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4.3 Papel dos livros nas questões

4.3.2 Presença do livro referência

4.3.2.1 T EORIA NÃO CONTEXTUALIZADA

Iniciam-se as discussões com questões que, assim como a analisada anteriormente, não ultrapassam o nível conceitual. A primeira a ser discutida é proveniente da prova D, aplicada em 2008, conforme segue:

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“o dialogismo bakhtiniano está relacionado aos diálogos que se estabelecem entre discursos no interior dos textos produzidos pelos interlocutores, isto é, vozes que polemizam entre si, se completam ou respondem umas às outras.”

(BARROS, Diana Luz Pessoa; FIORIN, José Luis (orgs.). Dialogismo, Polifonia e Intertextualidade: em torno de Bakhtin. São Paulo: Edusp, 1999.)

Com base no trecho, pode-se afirmar que:

a) O discurso, sendo um produto coletivo é construído por meio da memória de discursos produzidos anteriormente;

b) Bakhtin define a intertextualidade, que é determinada pela estrutura profunda da língua, que está presente em todos os discursos;

c) Há, em todo diálogo, uma disputa pelo turno, que se dá entre os interlocutores e que Bakhtin denomina dialogismo;

d) Bakhtin define o conceito de polifonia, segundo o qual todo diálogo é assimétrico; e) O dialogismo ocorre apenas com a presença de dois interlocutores, que procuram

manter a progressão tópica, evitando digressões.

(Prova D, 2008; conhecimentos específicos, parte específica, alternativa segundo o gabarito oficial: A)

Nela apresenta-se um trecho de Dialogismo, Polifonia e Intertextualidade, livro que faz comentários sobre a obra de Bakhtin, podendo ser caracterizado como livro cujo papel é o repasse de conhecimentos consolidados de uma determinada área. Deve-se ressaltar que o edital deste concurso não trazia indicações bibliográficas, apenas legislação que seria cobrada na prova; em conteúdos programáticos foi apresentado o seguinte conjunto de itens a serem cobrados:

LINGUAGEM, INTERLOCUÇÃO E DIALOGISMO: Língua e linguagem: função sim- bólica (representação de mundo) e função comunicativa (interação social, ação linguís- tica); dimensões da linguagem (semântica, gramatical e pragmática); discurso e texto; texto e elementos constitutivos do contexto de produção; gêneros do discurso: estrutura, sequências discursivas predominantes e marcas linguísticas recorrentes, dialogia e inter- textualidade.

[...]

(Edital D, 2008, trecho do conteúdo programático. Grifo nosso)

O edital informava que tal tema poderia ser cobrado nas questões, informação, porém, limitada à indicação do conceito. A questão, por sua vez, também restringe o tema na medida em que o aborda por meio de um livro de comentadores, discussão que se relaciona à presença de livros de simplificação na formação do profissional de língua portuguesa (SUGIYAMA Jr., 2006).

Todas as alternativas apresentadas oferecem interpretações a respeito do que seja o di- alogismo, apesar da afirmação com base no trecho, seria necessário conhecimento prévio do

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candidato a respeito do tema para determinar a alternativa correta. Alguém que não conhe- cesse as noções subjacentes poderia compreender dialogismo pela concepção mais concreta de diálogo, que se dá pela interação entre duas pessoas, e encarar como plausíveis as alterna- tivas e ou c.

Para além das discussões acerca das características desse conceito, ressalta-se que a emergência das discussões feitas por Bakhtin no cenário de ensino de língua portuguesa en- volveria necessariamente dois aspectos: o conhecimento de suas noções básicas e formas de aplicá-las no trabalho de ensino. Na questão ora examinada, cobram-se do candidato aspectos relativos ao conhecimento da teoria, mesmo que por meio de livros de comentadores, porém não se avalia de que forma o conceito dialogismo poderia ser mobilizado para se compreender um exemplo de escrita.

A seguir, há outra questão da mesma prova:

São exemplos de variações diatópicas, diastráticas e diafásicas, respectivamente: a) os falares regionais, os “dialetos sociais” e as determinadas pelo contexto; b) a gíria, a linguagem coloquial e as variedades históricas;

c) a língua escrita, a língua falada e as variedades históricas;

d) a linguagem formal, a linguagem informal e o coloquial distenso; e) a norma padrão, a norma subpadrão e os idioletos.

