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A Organização das Nações Unidas (ONU) define tecnologia como “o conjunto de conhecimentos, experiências e competências técnicas necessárias para a fabricação de um ou mais produtos” (SANTOS, 2012, 28).

Nilton Cesar da Silva Flores (2006, 25) considera a tecnologia o conhecimento ou a informação que tenham a capacidade de fornecer algum

ganho competitivo no domínio mercantil ou industrial. O autor ainda esclarece as diferenças existentes entre conhecimento, informação e dado:

O conhecimento é todo saber tecnológico, científico, literário ou artístico nos domínios teórico ou prático, enquanto informação é o conjunto de esclarecimentos acerca de procedimento para utilização do conhecimento. Não se pode confundir o conhecimento com o dado, pois este é o elemento que serve de base à resolução de um problema, cuja análise de dados poderá levar a um conhecimento, considerando as variáveis do problema (FLORES, 2006, 26).

Outra particularidade que merece ser trazida a lume é a distinção entre técnica e tecnologia, pois enquanto esta consiste em um conjunto de técnicas de um domínio particular, a primeira denota um repertório de procedimentos ligados a uma arte ou ciência (SANTOS, 2001, 28):

O termo ‘Técnica’ significa: (a) conjunto de procedimentos ligados a uma arte ou ciência (exemplo: a técnica de escrever); (b) a parte material dessa arte ou ciência; (c) a maneira de tratar detalhes técnicos (como faz um escritor) ou de usar os movimentos do corpo (como faz um dançarino); (d) destreza, habilidade especial para tratar esses detalhes ou usar esses movimentos; (e) jeito, perícia em qualquer ação ou movimento (exemplo: descascar laranja sem se ferir requer técnica). Já tecnologia é: (a) ‘o produto de ciências aplicadas numa atividade ou num bem; (b) é acumulável, e (c) é o retrato (ou um pacote tecnológico negociável) que se refere a um determinado momento ou evento importante para os seus interessados (NAKON apud SANTOS, 2012, 14).

Percebe-se que há uma certa ambiguidade no conceito de tecnologia, por isso normalmente é estabelecido um critério mais funcional e prático (HAUG, 1992, 210). A Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OECD) propôs que tecnologia significa o conhecimento sistematizado aplicado à manufatura de um produto para aplicação em um processo ou para criação de um serviço (HAUG, 1992, 210). Já a ciência, uma das bases para o desenvolvimento tecnológico, é constituída por conhecimentos organizados sobre os mecanismos de causalidades dos fatos observáveis, obtidos através do estudo do objetivo dos fenômenos empíricos.

A tecnologia é um conceito variável no tempo e no espaço, pois consiste no uso do conhecimento por uma determinada sociedade em um dado momento para resolver problemas concretos atinentes ao seu desenvolvimento. O

que constitui a tecnologia varia com a cultura e com o grau de desenvolvimento de um país (HAUG, 1992, 211). Com a globalização, no entanto, em virtude da padronização das sociedades, existe também uma universalização da tecnológica e uma preponderância do saber científico.

Segundo a OCDE, a inovação tecnológica de produto ou processo compreende a introdução de produtos e processos tecnologicamente novos e melhorias significativas em produtos e processos existentes.

O avanço tecnológico, apesar de não poder ser considerado por si só em uma análise econômica qualitativa, é fundamental, pois a tecnologia é o centro gravitacional da economia mundial e o fator responsável pela Terceira Onda, segundo Alvin Toffler.

A tecnologia é uma criação do intelecto humano, que representa uma solução técnica para um determinado problema vivenciado. A concepção de uma nova tecnologia tem uma relação intrínseca com a sociedade na qual e para a qual ela é idealizada.

Com a globalização, as conexões entre as comunidades ficaram mais estreitas – de certa forma houve uma unificação ou padronização do meio de vida. A globalização, inicialmente pensada sob a ótica econômica, repercutiu também no âmbito social - como Arroyo (2005, p. 90) afirmou ao descrever o fenômeno (“caráter predominantemente econômico, mas com consequências na cultura e no direito”).

Quando um Estado não consegue gerar suas próprias soluções tecnológicas, ele não atingiu o desenvolvimento, por isso, normalmente, para ter acesso à tecnologia necessária, tem que importá-la através de instrumentos de transferência de tecnologia. A dependência tecnológica provoca a dependência econômica e social, e tal fato é mais ainda preocupante quando a tecnologia de que o Estado menos desenvolvido carece é geradora de bem-estar social (ROCHA, 2007, p. 165).

