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Tecnologias de Apoio no Desenvolvimento de Software com Acessibilidade Digital

4. Validação da Proposta de Método

4.1.1. Análise de Conteúdos das Entrevistas

4.1.1.12. Tecnologias de Apoio no Desenvolvimento de Software com Acessibilidade Digital

Existem vários fatores que podem influenciar os requisitos de acessibilidade, sendo que, após as entrevistas, o autor identifica como crítico o “antes da definição da plataforma” e “depois da definição da plataforma”, uma vez que a abordagem pode mudar completamente – e.g. desenhar com componentes gráficos standard da plataforma ou não.

A especificação de software, levantamento de requisitos, pode condicionar o desenvolvimento futuro – e.g. plataforma onde corre o software; periféricos –, e vice-versa, variando consoante, por exemplo, o produto a ser produzido, condições disponíveis e método de trabalho a ser seguido pelo gestor de projeto, como alertou um dos entrevistados (entrevista 12).

Durante as entrevistas foram identificados alguns tipos de projeto, onde se pode aplicar a informação patente na “Ferramenta de Apoio à Prática – i.e. global; à medida; modular; indústria; serviços; massas. O autor arrisca a sobranceria de afirmar que existem vários outros tipos de produto, especialmente com o advento de tecnologias novas e/ou emergentes.

4.1.1.12. Tecnologias de Apoio no Desenvolvimento de Software com Acessibilidade Digital

“…(…) às vezes as pessoas nem conhecem as normas de acessibilidade nem conhecem as tecnologias de apoio que as pessoas com deficiência utilizam. A conjugação desses dois

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fatores pode suscitar alguma perplexidade. Até que ponto é que têm que introduzir muitas funcionalidades ou mesmo imaginar que alguém com uma grande incapacidade ou que não vê ou que não pode mexer as mãos, como é que vai interagir com aquilo? “

Docente no ensino superior com mais de 20 anos de experiência na área da acessibilidade digital. Entrevista 10

É, sem dúvida, importante que quem desenvolve conheça as tecnologias de assistência disponíveis, as suas funcionalidades, o que permitem, quais as dificuldades que mitigam e, sobretudo, o que necessitam para funcionar (Savage, 2013). Desta forma, muitas equipas de desenvolvimento – mesmo equipas unipessoais – poderão ajustar os seus requisitos para explorar uma tecnologia de assistência, afastando tanto quanto possível o Ableism Design, que não apresenta grandes vantagens, ao contrário, tem consequências complicadas (Shinoara et al., 2016; 2018), ao passo que quebrará alguns mitos e, é convicção do autor, facilitará o desenvolvimento em muitas situações – e.g. escolha de componentes standard gráficos por oposição a desenvolver componentes de raiz – ou vice-versa –, funcionalidades específicas para a acessibilidade – ou não. Esta questão vai ao encontro do expressado por um dos entrevistados, que apresentou como problema o custo da implementação de ferramentas de acessibilidade (entrevista 22), indiciando ter o Ableism Design em mente durante a entrevista.

"(…) eu acho que fundamentalmente o que acontece é que não existe uma preocupação, aquando da definição dos requisitos, de definir requisitos que tenham a ver com a acessibilidade, para que depois seja possível verificar que esses requisitos foram corretamente implementados.”

Docente no ensino superior na área de engenharia de software, com especialização em testes de software. Entrevista 15

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Relativamente aos testes, alguns dos entrevistados expressaram ideias que vão ao encontro de alguns métodos de trabalho, dados a entender por alguns gestores de projeto e engenheiros de software durante as entrevistas - explicar os critérios para os testes de acessibilidade logo nos requisitos; incluir os testes de acessibilidade nos testes de aceitação.

