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128 Tabela 4 Despesa doméstica em I&D (1964-1982)

O processo revolucionário: ruptura e continuidade (1974-1976)

128 Tabela 4 Despesa doméstica em I&D (1964-1982)

Anos Preços correntes % do PNB

1964a 265,8 0,28 1967a 320,4 0,24 1971 751,2 0,38 1972 854,2 0,37 1976 1.279,6 0,27 1978 2.521,1 0,32 1980 4.118,5 0,34 1982 6.541,2 0,35

a) Excluindo as ciências sociais e as humanidades

Fonte: Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico, Reviews of

National Science and Technology Policy - Portugal, OECD, Paris, 1986:23.

À semelhança do que ocorreu em Espanha, a instabilidade política – implicando uma forte rotação do pessoal dirigente tanto na esfera governamental como da administração pública, senão mesmo o bloqueio político de alguns processos políticos ordinários – concentrando-se os governos noutros problemas de reforma política ou simplesmente a impossibilidade de governar, este conjunto de circunstâncias acumuladas criadas pelo processo revolucionário primeiro e os efeitos da crise económica depois, deixaram de facto pouco espaço para o desenvolvimento de ações em política de ciência e tecnologia. (Sanz- Menéndez, 1997: 163-164).

Conclusão

Como vimos, começou-se precisamente por valorizar, sem inocência, a narrativa dos momentos e episódios históricos no que respeita aos problemas e temas da política científica, na intenção de contrariar, por um lado, a dispersão e, por outro, certo excesso de especificidade – porventura derivada da influência das culturas tecnocrata e burocrata (Elzinga e Jamison, 1995). Foi assim proposta uma periodização mais flexível, sobretudo como forma de se captarem as continuidades, apontando-se até algumas sobreposiçõesentre os diversos momentos que a literatura também tem identificado. Sobreposições mais consequentes com a dialética do tempo histórico, significando mais do que as métricas de periodizações pouco condizentes. Mais do que sublinhar particularidades ou singularidades, importa insistir numa visão de conjunto, global, que identifique as tendências, os paradigmas e conceitos predominantes; enfim, os caminhos históricos que a política científica portuguesa percorreu.

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Ficou evidente que foi do cruzamento de influências que a política científica se afirmou ao nível da administração central. Se a prioridade política concedida à agenda da política científica (i.e., o investimento em investigação científica) surgiu frágil, não quer isso dizer que não existissem atores, estratégias e interesses agindo em diferentes instâncias e cristalizando-se mesmo em níveis intermédios da administração pública – e.g. da Junta de Educação Nacional ao Instituto de Alta Cultura, a criação da Junta de Energia Nuclear, na administração colonial, ou as iniciativas que conduziram à criação da JNICT (i.e., experiência das relações com a NATO científicaou a colaboração com peritos da OCDE). A criação da JNICT, porém– como antes vinha acontecendo com a Junta de Energia Nuclear (Oliveira, 2002; Taveira, 2003) e a Comissão INVOTAN (Brandão, 2012a) –, viera colocar o tema da política científica próximo da Presidência do Conselho, o mais alto escalão do poder executivo. Este processo de persuasão da elite política quanto à instrumentalidade da política científica teve visivelmente os seus fatores, bem como os seus defensores e interessados.

Se por um lado são visíveis os contágios a partir dos organismos internacionais, e a influência dos discursos e narrativas de uma época, é claro que existia um substrato doméstico, com diversos atores, tanto individuais como institucionais que apesar de tudo conduziram o processo segundo as suas próprias ‘idiossincrasias’ (Gonçalves, 1996) – antes mesmo da normalização das práticas e conceitos, sob influência dos fóruns internacionais e respetivas comunidades internacionalizadas, processo mais visível a partir dos anos 1960. É de factoevidente que os contágios internacionais não se fizeram neutralmente. Houve um grupo, em particular, que se constitui frequentando esses fóruns e adotando os respetivos referenciais de autoridade, ‘conhecimento atualizado’, que se irá materializar em desenvolvimentos institucionais relevantes para a construção do ‘sistema científico’ português.

