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Como já relatado no capítulo anterior, o conto narra parte da vida de Teleco, um coelho metamórfico que passa a viver na casa do narrador da estória, com quem passa por bons e maus momentos, até seu trágico fim. Nosso intuito, no momento, é o de compilar algumas análises referentes ao conto para, a partir delas, traçarmos uma definição alegórica da personagem Teleco em relação com o enredo insólito da narrativa.

Maísa Duarte Nascimento, na monografia A representação do fantástico em

dois contos de Murilo Rubião: Bárbara e Teleco, o coelhinho, faz uma análise do

conto em questão a partir da biografia do autor – se utilizando de trechos de uma entrevista concedida por Rubião, na qual ele afirma ter escrito o conto de Teleco quando estava morando na Europa, distante e sentindo-se solitário:

Podemos perceber uma grande e constante mudança do personagem Teleco o coelhinho, uma solidão que próprio autor demonstra ter, e nos instiga comparar Teleco com a própria tristeza que o autor sentia (...) Murilo Rubião mostra a incapacidade de se sentir feliz e bem acomodado em outro país. Porém a tristeza era algo que estava presente no próprio interior. (NASCIMENTO, 2012, p. 24)

Conectando vida e obra, a autora traça uma característica em comum entre Rubião e Teleco, a tristeza. Para ela, Teleco reproduz, em forma de personagem fantástica, a tristeza do homem insolado, distante do que é seu.

Nascimento também se utiliza de conceitos da pós-modernidade para verificar características do homem contemporâneo solitário na personagem do coelhinho metamórfico.

Uma característica forte da literatura fantástica é a ação da personagem se metamorfosear, o que está presente em várias vezes no conto da citação acima. Teleco com a intenção de agradar e se defender ao mesmo tempo, se transforma em outro animal, quando ele percebe que o moço vai bradar com ele (...)

Murilo Rubião coloca em dúvida a personalidade do personagem, a identidade do sujeito fica a mercê do que é imposto, não demonstra o que ele realmente é. Características que são vistas e faladas no período pós- modernidade são comentadas no livro de Stuart Hall (2005). A identidade cultural da pós-modernidade possui a presença da realidade que a literatura contemporânea traz consigo. (NASCIMENTO, 2012, p. 26)

Nota-se que a autora ata a capacidade metamórfica do coelho à busca por agradar às pessoas ao seu redor, o que é impressão do próprio personagem- narrador: “Depois de uma convivência maior, descobri que a mania de metamorfosear-se em outros bichos era nele simples desejo de agradar ao próximo” (RUBIÃO, 2010, 53). Eis que nos diz Nascimento que “o ser humano está sendo representado pelo personagem de Rubião. Teleco é a imagem de um homem que tenta viver em um mundo onde as pessoas e o próprio local são conturbados” (NASCIMENTO, 2012, p.26) e reforça essa ideia ao fim de sua análise: “O autor faz uma crítica aos costumes da era moderna, mostrando que a Literatura Fantástica contemporânea é muito mais que um divertimento, mas que ela é capaz de nos fazer refletir ações no papel de cidadão, induzindo a preocuparmos com o nosso próprio ‘eu’”. (2012, p. 30)

Já no resumo da análise de Giovana C. Pomin e Antônio D. Pires, O universo

circular do conto fantástico “Teleco, o coelhinho”, a narrativa é comparada ao mito

de Proteu, um deus marinho metamórfico: “Teleco é a recriação do mito de Proteu e, como ele, realiza uma trajetória cíclica” (Pomin e Pires, 2007, p. 1). Para tanto, os autores comentam o mito, que, por sua vez, representa o ciclo eterno.

Proteu era um deus marinho que não gostava de fazer profecias e que, para fugir de quem tentasse abordá-lo, se transformava em vários animais. No conto, Teleco surge em uma praia como se fosse Proteu saindo do mar (nascimento), passa por diversas metamorfoses em animais, até se tornar um “quase homem” (crescimento), entra em crise e acaba perdendo o controle sobre seu dom (definhamento) e, por fim, torna-se uma criança morta (morte / fim / renascimento). É que o fato de ele morrer durante a noite, quando a escuridão do céu traz a lembrança do mar noturno, e enquanto o narrador o segurava nos braços (como era necessário fazer com Proteu para que ele fornecesse informações), aponta para o retorno do deus ao mar/noite, fechando-se o ciclo. (Pomin e Pires, 2007, p. 1)

Ao comentar a circunferência da prosa muriliana, Pomin e Pires nos remontam Jorge Schwarz e sua Poética do Uroboro, pesquisa acima já comentada e que também analisa os contos do autor mineiro como cíclicos.