Estas sugestões, a título de exemplo, vão ao encontro da ideia de um diretor de experiência de utilizador de uma multinacional que disse “se nós temos, já na fase da especificação, e se temos na documentação de fornecedores, alguma orientação do que deve ser feito para garantir a acessibilidade, então eu diria que, com base nessa documentação e nos critérios de aceitação que foram definidos para os requisitos, as equipas de qualidade de software deveriam ser capazes de pegar nisso e fazer a especificação dos testes. … ou seja, tenho os meus critérios de aceitação e para além, obviamente, de toda a qualidade de isenção de bugs, o que nós fazemos é validar se as nossas funcionalidades cumprem esses critérios” (entrevista 24) portanto, que liga com a ideia de que um requisito deve ser tão detalhado quanto possível. Se as circunstâncias supramencionadas forem respeitadas, a ideia geral, expressada pelos entrevistados, de que uma equipa de testes comum sem a presença de um especialista na área da acessibilidade não conseguirá fazer um guião de testes adequado a testar uma característica de acessibilidade digital, poderá ser mitigada. Contudo, o que disse um entrevistado docente no ensino superior e com mais de 20 anos de experiência na área da acessibilidade, que afirmou que as equipas típicas não serão capazes “por causa das surpreendentes idiossincrasias das pessoas com deficiência, bastante variáveis” (entrevista 10), não deve ser descurado, e como afirmou uma entrevistada “Por mais que eu faça o esforço de imaginar algumas coisas, há de certeza um monte de detalhes que me vão passar ao lado, por isso é que estou a dizer que incluir uma pessoa dessas nessa fase seria importante. Nós passamos todos pelo mesmo, só que no seu caso tem três camadas, para identificar de onde vem o bug, e nós provavelmente só questionamos a aplicação" (entrevista 16) – pessoa dessas é uma pessoa com deficiência – as três camadas mencionadas eram o sistema operativo, a aplicação com acessibilidade digital e o software leitor de ecrã. Neste ponto o autor acha importante elencar os motivos apresentados pelo engenheiro de software cego entrevistado (entrevista 31), como explicação para um guião pífio para testar acessibilidade digital: i.e. não têm as mesmas ferramentas; não têm o mesmo treino; não têm a mesma proficiência; distinguir entre erro de acessibilidade da falta de proficiência do uso de uma

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tecnologia de apoio e de uma falha da tecnologia de apoio. Ou ainda, por outro entrevistado, gestor de projeto numa multinacional, “a documentação é feita e não é lida” (entrevista 14). Mesmo se não for lida por muita gente, é convicção do autor que não se deve deixar de tentar.

4.1.1.13. Sensibilidade

A sensibilidade foi um tema recorrente durante todas as entrevistas. Por isso, este escrito tem uma secção própria dedicada ao tema.

"(…) iria ser bastante complicado, porque para além de não haver ninguém com experiência nessa área, é algo que também… nós não temos essas dificuldades, portanto facilmente nos esqueceríamos de muitos casos. "

Engenheiro Sénior numa multinacional. Entrevista 5

Algo de idêntico assentimento entre os entrevistados, e que durante cada entrevista foi muitas vezes mencionado, foi a questão da sensibilidade – entenda-se sensibilidade como: capacidade de sentir e estar alerta para as questões mitigadas pela acessibilidade digital.

“(…) não é só falta de vontade, é falta de consciência.”

Gestora de Projeto, Engenheira Coordenadora numa multinacional. Entrevista 16

Será interessante examinar alguns curiosos comentários, como o de um gestor de projeto de uma multinacional que diz que acontece "deixar-se para segundo plano esse tipo de preocupações, porque na maior parte dos casos, os sistemas serão para ser usados por pessoas que não têm qualquer tipo de dificuldades de acessibilidade, portanto eu diria que, imaginemos, em se calhar 90 ou 95% dos casos é para ser usado por pessoas que não têm esse

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tipo de problemas. Logo, acaba-se por de certa forma menosprezar a outra percentagem, que também poderia usar. " (entrevista 9).