Ensaiada no período do regime do Estado Novo, a criação da JNICT havia correspondido a um momento chave de redefinição de uma ‘política científica nacional’, de implementação daquilo que era o conhecimento teórico-doutrinário da época sobre política científica, e de determinados circuitos político-profissionais, no contexto de um regime com características próprias mas que, perante os crescentes sinais de esgotamento, proporcionou a oportunidade para uma experiência desse género, ao abrigar uma elite reformista que, a partir dos anos 1960, se mostrou detentora de uma expertise teórico-técnica crescentemente valorizada num contexto em que, apesar de tudo, o país participou, de industrialização e aceleração económica – normalmente engenheiros ou economistas, os protagonistas da nova orientação de política científica. E, de facto, o momento em que, durante o Estado Novo, se configurou a JNICT essencialmente enquanto uma “arena para a coordenação e o aconselhamentoe, simultaneamente, um ‘corpo profissional de formulação política e administração’da ciência (Henriques, 2006: 181), correspondeu ao momento de maior influência da elite tecnocrata no contexto do regime,vindo então a ser chamada a colaborar com o consulado marcelista.

Já com a Revolução de abril abriu-se um período de instabilidade institucional, que desencadeará uma aparentementeabrupta mas silenciosa redefinição do modelo anterior, mormente em termos de modificar o papel e, progressivamente, o perfil da JNICT. (Henriques, 2006: 180). Após a instabilidade revolucionária hesitou-se entre diversas

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trajetórias possíveis, ensaiando-se tentativas de redefinir o modelo de organização da ciência em Portugal. Luísa Henriques, por exemplo, refere que o 25 de abril significou uma

descontinuidade no processo de construção, sobretudo no modelo seguido das políticas

científicas em Portugal (Ruivo, 1998: 218; Henriques, 2006: 180). É bem plausível, concorda- se, se atentarmos à competição institucional que se instalou ou àsquestiúnculas de ‘geometria’ e tutela da organização e definição da política científica. É porém ao mesmo tempo evidente que, depois da turbulência revolucionária, um olhar sob os atores e protagonistas demonstra continuidade assinalável, do perfil e das racionalidades propaladas, sobretudo se atentarmos aos quadros intermédios.

Então, tal como no período anterior, apesar da investigação ter sido objeto de fraca prioridade política, alguns atores, provenientes de uma mesma ‘comunidade epistémica’53

(e.g. Haas, 1992) procuraram implementar a sua visão de política científica, constituindo um grupo de lideranças de nível intermédio, frequentemente identificados como tecnocratas, que logrará voltar à administração pública portuguesa após o período de instabilidade revolucionária. Depois da rutura é anunciada portanto uma certa continuidade, inclusive das racionalidades e propostas da política científica.

Em suma, após uma primeira geração de política científica, apostada sobretudo na concessão de bolsas de estudo e criação centros de investigação extra-universitários, é visível uma processo de hegemonização de uma certa visão de política científica,assente em dimensões míticas (Gonçalves, 1996), como por exemploa coordenação, a conduzir-se, primeiro, por via do aconselhamento e, no período final do Estado Novo, por via do planeamento, da programação e da gestão tecnocrata. Da preocupação quanto à descoordenação do ‘sistema’ inferia-se inclusive pela ausência da política científica, um racional que, com efeito, marcará uma visão, e uma leitura histórica mesmo, visível numa elite – no que respeita ao trajeto e respetivos conceitos da política científica. É frequentemente a narrativa da cultura burocrata e tecnocrata quanto à ‘política científica moderna’.

53 Uma ‘comunidade epistémica’, enquanto conceito, pode ser definida como uma rede de especialistas em política,

compartilhando princípios e crenças comuns sobre os fins, bem como crenças causais sobre os meios e os parâmetros para a acumulação e comprovação de novo conhecimento (Haas, 1992: 3; Haas, 1997) Podemos encontrar precisamente nestes termos, de um conceito mais despolitizado, o referido grupo dos tecnocratas – Thwaites Rey (2001) fala mesmo em ‘tecnocratas globalizados’ – intervenientes na história da política científica, um grupo coerente e com certo grau de homogeneidade dado o perfil sociopolítico (identificado por diversos historiadores) e técnico-científico (frequentemente engenheiros ou economistas). Aliás, sobre a ‘hora dos engenheiros’ em Portugal veja-se Rodrigues (1999 e 2004); ou quanto à ‘era dos economistas, veja-se Rosas (2000).

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