A breve passagem pelas duas pesquisas é de extrema importância para mostrar como o mesmo conto é analisado, possibilitando-nos ver as diferenças e similaridades da análise, em comunhão, é claro, à nossa própria. Enquanto a primeira pesquisa foca na interpretação da personagem Teleco no enredo, a segunda traça um paralelo entre a prosa muriliana e a narrativa mítica. Apesar de tratarem o conto, em suas análises, de forma diferente e através de bases teóricas e

prismas diferentes, as autoras nos dão subsídio para nossa análise. Nascimento comenta a solidão, o despertencimento e o desequilíbrio do homem, chegando a dizer que Teleco seria uma representação deste. Já Pomin e Pires levam a prosa ao mito – se recorrermos ao dicionário Houaiss, “relato fantástico protagonizado por seres de caráter divino ou heroico que encarnam as forças da natureza ou os aspectos gerais da condição humana” (2011, p. 525). Ou seja, as duas pesquisas levam ao alegórico: uma pela análise da narrativa em si e a outra por sua comparação com um tipo narrativo que “encarna [...] os aspectos gerais da condição humana”.

Há, no entanto, um aspecto importante não enfatizado pelas autoras: o insólito. Isso se dá logo na terminologia por elas adotada: fantástico. Como discorrido anteriormente, Rubião excede as características do gênero fantástico, sendo mais abrangente, um insólito banal, fato que compõe a atmosfera alegórica da narrativa.

Como comentado anteriormente, Jorge Schwarz define a prosa de Rubião em

texto cristão, social e existencial. Para Schwarz

O simbolismo da linguagem fantástica em Murilo Rubião desvenda-se ao leitor como um sistema poroso que filtra constantemente os elementos sociais do texto. São raros os momentos na obra do Autor em que o elemento insólito, ou mesmo o sobrenatural, não se converte em trampolim metafórico de uma crítica social. O fantástico como transfiguração lúdica da realidade é escasso nos contos (...) o elemento social é veiculado pela imagética fantástica, mimese inverossímil do universo. (...) a poeticidade do fantástico em Murilo Rubião não se limita apenas à existência linguística do inverossímil, mas reside na densidade do signo, pela possibilidade múltipla de descodificação. Os três subtextos amalgamados, o cristão, o social e o existencial, urdem a trama consistente de uma narrativa que se universaliza na possibilidade de estabelecer homologias com o contexto, em última instância, com o homem. (1981, p. 77 e 82)

O excerto é, na verdade, uma junção do que diz Schwarz a respeito dos textos social e existencial, uma vez que, em nossa análise, ambos surgem. No entanto, o que nos interessa no momento é mostrar que, a partir do momento que Schwarz define os três subtextos, e ao assumir os fatos insólitos das narrativas murilianas como “trampolim metafórico”, o pesquisador concorda que, atráves dos elementos insólitos, Rubião fala do sólito, do real, e isso se dá, justamente, pelo cunho alegórico de sua prosa insólita. Schwarz cita Candido, num comentário justamente sobre a inserção do real no ficcional através da exacerbação da ficção: “...o externo se torna interno e a crítica deixa de ser sociológica para ser apenas

crítica” (CANDIDO apud SCHWARZ, 1980, p. 82). Eis, pois, a crítica em Rubião através da alegoria, como há de ocorrer em Teleco, o coelhinho.

