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DEFICIÊNCIA MENTAL

FRAGMENTO 2: Temática: Trabalho

O grupo está discutindo sobre a vida adulta dos deficientes e suas possibilida- des de trabalho e independência.

...

72. Marta: ... então, tinha as caixas, as caixas vem tudo as marcas, né, então ele pe- ga aqui, dobra por aqui, dobra outro, é pra colocar na caixa, e eles vão colocando aqueles... e rápido, né?

73. Cleonice: Super rápido. O Tiago comentou uma vez, tem na 3M, teve três meni- nos da APAE que foram trabalhar na 3M, tinham SD, eles trabalhavam no controle de qualidade, a pessoa, o encarregado falou que nunca viu pessoas tão eficientes no controle de qualidade que nem esses dois, esses dois ou três que foram pra lá. Uma coisinha, não passava uma esponjinha com negocinho a mais, eles breca- vam, era uma perfeição e aí a fábrica inteira, quer dizer, escritório, todo mundo conhecia os três, né? Eles iam almoçar, iam e então conhecia o caminho de todo mundo, então eles mudaram pra um outro lugar, foram trabalhar num outro lugar para terem várias experiências, né? Mas, a época que eles ficaram na 3M foi as- sim, fantástica, a experiência deles.

74. Elena: E a rapidez, né, nossa!

75. Cleonice: Porque quando eles fazem, fazem tudo perfeito, né? 76. Elena: Mas eu achei interessante aquele rapaz que trabalha aqui... 77. Cleonice: Que os pais são velhos?

78. Elena: Isso, os pais são velhos, o pai tem até cabeça bem branquinha. 79. Marina (prof.): Esse é da APAE?

80. Cleonice: Esse não é da APAE.

81. Elena: Mas esse trabalha na prefeitura limpando jardim, né, limpando jardins e ele...

82. Cleonice: E ele vai sozinho, pega o ônibus, ele vai, ele trabalha, ele volta pra ca- sa, ele ajuda no orçamento familiar...

falas ininteligíveis

83. Cleonice: ... acho que estavam até, não sei, a impressão que eu tive é que o se- nhor era até aposentado, acho... −Ah! Ele está até ajudando bastante no orçamen- to nosso.

84. Elena: E ele queria falar que o dinheiro que ele ganhava era pra ajudar nos gastos da família, né?

85. Cleonice: E agora os pais estavam, estavam tranqüilos porque a situação deles era, como é que vai fazer se eles, se a gente faltasse, né, que que esse coitadinho vai fazer, entendeu?...

87. Cleonice: ...é, ai, meu pai, mas tudo bem, aí agora ficou tranqüilo porque ele sabe que o rapaz tem condição de sobreviver, né?, sozinho...

88. Ana Maria: Coitadinho é dos pais, né, não é nem deles...

89. Cleonice: Ah, ele, acho que com a idade que ele está... realmente, ele não ia... sabe, não falou o coitadinho por maldade, ele falou porque...

90. Samanta: Não...

91. Cleonice: ... é uma coisa ingênua da parte dele...

92. Ana Maria: Você vê que agora coitadinho é os pais, né, acabou a ... nem os pais sobrou coitadinho assim...

falas ininteligíveis

93. Léa (prof.): Outro dia, a Carmem estava contando que tem um rapaz, né, que está trabalhando no Carrefour e ...

94. Samanta: Eu vi.

95. Léa (prof.): Você viu? Diz que ele está pesando frango. 96. Samanta: Eu vi.

97. Léa (prof.): Você viu? A Carmem diz que comprou até frango. 98. Samanta: Ai, foi tão engraçado, a Maria...

falas ininteligíveis

99. Léa (prof.): ...falei: − Ai, meu Deus, eu não ia comprar frango, mas daí eu vi o mo- ço lá... (risos) (repetindo a fala da amiga)

100. Samanta: Ele faz direitinho...

falas ininteligíveis

...

102. Samanta: Eu pensei até que não tivesse, também achei que fosse, não fosse, sabe quando é assim ... tinha SD...

...

Neste fragmento, os interlocutores discutem sobre trabalhos realizados por a- dultos deficientes mentais, bem como sobre a competência desses indivíduos na exe- cução das tarefas e a remuneração que pode possibilitar independência, aliada à segu- rança.

