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8 VIVENCIANDO O CONTEXTO ESCOLAR DE UMA ESCOLA DA REDE

8.1 O VIVIDO NO CONTEXTO ESCOLAR

8.1.2 TEMA: A sala de aula e suas vivências

Neste item procuramos abordar o vivido na sala de aula através das observações realizadas neste espaço. Tivemos como intenção perceber como se dava a aprendizagem do aluno Heitor na sala de aula regular e o acompanhamento realizado pela professora bidocente, assim como os movimentos do aluno neste espaço e as relações que se estabeleciam.

Escolhemos iniciar a observação na sala de aula assistindo à aula de português. Antes de entrar na sala de aula, aguardamos no corredor a professora e solicitamos a sua autorização para assistir à aula, explicando nossa pesquisa.

Entendemos ser o professor o responsável pela sala durante a sua aula, portanto nesse primeiro contato tentamos estabelecer uma abordagem que estabeleça confiança, tentando deixar claro, por meio de nossa solicitação que respeitamos o seu espaço e sua autoridade. Fizemos essa solicitação a todos os professores antes de entrarmos na sala de aula.

Nesta aula, a matéria estudada foi acentuação. A professora estava fazendo uma revisão utilizando uma atividade. A professora sempre vem até o aluno Heitor. A bidocente estava ao lado do aluno ajudando-o a se concentrar na atividade. Ele

começou a atividade e acertou a acentuação das palavras. Apresentou alguma dificuldade para se concentrar, mas foi se envolvendo aos poucos.

A professora escreveu algumas palavras no quadro para serem classificadas. Ele se levantou e foi até o quadro ler as palavras de perto.

Neste momento a professora bidocente sinaliza:

Agora ele vai fazer a leitura dele, ele sempre vai até o quadro ler as palavras de perto.

A professora de português perguntou para ele qual a classificação da palavra “rodapé”. Ele respondeu: “R O D A P É, é oxítona!” ele acertou e saiu andando, a professora chamou-o para que ficasse perto dela na frente do quadro.

A professora explicou para a turma e Heitor ficou em pé ao lado dela prestando atenção. Ela o chama sempre para participar. Em vários momentos veio até a mesa do aluno acompanhá-lo. A professora regente se coloca como professora do aluno, se aproxima, chama seu nome para que participe, estimula-o a ir até a frente do quadro na hora da explicação.

Ele tem facilidade na disciplina de português e sempre participa da aula. Tem necessidade de sair em alguns momentos da sala, o barulho o irrita, fica agitado às vezes e precisa dar uma volta no pátio. Nesses momentos a presença da bidocente é essencial, pois ele se distrai facilmente e não volta para a sala.

Observamos uma aula de história. A professora trabalhou com o mapa da Grécia Antiga, pendurou no quadro e começou a falar sobre a cultura do país. Heitor estava disperso, estava com sono. Acabou cochilando na mesa. Não participou da aula.

Ele sabe a matéria, mas quando o assunto é muito simples ele não participa, ele sabe, mas não se envolve. Ele não gosta do “feijão com arroz”. Ele gosta muito de mapas, ele viaja (PROFESSORA DE HISTÓRIA).

A professora não se aproximou da mesa de Heitor. Segundo a bidocente ele sempre interage com a matéria, mas nesse dia não se interessou e também não recebeu nenhum estímulo da professora para participar.

Observa-se por um lado, que ela tem uma postura firme com o aluno, mas por outro lado em alguns momentos tem dificuldade em lidar com Heitor, principalmente quando ele começa a se agitar, ela prefere que ele saia da sala ao invés de tentar alternativas para manter a atenção do aluno na matéria.

Existem tensões, mas também surgem possibilidades da escola realizar um trabalho diferenciado com o aluno que potencialize o processo de aprendizagem, como ocorreu no dia em que a bidocente teve que sair para realizar um curso. Nesse dia a direção pediu para que o aluno não fosse para a aula. Essa situação incomodou a mãe do aluno que o trouxe mesmo sendo solicitado para não trazer a criança. Ela o trouxe e o deixou na sala de aula permanecendo do lado de fora. Era aula da disciplina de História e a professora tirou o aluno da sala sem saber que a mãe estava no pátio.