Como bem observa Sylvio Loreto (2004, 282), com a profunda revolução tecnológica e científica ficou mais claro que o padrão de vida de um povo, suas condições socioeconômicas, dependem do nível quantitativo de seu

desenvolvimento tecnológico – o acesso à tecnologia e o bem-estar social estão, portanto, integrados.

Se a transferência de tecnologia não é acompanhada de um aprendizado que envolva a capacitação do receptor para desenvolver sua própria técnica, todo o processo é vazio, pois a dependência persistirá no futuro. É necessário ter “aprendido a aprender”, pois essa é a tradução do desenvolvimento. Até mesmo porque a globalização, como advertiu Arroyo (2005, 90), não tem a capacidade de homogeneizar completamente a diversidade cultural, político-institucional e valores existentes no mundo contemporâneo, ou seja, cada Estado tem seus problemas locais que exigem uma solução tecnológica específica e própria.

Os economistas da escola clássica, como Adam Smith e David Ricardo, já haviam percebido o impacto das transformações técnicas no crescimento econômico, pois vivenciaram a Segunda Onda, correspondente à Revolução Industrial (TIGRE, 2006, 26). Smith e Ricardo colocaram a acumulação de capital no centro de seus estudos sobre crescimento econômico e identificaram a tecnologia como principal fator transformador da economia (TIGRE, 2006, p. 26).

Adam Smith foi o pioneiro no reconhecimento da relação entre desenvolvimento tecnológico e crescimento econômico, ao observar as mudanças estruturais que ocorreram na Inglaterra (TIGRE, 2006, 26). Ao escrever sua obra clássica, “A Riqueza das Nações”, identificou duas “inovações” que favoreciam o crescimento da produtividade: a divisão social do trabalho e os melhoramentos na maquinaria (TIGRE, 2006, 26)

Smith demonstrou que, subdividindo as tarefas necessárias para a produção em diferentes etapas, em que cada trabalhador seria especializado em uma função específica, a produtividade aumentava significativamente em relação ao processo artesanal, no qual todo trabalho era desenvolvido por uma única pessoa. A inovação, para Smith, era resultado do “aprender-fazendo”, ou seja, da busca pelo aperfeiçoamento das formas tradicionais de realizar tarefas produtivas por meio da observação e da experiência (TIGRE, 2006, 26)

Posteriormente, Joseph Schumpeter, economista austro-americano do século XX, foi, provavelmente, um dos economistas que mais se preocupou com

o papel da tecnologia no funcionamento da economia capitalista, e inclusive desenvolveu suas teorias com base nas propostas seminais de Karl Marx (TIGRE, 2006, 59).

Seguindo as ideias de Marx, Schumpeter constrói sua teoria do desenvolvimento com base no conceito de monopólio temporário do inovador. Schumpeter critica a teoria neoclássica não só por sua visão estática sobre o funcionamento da economia como pela excessiva preocupação dos economistas contemporâneos com a estrutura dos mercados – concorrência e oligopólio (TIGRE, 2006, 60).

O empresário inovador schumpeteriano é encarado como um verdadeiro herói para o desenvolvimento da economia, em oposição à visão marxista que o classificava como um capitalista “predador” (TIGRE, 2006, 59). Schumpeter admirava na obra de Marx sua crença no capitalismo como um processo evolucionário metaforicamente biológico e essa visão dinâmica sobre o sistema capitalista levou Schumpeter a criticar a escola neoclássica econômica, dominante na época e que se pautava pela busca do equilíbrio no mercado (TIGRE, 2006, 59).

Schumpeter foi influenciado pelo ambiente econômico das grandes corporações norte-americanas das décadas de 30 e 40 e defendeu que o monopólio impulsionaria a economia e incentivaria as inovações ao recompensar o empresário inovador (KUBRUSLY, 2007, 60-62). As grandes estruturas e suas economias de escala que financiavam o capitalismo e os processos de inovação competidores (KUBRUSLY, 2007, 60-62).

Ao final da década de setenta, economistas e sociólogos retomaram as lições de Schumpeter e iniciaram uma corrente teórica denominada de "neoschumpeteriana". Os neoschumpeterianos enfatizam o caráter evolutivo do capitalismo, por isso também são conhecidos como “evolucionistas”. A proposta neosschumpeteriana associa a estrutura de mercado com o ciclo de evolução tecnológica do produto (TIGRE, 2006, 75).

Tal interação permite produzir melhores resultados analíticos. A literatura neoschumpeteriana enfatiza que as trajetórias que emergem de um paradigma tecnoeconômico raramente são “naturais”, impulsionadas apenas por fatores científicos e tecnológicos externos. Fatores econômicos e sociopolíticos são muito importantes na determinação de trajetórias tecnológicas em

diferentes países. O processo de seleção ocorre dentro de um ambiente específico, onde a qualidade das instituições técnicas e científicas, das estratégias do setor privado, dos estímulos e financiamentos às inovações cumpre papel fundamental (TIGRE, 2006, 79).