O conto tem como epígrafe um trecho dos Provérbios:

Três coisas me são difíceis de entender, e uma quarta eu a ignoro completamente: o caminho da águia no ar, o caminho da cobra sobre a pedra, o caminho da nau no meio do mar, e o caminho do homem na sua mocidade. (Provérbios, XXX, 18 e 19 apud RUBIÃO, 2010, p. 52)

Como sabemos, todos os contos de Rubião apresentam uma epígrafe bíblica. Todos os trechos, inclusive o que acima foi mostrado, têm uma poeticidade representativa da parábola. O fato de Rubião se utilizar da poética sacra para iniciar o leitor em seus textos já enfatiza a preocupação alegórica do autor, uma vez que, como propõe Benjamin, a alegoria tem como uma de suas características a “descontextualização”, em outras palavras, ela se apropria de um objeto (no caso, um trecho bíblico) para coloca-lo em outro ambiente, com uma significação outra. Como aponta Lauro Junkes, ao citar o filósofo:

O alegorista, mudando as coisas, do significado original em novo significante, aponta as condições especificas sob as quais as coisas serão capazes de adquirir novo significado no mundo histórico. Segundo Benjamin (1984, p.198), "na esfera da intenção alegórica, a imagem é fragmento, ruína. Sua beleza simbólica se evapora, quando tocada pelo clarão do saber divino. O falso brilho da totalidade se extingue". Enfim, é a alegoria que liberta a coisa do seu aprisionamento num contexto funcional, no qual não tem sentido próprio, mas somente como parte de um todo, como elemento do contexto. Arrancando as coisas do seu contexto e colocando- as em novos e diversos contextos, o alegorista, corn sua descontextualização e recontextualizações arbitrárias, indica que o sentido atribuído à coisa do contexto especifico não é o original e inato, mas um sentido arbitrário. (1994, p. 130)

O trecho dos provérbios perde, pois, seu aprisionamento religioso, passando, através da prosa de Rubião, a se incluir em um novo plano: o literário insólito- alegórico.

Ao ler a epígrafe, o leitor adquire a mensagem referente à dúvida, pelo que se diz “me são difíceis de entender”, e, ainda mais, à ignorância, “e uma quarta eu a ignoro completamente (...) o caminho do homem em sua mocidade”. A epígrafe tem papel de contextualizar o leitor no texto, como diz Schwarz (1980, p. 80), existencial, uma vez que esse trata do indivíduo e sua inconstância. A corroborar, já iniciada a narrativa, Teleco, quando é convidado pelo narrador-personagem para ir morar com ele, revela-se também inconstante, desequilibrado:

Não esperou pela resposta:

- Se gosta, pode procurar outro, porque a versatilidade é o meu fraco. Dizendo isso, transformou-se numa girafa.

- À noite – prosseguiu – serei cobra ou pombo. Não lhe importará a companhia de alguém tão instável?

Respondi-lhe que não e fomos morar juntos. (RUBIÃO, 2010, p. 53)

É, inclusive, esse o momento em que Teleco revela-se não somente um animal falante, como também metamórfico. O insólito apresenta-se aí como qualidade do excerto: a metamorfose de Teleco em girafa. No entanto, tem ele também papel alegórico já explicitado. Quando da fala do bicho “à noite serei cobra ou pombo. Não lhe importará a companhia de alguém tão instável?” (2010, p. 53) fica evidente o deslize do recurso insólito da metamorfose para tratar da personalidade de Teleco. Isso fica ainda mais notável na sequência da estória, quando narrador e Teleco já moram juntos, e o coelhinho tem suas atitudes analisadas pelo amigo:

Depois de uma convivência maior, descobri que a mania de metamorfosear- se em outros bichos era nele simples desejo de agradar ao próximo. Gostava de ser gentil com crianças e velhos (...) não simpatizava com alguns vizinhos, entre eles o agiota e suas irmãs, aos quais costumava aparecer sob a pele de leão ou tigre. (2010. p. 53)

No trecho, acima já citado quando buscávamos o insólito, Teleco é visto como um ser benevolente e simpático, ao passo que também moral – por não gostar do agiota (profissão considerada obscura ou de má índole). O insólito, como se vê, continua presente pelas metamorfoses, porém agora banalizado, ao passo que essas ocorrem em meio à comunidade. Outra vez, então, o dom insólito de Teleco é demonstrado como uma característica emocional, no plano individual, e de aceitação, no plano social: ele utiliza as metamorfoses para agradar a seus dessemelhantes.