O excerto que se segue ilustra bem a complexidade dessa situação:

[...] ela olhou para mim e disse: “você esta aí mãe?”, “estou”, ela disse: “ah, porque eu vim trazer o Heitor porque ele não consegue ficar na sala pois estou dando uma atividade em grupo e ele não vai conseguir”, ei eu disse: “ele vai conseguir!”, ela me respondeu: “mãe, eu sei que ele não vai conseguir, eu não estou preparada para isso”, eu insisti: “ele vai conseguir!”, o Heitor que estava perto fala também: “eu vou conseguir, eu consigo!” [...] “ele vai para a sala, eu vou com ele”, eu fui e sentei lá e ele sentou numa boa e ficou quietinho.

[...] falei com ela que ele é capaz sim, se não tentar não vai conseguir. É claro que se alguma coisa distrai-lo ele vai precisar da intervenção de outra pessoa para ajudá-lo.

Ele nem sempre teve a bidocente na sala e ele sempre foi para a escola, então por que em um dia em que ela faz o curso ele não poderia ir? [...] (MÃE DO ALUNO).

A mãe ficou na sala com o aluno por algum tempo, depois que foi embora o aluno permaneceu na sala, ficou tranquilo. Ela reconhece que em outro dia o filho poderia

estar muito agitado e não aceitar ficar na sala, mas enfatiza a necessidade da escola deixá-lo na sala de aula mesmo sem a presença da professora bidocente.

[...] essa intervenção poderia ser da professora, porque quem manda na sala de aula é o professor, então “Heitor hoje a tia não vai estar aqui e você vai sentar e vai fazer, vai me escutar”, então é o professor que tem que impor a regra, [...] e ele vai colocar aquilo na cabeça, que precisa prestar atenção porque o professor esta falando... se ele tentar sair da sala é o professor que tem que mandar ele ficar [...] (MÃE DO ALUNO).

Em conversa com a diretora pudemos observar que ela não tinha conhecimento da experiência do aluno ter ficado na sala de aula sem a presença da bidocente. Ao ter conhecimento do acontecido ela se coloca da seguinte forma:

Nossa! Tá vendo, tudo é novo! Muito legal!. Então, estamos trabalhando justamente essa parte do processo, a independência. Então quando a mãe fala assim que temos que ter mais estratégia para dar mais autonomia para ele, num ponto ela conhece o processo, é necessário ele não estar tão dependente [...].

Ela continua:

Eu acho muito boa a iniciativa, que em algumas aulas ele fique sozinho na sala, a bidocente fique fora em alguns momentos [...]. Cada professor tem o seu papel, o aluno não é da bidocente, ele é da escola, é de todos.

Em relação a esse mesmo fato a professora de História nos relata em entrevista:

Ele fica na sala de aula sem a bidocente e fica melhor ainda, já ficou quando a bidocente teve reunião, inclusive chamei a mãe dele que permaneceu na sala um pouco e depois foi embora. E ele ficou na sala, na dele, não tentou sair da sala, não deu trabalho. Eu o coloquei em grupo com colegas para ele fazer as atividades.

À Educação Especial cabe a responsabilidade pela aprendizagem dos alunos com necessidades educacionais que frequentam as classes comuns, mas o que desejamos é que por outro lado os conhecimentos sobre esse campo, não fiquem somente sob a tutela de alguns profissionais, mas que sejam apropriados pelo conjunto dos educadores (PRIETO, 2003).

Effgen nos auxilia a entender a escolarização desses alunos.

Ao pensarmos a escolarização de alunos com deficiência, TGD e altas habilidades/superdotação, percebemos que a tarefa é complexa, demandando que todos os profissionais da escola estejam envolvidos: professores, pedagogos e diretor. Nessa direção, a gestão da escola é fundamental para pensar e implementar ações que contribuam para a escolarização desses alunos, desde ações administrativas, que envolvem gerenciamento de verbas, garantia de acessibilidade e outros, até o acompanhamento das ações pedagógicas que estão sendo desenvolvidas que possibilitem acesso ao conhecimento por parte de todos os alunos, sendo esse um direito a ser garantido. (2011b, p. 182).

A escola não pode depender da professora bidocente para que o processo de escolarização aconteça, o seu trabalho configura-se como um auxílio ao professor da sala de aula e não como condição ao direito do aluno estar ou não nesse espaço. A bidocente ao assumir o seu lugar enquanto mediadora nas situações que envolvem o aluno possibilita que ele conquiste autonomia e se conduza nesse processo.