Assumindo que as percentagens podem ter um fundo de verdade, dada a generalização e a falta de especificação desse tipo de problemas, vale a pena levantar as questões: Será que se o software fosse acessível a percentagem de utilizadores de 10%, ou 5%, não subiria? Não seria interessante ter o proveito dessa percentagem de pessoas como potenciais utilizadores? O autor relembra o espanto de inúmeras pessoas que, ao longo da sua vida – da vida do autor –, mostraram espanto ao vê-lo a executar tarefas banais ao computador – apenas possíveis devido à acessibilidade digital –, espanto ao saber das conquistas em propriedade industrial – patente e modelo de utilidade, também possível graças a acessibilidade digital das suas ferramentas de trabalho e, sobretudo, devido às capacidades dos smartphones modernos que os tornam uma ótima tecnologia de assistência, ajudando a resolver algumas questões da vida diária, etc. Coisas que para o autor representam algo de importante, mas nunca justificariam o espanto demonstrado por algumas pessoas. E relembra, para com isto fazer emergir a ideia de que muitas coisas que nos parecem impossíveis, extraordinárias, fantásticas, incríveis, e sujeitas a outra adjetivação do género, muitas vezes não o são. E, para perceber que não, bastaria apenas conversar e/ou observar a pessoa certa. A título de exemplo, o autor lembra que no final de uma entrevista a um gestor de projeto de uma multinacional, o entrevistado se lembrou que tinham um cliente incrível, que não tinha braços, dava banho ao filho e tudo, usava o computador com os pés, e apesar de não terem cuidado nenhum com a acessibilidade do software, o cliente continuava a usá- lo. Será que o cliente é assim tão incrível? Sem querer colocar em causa o mérito do cliente, é importante ter presente que é muito difícil, para qualquer pessoa, imaginar situações que saem fora dos seus padrões habituais.

Foram vários os entrevistados que referiram que os intervenientes – e.g. quem desenvolve o software; quem encomenda o software – não estão sensíveis ao tema, para além de não terem o conhecimento necessário para o implementar. Um entrevistado disse que quem convive mais com os problemas tende a lembrar-se mais das limitações que existem, e que quem está mais afastado, mesmo que tenha tido formação, pode ir trabalhar para uma empresa onde este assunto não esteja na agenda, e como não há menção ao tópico, o assunto

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acaba por esmorecer (entrevista 2). Alguns entrevistados mencionaram que não se está alerta nem consciente para essa necessidade, e um entrevistado mencionou a falta de incentivo financeiro (entrevista 14). Uma das entrevistadas afirma que não há noção do número de pessoas afetadas, e que essas pessoas não estão “nos lugares certos para fazerem a influência certa”, e concluiu o pensamento dizendo que “Portanto, há falta de awareness, nos lugares certos para fazerem a influência certa. Portanto, há falta de awareness, digamos assim para essa área." (Entrevista 16). Uma professora de informática do ensino secundário afirmou que é “um problema geral na sociedade, que o que não lhe toca, não sente” (entrevista 23). Será que “não lhe toca” mesmo? O autor acha importante referir que, neste ponto, os números demográficos referentes ao envelhecimento da sociedade, por exemplo, portuguesa, indicam o contrário, e aludindo a citação anterior, que afirma que as pessoas afetadas não estão “nos lugares certos para fazerem a influência certa”, o autor gostaria de levantar a questão, para que quem lê tenha oportunidade de refletir, de quantas pessoas com incapacidade, seja ela qual for, estarão numa posição que lhe permita “fazer a diferença”. Mais, avancemos na abstração e tentemos trazer à mente casos de pessoas que estavam numa dessas posições – onde é possível fazer a diferença, pessoas sem incapacidade, reforçando, sem incapacidade– , e que por um “azar” da vida – e azar não está entre aspas despropositadamente –, deixou de o estar. Avance-se ainda mais fundo na abstração, e pense-se agora em alguém que esteve numa dessas posições, teve um “azar”, recuperou e voltou para a tal posição onde se pode “fazer a diferença”. Dessas, quantas é que efetivamente acabaram por exercer a sua influência nesse sentido – ou seja, fazer avançar a acessibilidade? O autor lembra a história real de um familiar próximo que na sua casa, repleta de barreiras arquitetónicas, construída por si em quanto jovem, deu um “mau jeito” às costas enquanto cuidava do jardim e ficou praticamente impedido de se locomover. De idade já avançada, fez algumas sessões de fisioterapia, recuperou a locomoção e, não por falta de aviso, manteve as barreiras arquitetónicas na sua casa, mesmo tendo meios para as mitigar. Outro entrevistado afirmou que não “somos confrontados tantas vezes quanto seria o desejável para termos essa preocupação.” (entrevista 27). Aqui o autor gostaria de acrescentar, que, possivelmente, o problema está na divisão entre “nós” e “eles” (Savage, 2013) – nós, os sem deficiência e eles, os com deficiência –, e o “regresso à média” do pensamento de quem recuperou a sua saúde, mesmo se parcialmente.

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Em suma, a falta de sensibilidade existe e é um problema reconhecido. Adquirir o mencionado awareness, leva esta análise à Formação, outro assunto abundantemente mencionado pelos entrevistados.