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CAPÍTULO IV ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

4.3 A difícil arte de olhar para si mesmo

4.3.3. Tema 3: O silêncio em sala de aula

Henry Thoreau afirmou, certa vez, que “No relacionamento humano, a tragédia começa não quando as palavras são mal-entendidas, mas quando o silêncio não é compreendido”50. Essa colocação do autor americano é conveniente para este tema, em que eu me sinto incomodada com os momentos de silêncio em sala de aula. É provável que eu não tenha entendido a razão do silêncio em determinados momentos das aulas.

Este tema também parece demonstrar contradições entre o que eu afirmo acreditar e minhas ações em sala de aula. São justamente esses conflitos que corroboram a afirmação de Almeida Filho (2005, p. 16) de que “nunca serão suficientes as declarações sobre isso [a cultura de ensinar] emitidas pelo professor colocado em análise”. Isso pode ocorrer devido à complexidade inerente ao ser humano e ao próprio processo de ensino e aprendizagem e todos os fatores a ele associados. Vejamos, então, as contradições presentes no diário reflexivo.

“... o silêncio em sala me incomoda um pouco (ou ‘um muito’), pois fico angustiada quando estão todos quietos fazendo alguma atividade.” (24/03/2008)

“... aula deva ser sempre, a todo momento, algo muito cheio de vida, animado, talvez uma roda gigante que não pára nunca, se bem que a roda gigante é lenta, talvez

ache que deva ser uma montanha-russa.” (24/03/2008)

50 “In human intercourse the tragedy begins, not when there is misunderstanding about words, but when silence is

“Fico ainda mais angustiada quando, após um ‘pairwork’, os alunos vão dar um feedback para a turma e demoram demais. A impressão que tenho é que os outros alunos ficam entediados.” (24/03/2008)

“Esse feedback muitas das vezes é demorado e eu percebo que fica um pouco chato, entediante. Eu fico agoniada e penso que os alunos também acham chato. Hoje, um aluno me perguntou se eles teriam de fazer isso. A resposta era não e ele

me pareceu aliviado, bem como seus colegas que sentavam do seu lado.” (24/03/2008)

Ter uma aula dinâmica e motivante parece ser algo muito importante para mim. Parece haver uma crença de que a motivação extrínseca é mais relevante que a intrínseca, a qual parece não ser tão influenciadora da aprendizagem. Isso e o fato de o silêncio incomodar-me tanto podem significar que eu pense que o papel da professora é de primordial importância para a motivação, talvez maior que o do aluno. Nesse caso, o aluno poderia tornar-se dependente desse esforço para motivá-lo, o que poderia colocá-lo em uma posição passiva. Talvez eu pudesse trabalhar no sentido de proporcionar condições para que o aprendiz tenha uma motivação intrínseca, a qual pode estar relacionada com uma tomada de consciência, por parte do aluno, de seu importante papel no processo de ensino e aprendizagem. A motivação intrínseca pode também estar ligada à autonomia do aluno. Parece que me esqueci da importância da autonomia para a construção de um saber mais significativo. A relevância atribuída ao papel do professor para motivar o aprendiz também pode ter relação com minha história de vida, pois o papel do professor de economia como desmotivador do meu sonho de me tornar economista foi bastante marcante para mim. Esse fato me fez caminhar para o outro extremo, o de tentar motivar os aprendizes a todo momento. Parece haver um medo de que eles desistam do desejo de aprender a língua inglesa devido à falta de motivação e incentivo de minha parte.

Atribuo também bastante valor para o “brincar”. Conforme Sullivan (2000), “Embora seja difícil de definir o “brincar”, a maioria das pessoas concordaria que envolve diversão. É frequentemente acompanhado de risadas [e] inclui gozações,

piadinhas, jogo de palavras e narrativas orais”51 (SULLIVAN, 2000, p. 122). A autora

diz que, no ensino, há atividades planejadas divertidas, mas o “brincar” espontâneo é visto como fator que desvia a atenção do foco. Concordo com Sullivan (2000) que as brincadeiras e a diversão são atividades de mediação entre professores e alunos e a língua-alvo, mesmo que as brincadeiras, por vezes, sejam feitas em língua materna, com um jogo de palavras, ou “gozação” com uma determinada maneira de falar tipicamente brasileira, ou inglesa. Isso se relaciona com o tema 1: o uso da língua materna em sala de aula, em que afirmo, em relação à língua materna, que: “... parecia que os alunos se sentiam mais à vontade para fazer perguntas. Às vezes, é bom até para fazer brincadeiras e 'aliviar o ambiente'.”

Essa reflexão pode indicar que a única forma de se ensinar é por meio de motivar constantemente os alunos e que o momento de ouvir o outro não faz parte da aprendizagem. Eu não consegui compreender o silêncio a que Thoreau se refere. A impressão é que o silêncio provoca tédio e o aluno entediado não aprende. Ou seja, no silêncio, o aluno não aprende. É somente ouvindo, falando e interagindo que ele aprende. Isso constitui outro conflito, uma vez que, ao mesmo tempo em que o aluno precisa de oportunidades de falar usando a língua-alvo quando ele se mostra muito lento, isso pode quebrar o ritmo da aula, a dinamicidade.

Parece que tenho a tendência de conferir grande importância ao que os alunos pensam e sentem. Se, por um lado, isso é positivo; por outro, pode revelar uma insegurança, uma vez que: (1) é difícil agradar a todos a todo momento; (2) enquanto alunos, temos de fazer coisas que não gostamos muito, mas que são importantes, pois não só os “wants” devem ser considerados como parte do processo de ensino e aprendizagem, mas também os “needs”.

51

Quadro 8: Possíveis crenças da professora sobre o silêncio em sala de aula de língua inglesa

Crenças da professora

A motivação extrínseca e as atividades propostas são mais relevantes que a motivação intrínseca.

O professor engaja o aluno pela diversão.

Os “wants” são mais relevantes que os “needs”.

O silêncio significa que a aprendizagem não está ocorrendo.

Tenho de respeitar o ritmo do aluno, mas isso incomoda, pois não é dinâmico.

Há que se considerar a discussão realizada por Hittleman (1988). Ele discute que há uma crença de que o silêncio impede ou atrapalha uma aprendizagem mais eficiente. O autor, no entanto, argumenta contra essa crença que parece guiar o meu modo de ensinar, e afirma que durante o período de silêncio os aprendizes também podem estar ativamente engajados nas aulas. Segundo ele, o silêncio é “parte da língua(gem), do processo de comunicação. [...] Na sala de aula, os professores precisam aceitar os períodos de silêncio, quando não há comunicação ocorrendo”52 (HITTLEMAN, 1988, p. 9). É possível que eu também tenha essa crença de que o silêncio não condiz com a aprendizagem, associada à necessidade constante de dinamicidade. Há que se pensar também se esse incômodo por minha parte tem relação com um ensino centrado no professor.