As lições de Schumpeter e os economistas neoschumpeterianos são indispensáveis para a compreensão do fenômeno da inovação tecnológica e a legislação atinente à ciência e tecnologia. O Manual de Oslo, elaborado pela OCDE, adota as teorias neochumpeterianas sobre inovação expressamente e a publicação cita Schumpeter e seu pensamento econômico em diversos trechos. Até mesmo a nova proposta analítica da CEPAL, adota a perspectiva da introdução da tecnologia, com fundamento na escola neoschumpeteriana.

Kenneth Arow, economista estadunidense, ganhador do prêmio Nobel de economia em 1972 e considerado um dos fundadores do pensamento neoclássico econômico, foi o primeiro opositor de Schumpeter (KUBRUSLY, 2007, 60-62). Arow e defendeu que a concorrência promoveria a inovação, afirmando que para inovar o monopolista despenderá recursos consideráveis e provavelmente não terá ganhos adicionais expressivos (KUBRUSLY, 2007, 60- 62).

Mais recentemente, Joseph Stiglitz, economista norte-americano, ganhador do prêmio Nobel de Economia em 2001, também analisou as falhas do modelo schumpeteriano, através de estudos sobre informação e mudança tecnológica. Stiglitz demostrou que o monopólio pode se tornar permanente, pois o monopolista tenderia a adotar medidas para impedir a entrada de potenciais competidores (KUBRUSLY, 2007, 60-62).

A obra de Stiglitz é fundamental para compreensão do papel da inovação na economia atual. Na presente tese, será utilizada a obra conjunta de Joseph Stiglitz e e Bruce C. Greenwald, o livro “Creating a Learning Society: A New Approach to Growth, Development, and Social Progress” (em português: “Criando uma sociedade de aprendizagem: uma nova abordagem sobre crescimento, desenvolvimento e progresso social”).

Grande parte das transformações, cerca de 2/3, foram ocasionadas por várias formas de progresso técnico (GREENWALD; STIGLITZ, 2014, p. 14). A tecnologia seria o centro gravitacional da nova sociedade internacional. Questões sobre propriedade intelectual, em consequência, tornaram-se fundamentais para proteger as inovações.

Como ensina Greenwald e Stiglitz (2014, 15), a aprendizagem é afetada pelo ambiente econômico-social e da estrutura da economia bem como pelos investimentos públicos e privados em pesquisas e educação. As políticas públicas que almejam a transformação de economias e sociedades em sociedades de aprendizagens, devem possibilitá-las a preencher as lacunas do conhecimento, e o resultado seria o aumento marcante em seus rendimentos (GREENWALD; STIGLITZ, 2014, 15). O conhecimento, porém, não necessariamente é transmitido com facilidade entre as fronteiras. Há problemas sérios na transferência internacional da tecnologia.

A experiência adquirida através da adoção das regras de livre mercado demostrou que o mercado por si só não garante a criação de um verdadeiro aprendizado. Schumpeter argumentava a favor do mercado e era favorável ao estímulo do monopólio, que, para ele, poderia ser uma virtude em uma economia de inovação. As teorias schumpeteriana e neoschumpeteriana foram usadas para defender rígidas normas de propriedade intelectual para compensar os inventores e estimular a inovação.

No entanto, nem Schumpeter, nem outros que defendiam as virtudes dos mercados de inovação, foram capazes de mostrar que os mercados foram suficientes em inovação (GREENWALD; STIGLITZ, 2014, 19). Como será examinado adiante na presente tese, um desequilíbrio na sistemática de propriedade intelectual compromete a criação de uma sociedade de aprendizado.

As graves crises financeiras que afetaram (e continuam afetando) as economias chamaram a atenção para o papel do governo na prevenção de crises, afim de corrigir as distorções dos mercados são necessárias algumas intervenções do governo (GREENWALD; STIGLITZ, 2014, 20). Ao se recorrer, mais uma vez, às lições de Arroyo (ARROYO, 2005, 90) sobre globalização, constata-se que apesar da predominância dos atores transnacionais e da

limitação do papel dos sujeitos estatais, estes ainda mantêm margem importante e indispensável de ação.

No próximo capítulo, será analisado o papel da propriedade intelectual como incentivo à inovação, e ao mesmo, tempo, a possibilidade de um regime de propriedade intelectual muito rigoroso impedir o acesso à tecnologia.

2. SISTEMA INTERNACIONAL DE PROPRIEDADE