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 Toque para jurema

TABELA 20 Tenho meu poder

Pai de santo Pai de santo

Tenho meu poder Foi Deus quem me deu

Tenho meu poder Foi Deus quem me deu No pé da jurema só você e eu No pé da jurema só você e eu

TABELA 21

A jurema tem o que ninguém tem

Pai de santo Pai de santo

A jurema tem o que ninguém tem A jurema tem a força do bem A jurema tem o que ninguém tem A jurema tem a força do bem

Ô vem brincar jurema Ô jureminha minha Ô vem brincar jurema Ô jureminha minha

É de bereredê É de bereredá, é dona da cidade e nela eu vou entrar

É de bereredê É de bereredá, é dona da cidade e nela eu vou entrar

No ponto “Ô jurema preta” é possível identificar outros elementos do antigo catimbó, por exemplo, a jurema preta, símbolo do culto, considerada a planta mágica que pode ser usada para o “bem” ou para o “mal”. Bem como, as cidades da jurema, e a chave, esse objeto era bastante utilizado nas mesas de catimbó para “abrir” e “fechar” as sessões e “abri” e “fechar” o corpo dos clientes contra qualquer mal espiritual. O próprio ponto remete à tradição dos mestres de Alhandra. Tive a grata surpresa de encontrá-lo transcrito na obra de

Vandezande (1975), porém esse ponto fazia parte de um tipo de culto que o autor identificou como “toré dos mestres”. Outra diferença entre os dois pontos é que a palavra “trabalhar”, do último verso do ponto que apresento, é substituída por “saravar”, na transcrição de Vandezande (1975). Ele afirma que essa palavra demonstra uma redação recente, em relação à época de suas pesquisas. Provavelmente, devido ao contato recente do culto com outras religiões afro-brasileiras.

Outros objetos que remetem à tradição juremeira também não estão presentes no culto do Ilê Axé Xangô Agodô. Por exemplo, a princesa, recipiente onde se colocava o vinho da jurema, e a mesa onde se realizavam as sessões de catimbó e que caracterizava o culto. No entanto, o cachimbo e o maracá são remanescentes ainda utilizados nos toques de jurema.

Quando termina de cantar os pontos, Pai Beto saúda a jurema sagrada, os caboclos e seu guia, seu Sete Flechas. Os caboclos são espíritos dos antigos povos indígenas brasileiros. Concordo com Santiago (2008), quando ela diz:

Os Caboclos e Índios hoje cultuados nas sessões de jurema na Paraíba são caudatários, sobretudo, do antigo catimbó. Contudo, não descarto as influências das demais religiões que cultuam essa entidade, especialmente a umbanda paulista e carioca, na composição simbólica dos elementos da jurema paraibana (SANTIAGO, 2008, p.10).

Um exemplo da presença dessa entidade nos dois cultos é o Caboclo Sete Flechas, que também é um guia bastante conhecido no meio umbandista.

Pai Beto canta para chamar os caboclos: TABELA 22

Soprei minha Gaita mestra

Pai de santo Filhos de santo

Soprei minha gaita mestra no tronco do juremá

Soprei minha gaita mestra no tronco do juremá

Sete caboclo eu vou chamar, eu vou chamar

Eu vou, eu vou, eu vou ali já volto já Eu, eu vou, eu vou ali já volto já TABELA 23

Os caboclos desceram

Pai de santo Filhos de santo

Os caboclos desceram lá do alto da serra

Trazia no peito uma cobra coral Os caboclos desceram lá do alto da serra Trazia no peito uma cobra coral Nosso terreiro hoje está em festa

Nosso terreiro hoje está em festa Vamos sarava o meu seu Sete Flechas

Os pontos de caboclo têm um acompanhamento rítmico característico, o qual Netinho chama de Pancada de índio (FIG. 56). Esse ritmo só é executado nos pontos de caboclo, porém outros ritmos podem acompanhar alguns cânticos dessas entidades.

Nos toques que assisti pude perceber que este padrão rítmico é repetido sem muitas variações, mudanças nas articulações e acentuações rítmicas, que variam de acordo com a habilidade musical do executante (FIG. 57). Geralmente essas variações são tocadas quando Pai Beto pede para saudar as entidades. Depois que Netinho execulta uma variação, ele retorna ao padrão ritmico anterior.

Enquanto os pontos são entoados, os caboclos incorporam em seus médiuns. As entidades sacodem seus médiuns até o meio do círculo ao incorporar, bradam, dançam e reverenciam o babalorixá, o Ogã e o elu, e fumam seus cachimbos. Os filhos de santo com mais tempo de iniciação auxiliam os mais novos no desenvolvimento da incorporação.

