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O Teatro de Arena e o Grupo Opinião

Capítulo 1. Teatro Épico nos anos

2. Disputas estéticas e políticas no pós-1964 O Teatro Oficina

2.1 O Teatro de Arena e o Grupo Opinião

A produção cultural do Teatro de Arena e do recém-criado Grupo Opinião, no Rio de Janeiro, no contexto posterior a 1964, caracteriza-se, de acordo com Schwarz (1978) pela não-incorporação da derrota da esquerda. O Opinião, grupo que aglutinou artistas das mais diversas áreas, muitos deles oriundos do CPC, tomou a música como arte privilegiada de intervenção e apresentou, em dezembro de 1964, o Show Opinião, assinado por Armando Costa, Paulo Pontes e Vianninha. O Show, que mesclou canções com episódios narrativos, prontamente foi tomado como “[...] quartel-general da resistência ao golpe” (COSTA, 1996, p.101), não obstante as poucas referências à derrota vivenciada pela esquerda. O golpe teria sido tratado pelo grupo como um desvio de percurso, um acidente, por assim dizer, sem maiores indagações a respeito das condições que o possibilitaram. Desta forma, O Opinião – assim como o Teatro de Arena – teria sido incapaz de responder política e esteticamente aos problemas do momento.

O Opinião buscou tirar das sombras a música brasileira, ofuscada pela estrangeira, despejada pelo mercado. Para tanto, foi buscar matéria-prima nos lugares desprezados pelo então incipiente mercado musical brasileiro. Desse modo, afirma Ridenti (2000), o grupo seria herdeiro do movimento nacional- popular iniciado no pré-1964 e opor-se-ia, assim, ao Teatro Oficina. Tal busca pela cultura brasileira e pelo povo levou à “descoberta” de Cartola, Edu Lobo e Clementina de Jesus, que nasceram para o Brasil mediante incorporação pelo mercado. A emergência da música de protesto deu-se, portanto, às bordas do mercado que rapidamente a incorporou. Trata-se, de acordo com Iná Camargo Costa (1996), do fenômeno da mercantilização da vida política, semelhante àquele apontado por Walter Benjamin na década de 1930 na Alemanha. As

manifestações culturais da vida nordestina, as vicissitudes da vida no morro, assim como os signos da luta passada, tomados como a continuidade dela, passaram a integrar a lógica capitalista. Após o sucesso do Show Opinião, cujo disco foi sucesso de vendas, o Opinião montou a peça Liberdade, Liberdade, escrita por Millôr Fernandes e estrelada por Paulo Autran e Tereza Raquel, “[...] dois nomes do teatro, respeitados, prestigiados, e que nada tinham a ver com política” (GULLAR apud RIDENTI, 2000, p. 127) Logo após, foi a vez de Se

correr o bicho pega, se ficar o bicho come de Ferreira Gullar e Oduvaldo

Vianna Filho. Com a saída deste no início dos anos 1970, quando em virtude de um tumor no pulmão afastou-se do grupo, o Opinião perdeu muito de sua identidade e começou a converter-se em um teatro tradicional. Dada tal crise de identidade, os problemas financeiros pelos quais passava e, além e sobretudo, do AI-5, resolveu-se pela venda do Opinião.

As peças Arena conta Zumbi (1965), e Arena conta Tiradentes (1966), são também apontadas por Iná Camargo Costa (1996) como anunciativas da mercantilização da vida cultural. A respeito de Arena conta Tiradentes, do Teatro de Arena, afirma a autora:

[...] No Brasil, com Brecht aconteceu o mesmo que com outros produtos importados: foi reduzido a um material como outro qualquer que se guarda no almoxarifado, podendo a qualquer momento ser posto em circulação, e a serviço de não importa que assunto (COSTA, 1996, p.137-38)

Todavia, Schwarz (1978) é pioneiro no apontamento dos limites estético- políticos do Teatro de Arena, questionando o clima de efusão entre palco e público e tomando-o como sintoma da não incorporação do golpe como um momento histórico de ruptura. Tal relação de cumplicidade teria sido, de acordo com Schwarz (1978), em grande parte viabilizada pelo ascendente movimento estudantil, o qual se fortificaria nos anos seguintes e que, naquele momento,

encontrou no Teatro de Arena um centro contestatório do novo regime A conversão do teatro épico em estilo também é apontada por Schwarz (1978) e foi demonstrada, inclusive, por Augusto Boal, que chegou a afirmar que o teatro deveria operar tanto com o distanciamento brechtiano quanto com a identificação do sistema Stanislavski. Schwarz (1978) apontou em Tiradentes a convivência dos dois sistemas, utilizados no sentido de produzir, por um lado, uma imagem crítica das classes dominantes e, de outro, a edificação do herói. Aos inimigos de Tiradentes caberia, então, o distanciamento brechtiano e, a ele, a promoção da identificação stanislavskiana, gerando-se assim um resultado estético questionável. Vejamos o autor:

[...] os abastados calculam politicamente, tem noção de seus interesses materiais, sua capacidade epigramática é formidável e sua presença em cena é bom teatro; já o mártir corre desvairadamente em pós a liberdade, é desinteressado, um verdadeiro idealista cansativo, com rendimento teatral menor (SCHWARZ, 1978, p. 84)

A opção de tratar Tiradentes como herói, utilizando o recurso da identificação e não o do distanciamento brechtiano demonstraria, assim - além da rejeição da experiência estética anterior, que exigiria o tratamento épico na peça como um todo -, um aspecto fundamental da política do Teatro de Arena naquele momento. A autocrítica estava vedada, a indagação e o distanciamento da política anterior não estavam na pauta do dia, dado que, por si mesmo, demonstra o prosseguimento nela. O tratamento épico, portanto, não poderia ser utilizado no caso do herói, posto que a consciência da esquerda não estava preparada para tal. Já bastante conhecido no país, Brecht passou a ser uma referência cada vez mais constante no repertório brasileiro – o próprio Teatro de Arena apresentou, em 1967, O Círculo de Giz Caucasiano, do dramaturgo alemão. Não obstante, de acordo com Iná Camargo Costa (1996), esse período encerra o processo iniciado anos antes com Eles Não Usam Black-tie. As

condições histórico-sociais do teatro épico brasileiro haviam sido deixadas para trás, pari passu a transformação do arsenal brechtiano em recurso estilístico.

Apesar das objeções políticas e estéticas que podem ser feitas à prática do Teatro de Arena e à do Grupo Opinião - sem deixar de lado, todavia, o Teatro Oficina -, o período de 1964 a 1968 foi de intensa agitação política e cultural – período este que seria encerrado pelo Ato Institucional-5. Considerados subversivos pela ditadura civil- militar, membros dos grupos foram por vezes perseguidos e alvos do Inquérito Policial Militar (IPM), que tinha como objetivo a intimidação e a dispersão da esquerda no front cultural. A partir de 1968 houve o refluxo histórico do período de efervescência cultural no qual a esquerda foi hegemônica. O AI-5 levou à interrupção as divergências estéticas e fez com que, no início dos anos 1970, o PCB encarasse a questão cultural de maneira diversa, já incorporando as experiências históricas recentes.