Embora o sentido que esteja sendo construído seja o da possibilidade de traba- lho para as pessoas com SD, a expectativa das mães em relação ao fato é conflitante, tendo em vista que, ao mesmo tempo em que exaltam o que eles fazem, deixam trans- parecer uma baixa expectativa, já que supervalorizam pequenas realizações como se fosse um grande feito, caracterizando a polissemia descrita por Bakhtin (1995), como pode ser observado nos seguintes exemplos: “ ... o encarregado nunca viu pessoas tão eficientes no controle de qualidade ... não passava uma esponjinha com um negocinho a mais...”; “Por que quando eles fazem, fazem perfeito, né?”; “Ele faz direitinho”; “E ele

vai sozinho, pega o ônibus, ele vai, ele trabalha, ele volta pra casa, ele ajuda no orça- mento familiar“. Além disso, surpreendem-se ao verem uma pessoa com SD trabalhan- do: “... eu pensei até que não tivesse, também achei que fosse... não fosse, sabe quando é assim...”, como se não fosse possível uma pessoa com SD estar trabalhando. Desse modo, podemos verificar que, ao mesmo tempo em que o fio condutor na cons- trução do sentido é o do “desejo” em relação ao trabalho para os indivíduos deficientes, há uma baixa expectativa quando exaltam ações extremamente simples, que eles seri- am plenamente capazes de realizar, como verificamos no seguinte relato: “Eles iam al- moçar e conheciam o caminho de todo mundo...”.

Assim, a concepção da deficiência que fica explicitada parece ser a da pouca competência desses indivíduos, revelada principalmente por Samanta no turno 102, quando mostra dúvidas sobre a possibilidade de um adulto com SD estar trabalhando autonomamente, por exemplo: “pesando frango”. Esta concepção foi provavelmente construída a partir dos estereótipos existentes na sociedade com respeito à pessoa com deficiência mental e também pelo fato de ser pouco comum encontrarmos esses indiví- duos trabalhando, principalmente em locais públicos. Tais estereótipos podem se reve- lar de vários modos, como por exemplo, no relato de Léa sobre a fala de uma amiga. A pessoa que a profissional faz referência precisou comprovar a eficiência (ou não) do adulto com SD, ao ir “comprar frango” sem ter essa necessidade: “− Ai, meu Deus, eu não ia comprar frango, mas daí eu vi o moço lá...”. Historicamente, indivíduos deficien- tes mentais não têm tido oportunidades de trabalhos e isto possivelmente contribui para a construção dos estereótipos sociais revelados nos relatos dos interlocutores presen- tes nesta reunião.

Dos turnos 85 a 92, verificamos uma situação de conflito entre duas mães. O conflito foi provocado pelo uso da palavra “coitadinho” por uma delas em relação a um adulto deficiente. É importante notarmos que, apesar dessas mulheres terem ambas filhos com SD, a expectativa sobre a competência desses indivíduos é diferente, prova- velmente por suas histórias de vida e por suas concepções. Cleonice parece revelar em sua fala que concorda com a imagem que o pai do adulto deficiente tem quando repete a palavra dita por ele: “coitadinho”, tentando inclusive justificar esse uso, como obser-

vamos em: “Ah, ele, acho que com a idade que ele está... realmente, ele não ia... sabe, não falou o coitadinho por maldade, ele falou porque... é uma coisa ingênua da parte dele...”. Já Ana Maria, pela indignação diante da palavra para referir-se ao adulto com deficiência mental, parece ter uma expectativa mais alta em relação às possibilidades desses indivíduos, já que se mostra indignada quando um deficiente mental adulto é chamado de “coitadinho”. Esta palavra desestabiliza emocionalmente a mãe, provavel- mente pelo cunho pejorativo que carrega.

Sintetizando, são principalmente Elena e Cleonice que conduzem a temática neste trecho da reunião revelando baixa expectativa em relação à competência do indi- víduo deficiente na execução de tarefas para o trabalho, o que transparece ao exalta- rem a perfeição na realização de tarefas muito simples. Parece haver entre algumas mães certa tendência em supervalorizar pequenas realizações, como uma forma de minimizar a deficiência. Tal tendência não foi um sentido discutido, enfatizado ou colo- cado às claras no grupo, nem pelas outras mães e nem pelas profissionais. Todavia, este seria um aspecto que mereceria ser abordado no grupo e encarado pelos intrerlo- cutores. A concepção presente é que fazer pequenas coisas já seria um grande feito quando se trata de pessoas deficientes.

FRAGMENTO 3:

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