Depois de uma hora, aproximadamente, do início do toque, chegou outro rapaz que faz parte da casa. Ele acompanha Netinho nos elus. Ele é um exemplo que caracteriza a questão da divisão de funções dentro da casa, pois ele tem mediunidade para incorporação. Os ogãs não podem parar de tocar para virar no santo, ou arriar guias da jurema. Ele ainda toca os tambores por que ainda não incorporou durante um toque, mas quando isso ocorrer ele não terá permissão para tocar.

O papel, e a força, do ogã é derrubar as entidades dos outros médiuns, ou seja, induzir a incorporação, “chamando” as entidades e mandando-as “ir embora” através dos toques. Porém essa força só se concretiza a partir do momento em que o ogã passa pelo ritual de iniciação.

A presença dos dois tambores não altera os padrões rítmicos tocados pelos ogãs. Os ritmos são tocados em uníssono. Porém, existe uma convenção em respeito a hierarquia entre os ogãs, na qual o segundo tambor só começa a tocar depois que Netinho iniciar o toque, por que ele foi o primeiro ogã feito da casa. Em geral, nas religiões afro-brasileiras o ogã mais antigo, com mais tempo de iniciação, é chamado de alabê.

TABELA 24

Se é pra chamar também chamo

Pai de santo Filhos de santo

Se é pra chamar também chamo Por que meu dever é chamar

Se é pra chamar também chamo Por que meu dever é chamar Eu sou cabocla, eu sou cabocla

Sou filha de Rei Salambá

Eu sou cabocla, eu sou cabocla Sou filha de Rei Salambá

Os elus acompanham esse ponto tocando Baque virado. Pai Beto se despede das

caboclas cantando:

TABELA 25

Com a flecha e a jurema ela vai pro Juremá

Pai de santo Filhos de santo

Com a flecha e a jurema ela vai pro Juremá

Com a flecha e a jurema ela vai pro Vajuncá

Com a flecha e a jurema ela vai pro Juremá

Com a flecha e a jurema ela vai pro Vajuncá

O ritmo que acompanha esse ponto não tem nome específico (FIG. 62). Este ponto é repetido até que todas as caboclas desincorporem.

Em seguida o pai de santo saúda os senhores mestres. Uma filha de santo traz o alá, espécie de “bandeira”, que é estendido no chão. Como pode ser visto na (FIG. 11), todos os filhos de santo se ajoelham (jocô), formando um círculo ao redor do alá, este é um momento de louvação à jurema. O alá é decorado com símbolos38 que representam a jurema, nele estão desenhados cruzes, estrela de seis raios e um arco com uma flecha que o atravessa.

Segundo Cascudo (1978), a estrela de seis raios (Hexalfa) também é conhecida como Selo ou sinal de Salomão, Sino-salamão ou sanselimão. De acordo o autor, esse símbolo antiquíssimo da cabala e guarda o espírito contra o assalto de espíritos malignos. Essa estrela também é utilizada como símbolo do orixá Xangô.

A cruz remete à tradição cristã, fortemente presente na tradição da jurema, que também se traduz na presença constante na fala e cânticos dos guias, que evocam Jesus Cristo e a Virgem Maria.

No centro do alá está desenhado um arco e flecha. O arco tem raios na parte superior, esse símbolo remete aos espíritos dos caboclos, mas também representa Oxóssi, nome dado

38 Os símbolos são os pontos riscados, outra forma de identificar as entidades nos rituais afro-brasileiros. Eles também podem ser reproduzidos em desenhos de giz ou em esculturas de ferro.

ao orixá Odé em outras “nações” de candomblé. Na doutrina de umbanda, os espíritos dos

caboclos fazem parte da falange (linha) subordinada a Oxóssi. No Ilê Axé Xangô Agodô, Oxóssi está ligado à tradição juremeira, enquanto Odé representa o orixá.

FIGURA 11 – Alá de jurema e os filhos de santos ajoelhados (jocô) em torno dele.

Durante a louvação os cânticos obedecem à mesma estrutura dos outros pontos, porém o canto não mantém uma métrica regular, ad libitum. Neste momento os elus “rufam” e em pequenos trechos do ponto esboçam um acompanhamento rítmico em alguns trechos do cântico. Netinho chama esse ritmo de Pancada leve (FIG. 59), por que ele acompanha as louvações, mas deve ser tocado em uma dinâmica mais baixa e em andamento lento, em algumas partes do cântico. O único instrumento renitente é sineta, tocada por um dos filhos de santo feito na jurema:

TABELA 26