Fonte: PRETI, Dino. Sociolinguística: os níveis de fala. 9 ed. São Paulo: Edusp, 2003.

(Prova D, 2008; conhecimentos específicos, parte específica, alternativa segundo o gabarito oficial: A)

Exige-se que se saiba diferenciar possibilidades de variação linguística com base no livro de Dino Preti, entretanto, o edital deste concurso não possui indicações bibliográficas, e sim uma lista de conteúdos; a parte que corresponderia ao conhecimento cobrado para a resolução é definida por VARIAÇÃO LINGUÍSTICA, NORMA E ENSINO DA LÍNGUA:

Modalidades, variedades, registros.

O fato de haver a presença de uma questão relativa à variação linguística não corresponde a verificar se o candidato sabe como trabalhar este aspecto em sala de aula. Nessa perspectiva, a teoria constitui-se como um aspecto relevante da formação do professor, mas que não precisa necessariamente articular-se à sua aplicação. Na prova J, cobram-se conhecimentos a respeito de gêneros para a prática de escuta e leitura de textos orais segundo os PCNs:

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São gêneros privilegiados para a prática de ESCUTA e LEITURA de textos orais, segundo o PCN – Língua Portuguesa:

a) divulgação científica e literária b) publicidade e literária

c) literário: comentários radiofônicos, debates, depoimentos.

d) literários: cordel, causos, canções. Imprensa: debates, entrevistas, depoimentos. e) publicidade: propaganda. Divulgação científica: exposição, seminário, debate.

(Prova J, 2006; conhecimentos específicos, parte específica, alternativa segundo o gabarito oficial: D)

Assim como ocorreu na questão anterior sobre variação linguística, aqui a discussão sobre os gêneros orais não exige reflexão sobre as possibilidades de trabalho com estes. Quando se compara o enunciado à forma como o assunto é abordado nos PCNs, percebe-se que o trecho inicial corresponde em grande parte ao título de um quadro presente na página 54 dos PCNs:

Gêneros privilegiados para a prática de escuta e leitura de textos Linguagem oral Linguagem escrita

LITERÁRIOS cordel, causos e similares texto dramático canção LITERÁRIOS conto novela romance crônica poema texto dramático DE IMPRENSA comentário radiofônico entrevista debate depoimento DE IMPRENSA notícia editorial artigo reportagem carta do leitor entrevista charge e tira DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA exposição seminário debate palestra DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA verbete enciclopédico (nota/artigo) relatório de experiências didático (textos, enunciados de questões) artigo

PUBLICIDADE propaganda PUBLICIDADE propaganda

(Quadro presente nos PCNs língua portuguesa, p.54)

Nas alternativas, há uma mistura das informações presentes no quadro; nas duas pri- meiras colocam-se as áreas de concentração – divulgação cientifica, literária e publicidade –

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no lugar dos gêneros; na alternativa c troca-se a área de concentração, de imprensa para lite-

rários. As duas últimas apresentam gêneros pertencentes ao quadro agrupados corretamente de acordo com a esfera pertencente, entretanto apenas a d foi considerada como correta pelo gabarito oficial. Essa transposição do conteúdo presente nos PCNs para construção da pergun- ta demonstra que, apesar de o tema central ser a escuta e leitura de textos, não se abordaram formas de trabalho em sala de aula ou justificativas para estes, e não outros gêneros, serem privilegiados.

A referência a um livro e, por conseguinte, a necessidade de se recorrer a seu conteúdo para a compreensão satisfatória de uma questão não corresponde à incorporação desse saber na prática do professor. Em outras palavras, as questões analisadas, embora pressuponham algum conhecimento teórico, não avaliam a capacidade de mobilizá-lo em situações de análi- se, inerentes ao trabalho do professor de língua portuguesa. As discussões a seguir, por sua vez, procuram verificar as características das questões situadas no outro extremo, ou seja, que articulam teoria e prática aos testes de seleção.