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Tema Sexto: A Igreja pobre dos pobres

3.1 A ECLESIOLOGIA DO POVO DE DEUS NA EXORTAÇÃO EVANGEL

3.1.6 Tema Sexto: A Igreja pobre dos pobres

O grande sujeito e a grande inclusão que a Igreja latino-americana sempre defendeu e que resume em si muitas realidades distintas, é o pobre. Aqui está uma das principais contribuições da Teologia da Libertação e do CELAM à eclesiologia do povo de Deus, pois a Igreja também é casa dos pobres. Na América Latina, a

tentativa concreta de se viver como uma Igreja dos pobres encontrava na experiência das CEB’s a sua principal referência. Jorge Mario Bergoglio também cultivou e exerceu o seu ministério nas periferias de Buenos Aires178.

Os bispos do CELAM vieram do Concílio Vaticano II decididos a dar um especial testemunho de pobreza. “Desejamos que nossa habitação e estilo de vida sejam modestos; nossa indumentária, simples; nossas obras e instituições funcionais, sem aparato nem ostentação” (MEDELLÍN 14, 12). Os bispos desejavam renunciar aos títulos honoríficos, superar o sistema de espórtulas, confiar a administração dos bens diocesanos a leigos competentes. Inclusive, se incentivou, o que causou muitas polêmicas, a que os presbíteros que o desejassem, pudessem trabalhar e viver ao lado dos pobres.

Da experiência do amor misericordioso de Deus nasce a compaixão para com

o povo periférico. “Um clamor surdo brota de milhões de homens, pedindo a seus

pastores uma libertação que não lhes chega de nenhuma parte”(MEDELLÍN 14, 2).

A intenção da Evangelii Gaudium não é a de apenas alimentar a solidariedade para com os pobres, mas a da sua “inclusão social”, ou seja, torná-los sujeitos de sua história e da Igreja.

No número 187 da Evangelii Gaudium está aquele texto clássico que alimentou muitas das lutas de libertação na América Latina. “Eu bem vi a opressão do meu povo que está no Egito, e ouvi o seu clamor diante dos seus inspetores; conheço, na verdade, os seus sofrimentos. Desci a fim de os libertar (…). E agora, vai; Eu te envio...” (Ex 3,7-8.10). Uma das características mais fortes da eclesiologia latino-americana é a intenção de fazer os pobres protagonistas da Igreja. O Concílio Vaticano II avançou ao lembrar que todo o Povo é Igreja; o Magistério episcopal latino-americano quis proclamar a “Igreja dos pobres”. Quer fazer da Igreja um lugar de acolhida e de ação de todas as classes, de modo preferencial, dos pobres.

A solidariedade que se deve ter para com os pobres “significa muito mais do que alguns atos esporádicos de generosidade; supõe a criação de uma nova

mentalidade que pense em termos de comunidade” (EG 188). Daqui podem nascer

os questionamentos mais práticos para a pastoral das paróquias e de toda a Igreja.

178 Galli testemunha que perguntou ao Cardeal Bergoglio sobre qual o tema que ele iria ressaltar na

Conferência de Aparecida e ele respondeu “Cristo e os pobres”. Galli perguntou sobre o segundo e o terceiro pontos que ele destacaria e o Cardeal respondeu todas as vezes: “Cristo e os pobres”. (Cf. GALLI, p. 55, Ago. 2014).

Para a Igreja, “a opção pelos pobres é mais uma categoria teológica que cultural, sociológica, política ou filosófica (...). Por isso, desejo uma Igreja pobre para os pobres” (EG 198179). A Igreja tem como um critério-chave de autenticidade e de fidelidade ao Evangelho, a opção pelos pobres180. O Papa cita Gl 2,10 para fundamentar essa opção. O texto de Gálatas diz assim: “somente nos recomendaram que nos lembrássemos dos pobres, o que eu mesmo procurei fazer com muita solicitude”. A perícope de Gl 2,1-10 está no contexto da subida de Paulo a Jerusalém para participar da conferência de Jerusalém. A fim de manter a comunhão da Igreja, essa conferência de Jerusalém tratou se as exigências judaicas eram uma condição necessária para os gentios entrarem para a unidade da Igreja. A Igreja de Jerusalém, segundo a afirmação da carta de Paulo, afirmou que era necessário “somente” que se lembrasse dos pobres e se faria, portanto, uma autêntica missão cristã. Os gentios estavam livres das observâncias judaicas.

Os pobres, nesse texto, “são os judeu-cristãos de Jerusalém”181. Paulo atenderá ao pedido com uma coleta em favor da Igreja em Jerusalém. Desse modo, o texto pode ser atualizado no sentido em que a autenticidade da missão cristã não está tão baseada em “estilos” ou na observância de certas leis secundárias, mas sobretudo no serviço aos pobres.

Essa opção pelos pobres, para a Igreja contemporânea, deve concretizar-se “principalmente, numa solicitude religiosa privilegiada e prioritária” (EG 200). Essa solicitude também se aplica às novas formas de pobreza, como a dos migrantes, a dos “sem-abrigo, os toxicodependentes, os refugiados, os povos indígenas, os idosos cada vez mais sós e abandonados” (EG 210). “Duplamente pobres são as mulheres que padecem situações de exclusão, maus-tratos e violência, porque frequentemente têm menores possibilidades de defender os seus direitos” (EG 212). O cuidado pela fragilidade também inclui o tema da ecologia182.

179 Grifos do autor. 180 Cf. EG 195.

181 GONZAGA, Waldecir. Os pobres como “critério-chave de autenticidade” eclesial (EG 195), in:

AMADO, Joel Portella; FERNANDES, Leonardo Agostini (orgs.). Evangelii Gaudium em questão: aspectos bíblicos, teológicos e pastorais. São Paulo, SP: ed. Paulinas; Rio de Janeiro, RJ: PUC-Rio, 2014, p. 87.

A Igreja pobre faz missão para os pobres e também em vista do bem comum e a paz social. Num parágrafo relevante para a eclesiologia, o Papa explica como a experiência de “povo” é algo superior à de “massa”. Tornar-se um povo é algo mais, exigindo um processo constante no qual cada nova geração está envolvida. “É um trabalho lento e árduo que exige querer integrar-se e aprender a fazê-lo até se desenvolver uma cultura do encontro numa harmonia pluriforme” (EG 220).

Ele está se referindo aos variados povos e não à Igreja especificamente, contudo, em ambos os casos constituir-se como povo é superar um estado de massa pela cultura do encontro e uma harmonia pluriforme. “Um povo é formado por seres humanos que se sentem solidários”183. Nos lugares onde há muitas diferenças de religião ou de cultura que impede a solidariedade, não existe povo. “São raros os lugares onde não haja segregação. Por isso é difícil achar um povo que seja realmente povo”184.

Comblin185diz que as CEB’s foram um passo em direção à Igreja dos pobres,

mas ainda não era a Igreja dos pobres. As CEB’s se paroquializaram e ficaram restritas a “uma elite entre os pobres”186. Diante do contexto histórico da América Latina e da exortação do Papa a se viver como uma Igreja dos pobres, cabe relançar a pergunta sobre os motivos da crise das CEB’s e das possibilidades da retomada, ou de um novo caminho pastoral, que recoloque os pobres no centro das atividades eclesiais.