepção. Em suma, como já foi dito antes, é preciso considerar as restrições de nossa percepção auditiva, evitando durações muito grandes como unidade para a criação de uma frase.

46 Schoenberg aponta este recurso como “um dispositivo raramente utilizado no âmbito de uma peça” (1996, p. 37).

47 Um número com muitas repetições do mesmo algarismo é pouco flexível, uma vez que uma fundamental pode ser estabelecida em um conjunto de notas por meio de sua reiteração.

Figura 18 – Aspecto melódico do número 9107-6432 com base na conversão a partir da contagem dos graus de uma escala (Ré Lídio).

Cabe reiterar que fica a critério do compositor definir se esta melodia será mesmo tratada como estando no modo lídio de ré ou não, considerando o contexto musical em que ela será inserida. O fato é que uma frase já passou a existir. O compasso utilizado foi escolhido simplesmente por parecer adequado às divisões rítmicas. Vários outros poderiam ser adotados, conforme comentado no item anterior, gerando assim um resultado totalmente diferente nas acentuações desta frase.

Levando em consideração a outra conversão, a partir da contagem de semitons, e usando a retrogradação do ritmo anteriormente obtido (Fig. 17), surgiriam outras possibilidades melódicas, tais como a seguinte:

Figura 19 – Aspecto melódico do número 91076432, convertido seguindo a contagem de semitons.

Schoenberg (1996, p. 36) lembra que “um contorno ou perfil, será sempre significativo, mesmo que o tratamento intervalar e rítmico se altere”. Assim, se a primeira nota (lá) desta nova frase fosse escrita uma oitava acima, seria obtida uma forma variada da melodia inicial, porém com o mesmo contorno. Caso o ritmo não tivesse sido retrogradado, também estaria sendo criada uma derivação mais próxima da primeira, uma vez que uma variação “é uma repetição em que alguns elementos são mudados e o restante preservado” (id., p. 37).

Acordes – O número 356 pode ser interpretado como um conjunto simultâneo de

alturas, ao invés de uma sucessão. Admitindo que 3=Ré#/Mib, 5=Fá e 6=Fá#/Solb, teríamos:

Figura 20 – Aspecto harmônico do número 356, de acordo com a conversão por contagem de semitons.

Estas alturas poderão ser usadas mantendo ou não, na vertical, a ordem dos algarismos do número que as originou (de baixo para cima ou de cima para baixo). Conforme a demanda do contexto musical em que será inserido, este acorde poderá ser desdobrado em vários outros, determinados por todas as suas possíveis posições, transposições e inversões, com o uso de quaisquer dobramentos:

Figura 21 – Diferentes formas de apresentação do acorde gerado pelo número 356.

Note-se que estas diferentes versões implicam em diferentes graus de tensão, conforme a tabela de Hindemith (1970, p. 224-25), permitindo assim criar encadeamentos com diferentes efeitos de flutuação harmônica a partir do que era antes somente um acorde. Como forma de variação que preserve a ordem dos elementos do acorde inicialmente obtido, poderá ser empregada a rotação vertical do mesmo.

Fórmulas de compasso – os algarismos que representam os números naturais podem

também gerar padrões métricos. Reinterpretando o número anteriormente utilizado para gerar acordes (356) como numeradores de fórmulas de compasso cria-se, por

exemplo, o padrão métrico “3/4 | 5/4 | 6/8”, no qual os números acabam representando diferentes unidades de tempo.

Outra possibilidade seria criar uma só fórmula de compasso a partir do somatório de unidades pequenas, à maneira da tala indiana, do folclore búlgaro e de alguns processos aditivos usados por Messiaen48. Considerando o número utilizado no item

anterior e usando a semicolcheia como unidade, teríamos um compasso 13/16 (subdivisível em 5+8, por exemplo). Este compasso alternado simples poderia também ser interpretado como um compasso de numerador fracionário – no caso, um 6½/4 – mudando totalmente a intenção rítmica. E qualquer que seja o numerador obtido, podem ser utilizadas unidades de tempo pontuadas. Assim, ao invés de 3/16, chegar- se-ia a um compasso alternado composto – no caso, um 39/16 (13 colcheias pontuadas). Números contendo zeros podem ter estes ignorados ou gerar trechos em compasso de numerador 0, os quais poderiam significar tempo ad libitum49.