O animal, no entanto, demonstra que, apesar de bem quisto e adorável, não estava satisfeito com sua situação. Ao realizar benfeitorias e alegrar a terceiros, Teleco diminuía seus anseios individuais, e então decide se transformar em um canguru. O ex-coelho opta pela forma de canguru para ficar parecido com um homem e, ambicioso, ele próprio não se via como canguru, mas sim como homem, de nome respeitável e atitudes similares às de um: Antônio Barbosa, trajado com “roupas mal talhadas” e “uns óculos de metal ordinário”, namorado da bela Tereza. “De hoje em diante serei apenas homem” (RUBIÃO, 2010, p. 55).

Barbosa é a nova faceta de Teleco. Conforme se acreditava homem, o metamórfico começa a agir de maneira diferente, muito distante do afável coelho:

Barbosa tinha hábitos horríveis. Amiúde cuspia no chão e raramente tomava banho, não obstante a extrema vaidade que o impelia a ficar horas diante do espelho (...) também a sua figura tosca me repugnava. A pele era gordurosa, os membros curtos, a alma dissimulada. (2010, p. 56).

Vemos, pois, a metamorfose interna da personagem. Antes tido como bom e querido por todos, agora Teleco, ou Antônio Barbosa, sucumbira demasiadamente ao humano: dissimulado, asqueroso. A adequação ao meio que tanto admirava teve como consequência a perda da inocência de coelhinho, animal popularmente tido como gracioso, agora transformado em um malfazejo canguru.

Como sabemos, Teleco vai embora da casa do amigo para, mais tarde, retornar em forma de cachorro para, depois, começar a se metamorfosear em diversos animais até estacionar na figura de um carneiro. Nesse momento é importante lembrarmos que Souki propõe a utilização dos símbolos como elementos para a manifestação da alegoria (2006, p. 102), ou seja, os símbolos, recontextualizados, podem fazer parte de um todo representativo. Ao analisarmos a volta de Teleco em forma de cão, logo chegamos à simbologia popular do animal: companheiro, leal e fiel. Ora, Teleco, arruinado, retorna ao local onde, sem saber, fora feliz. Para tanto, apresenta-se como cão, a fim de demonstrar-se submisso e, outra vez, amigo. Quanto a sua penúltima metamorfose, o carneiro, este representa a pureza ao passo que também é, segundo o dicionário de língua Portuguesa Porto Editora:

Símbolo do masculino, do fogo e da força animal, criadora e destruidora do Homem e do mundo, o carneiro é uma representação cósmica da vida nas suas manifestações positiva e negativa, já que tanto pode ser organizador ou caótico, generoso ou obcecado, num impulso primário de vida. (2015)

O carneiro é, então, o caos em Teleco, a representação da dialética de suas emoções.

Por fim, Teleco é criança, “encardida, sem dentes. Morta.” (2010, p. 59). A criança, suja e desdentada, é a inocência corrompida. É o fim de Teleco, ao voltar, com cicatrizes, à sua nobre e pura essência.

A metamorfose, enquanto figura literária, data, no Ocidente, do século I a.C, na obra Metamorfoses, de Ovídio. Nela, alguns mitos narram as mutações de homens que buscavam por algum ideal ou desejo. No artigo Metamorfose e

Metamorfose, Elaine Cristina Prado dos Santos e Maria Luiza Guarnieri Atik

analisam a obra de Ovídio em comparação com a obra homônima do poeta Paulo Leminski. Na introdução, ao discorrer sobre o tópico principal, as autoras definem que

pode-se chegar à conclusão de que este é o significado mais profundo da origem da metamorfose: engendrar o outro sem deixar de ser o mesmo, garantindo a perpetuidade das espécies. Consequentemente, pode se pensar na natureza dividida do homem, em sua semelhança com o animal, besta-humana, besta-fera que se projeta em determinadas situações. (2011, p. 33)

No campo da biologia, a metamorfose é a mudança de hábitos ou habitats. Teleco realiza ambos durante sua saga, assim como também corrobora com a definição de Santos e Atik.

Walter Benjamin, em seu trabalho sobre a alegoria, busca comprovar que a alegoria não deve ser tratada como simples “ilustração de uma ideia”, (MURICY, 2009, p. 170), como propunham os classicistas, mas sim como a “expressão de um conceito” (2009, p. 171), assim capaz de inserir-se na arte, pois “compreender a alegoria como expressão não cindiria – como seria o caso na sua compreensão como ilustração – o sensível e o supra-sensível.” (MURICY, 2009, p. 176).

Retomemos uma das mais conhecidas alegorias do ocidente: a alegoria da caverna, de Platão. Ela, contida no livro VII d’A República, é contada pela personagem de Sócrates a Glauco:

Sócrates: Agora imagine a nossa natureza, segundo o grau de educação que ela recebeu ou não, de acordo com o quadro que vou fazer. Imagine, pois, homens que vivem em uma morada subterrânea em forma de caverna. A entrada se abre para a luz em toda a largura da fachada. Os homens estão no interior desde a infância, acorrentados pelas pernas e pelo pescoço, de modo que não podem mudar de lugar nem voltar a cabeça para ver algo que não esteja diante deles. A luz lhes vem de um fogo que queima por trás deles, ao longe, no alto. Entre os prisioneiros e o fogo, há um caminho que sobe. Imagine que esse caminho é cortado por um pequeno muro, semelhante ao tapume que os exibidores de marionetes dispõem entre eles e o público, acima do qual manobram as marionetes e apresentam o espetáculo (...)

Sócrates: Eles são semelhantes a nós. Primeiro, você pensa que, na situação deles, eles tenham visto algo mais do que as sombras de si mesmos e dos vizinhos que o fogo projeta na parede da caverna à sua frente? (PLATÃO, 2009, p. 210)

Nesse primeiro momento, a personagem Sócrates narra a história dos homens aprisionados na caverna. Acontece que, durante a narrativa, não há

interesse formal ou literário, apesar de haver elementos narrativos. Ao fim da estória, Sócrates explica sua representação, logo, sua alegoria:

- Meu caro Glauco, este quadro – continuei – deve agora aplicar-se a tudo quanto dissemos anteriormente, comparando o mundo visível através dos olhos à caverna da prisão, e a luz da fogueira que lá existia à força do Sol. Quanto à subida ao mundo superior e à visão do que lá se encontra, se a tomares como a ascensão da alma ao mundo inteligível, não iludirás a minha expectativa, já que é teu desejo conhece-la. (PLATÃO, 2009 p. 212)

Vemos que no caso dessa alegoria não há um cuidado literário, a estória o é de fato ilustração de um conceito. No entanto, Teleco, o coelhinho, apresenta-se de maneira diferente justamente por conter o grotesco, o estranho e o insólito banalizado em sua poética. Por isso afirmarmos que o insólito é fator literário- estimulante da alegoria: através dele ela se expressa da forma como pensou Benjamin, como expressão artística de um conceito. Assim sendo, no conto Teleco,

o coelhinho, as metamorfoses são a alegoria do homem em busca da

perfectibilidade.

O coelho (indivíduo) tentava se enquadrar socialmente (sólito) e, para isso, se utilizava das metamorfoses (insólito). Primeiro, tentou agradar às pessoas, a quem admirava e almejava igualdade. Depois, buscou transformar-se literalmente em homem, falhando em sua tentativa. Rousseau, na obra Discurso sobre a origem e os

fundamentos da desigualdade entre os homens, assume três características para o

homem, como resume Robinson dos Santos em Considerações sobre a

perfectibilidade humana em Rousseau e Kant:

a) o homem como animal mas, ao mesmo tempo como algo mais do que meramente isso, ou seja um ser em que certamente a natureza também opera mas que é dotado de liberdade; b) o homem como ser que age

livremente, isto é, consciente de sua liberdade (isto é notadamente diferente

do que ser apenas dotado com esta faculdade, ou seja, signiica também fazer uso da mesma) e c) o homem como ser (com base nas duas características anteriores) capaz de aperfeiçoar-se. (2013, p. 46)

Ao discorrer a respeito da corrupção do homem ao conviver em sociedade, Rousseau aponta para a perfectibilidade: a ânsia do homem por um aperfeiçoamento ainda maior, idealizado, que, por demasiado ambicioso, acaba por desestabiliza-lo socialmente. Não nos cabe aqui aprofundarmo-nos na teoria filosófica, mas sim evidenciarmo-la na alegoria do conto de Murilo Rubião. Teleco é, então, alegoria da perfectibilidade ao ponto que também é “imagética fantástica” (SCHWARZ, 1981), ou seja, uma personagem insólita com carga alegórica, em uma

longa busca por aceitação, encontrada, quem sabe, na morte: sua desconexão social.

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