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4.2 Dentro da penseira Parte I o pano de fundo que se apresenta

4.2.1 Tematização

A temática que envolve o portal é tão complexa quanto as histórias escritas por Rowling. Pinheiro (2007) aponta que se, antes, em um jogo de guerra, apenas um ponto emitindo tiros em direção a alguns alvos era visto como um jogo de guerra, hoje, é necessário aprofundar e complexificar tal cenário, é preciso criar o mundo do faz de conta, um mundo de realidade alternativa como expõe Hjarvard (2012). Assim, a saga se desenrola em torno da dialética Mágico vs. Trouxa. A relação, aqui expressada, baseia-se na que foi montada por Greimas (1975), na qual era trabalhada a dialética entre branco e preto. Aqui, propomos como contrariedade principal o Mundo Mágico vs. Mundo Trouxa. Rowling se apoia nesta grande oposição de mundos para construir a narrativa. O quadrado semiótico que apresentamos é

baseado no percurso gerativo de sentido. Assim, apresentamos a forma como é exposta a relação entre os dois mundos retratados:

Figura 18 – Quadrado semiótico

Fonte: BARROS, J.- baseado e adaptado de Greimas (1975)

A temática de oposição entre os mundos mágico e trouxa é reiterada em todos os livros da série e, por consequência, em suas versões cinematográficas e digitais (portal e videogame). Podemos citar algumas situações em que a questão do Mágico vs. Trouxa está clara. A primeira situação de oposição percebida é quando, no primeiro livro, é narrada a estranheza que alguém como Dumbledore causaria em uma região habitada por trouxas:

Um homem apareceu na esquina que o gato estivera vigiando. Apareceu tão súbita e silenciosamente que se poderia pensar que tivesse saído do chão. [...] Ninguém jamais vislumbrara nada parecido com aquele homem na Rua dos Alfeneiros. [...] Alvo Dumbledore não parecia ter consciência de que acabara de pisar numa rua onde tudo, desde o seu nome às suas botas eram malvistos (ROWLING, 2000a, p. 13).

Neste trecho, Dumbledore chega à Rua dos Alfeneiros para entregar Harry aos tios. O recorte do texto deixa clara a forma como um trouxa reagiria à figura de Dumbledore. Além desta situação, podemos citar outras. A segunda situação, que podemos apontar, refere-se ao capítulo quatro do primeiro livro. Hagrid revela a Harry a sua condição de ser mágico. A família Dursley, conforme a narrativa de Rowling, escondeu não só a sua condição, mas a verdade sobre a morte dos pais do bruxinho e o mundo mágico. A revelação de Hagrid apresenta o grande conflito interno que se instaura em Harry, que será levado por todos os setes volumes da saga: o sentido de pertencimento ao mundo mágico e a necessidade de retorno ao mundo trouxa. Harry retorna ao final de cada ano letivo para passar as férias na casa dos tios trouxas. A obrigação de retorno a casa não fica bem clara nos primeiros livros.

Ao final da saga, é revelado que a proteção conferida pela mãe de Harry, Lílian, só é reforçada no momento em que o personagem principal retorna ao local onde tem laços de sangue. Dessa forma, mesmo que a tia seja trouxa, é a convivência com ela que lhe confere a renovação da proteção contra Voldemort.

A terceira situação em que podemos perceber a oposição é na forma como os nascidos

trouxas são tratados dentro do mundo mágico por alguns dos que são bruxos(as) de sangue

puro. Na perspectiva, por exemplo, da personagem Draco Malfoy, filho de bruxos de sangue puro, Hermione Granger, nascida trouxa, é uma sangue ruim conforme a narrativa. A grande oposição entre mágico e trouxa é percebida na relação de sangue puro vs. sangue ruim. Mesmo que Hermione tenha poderes mágicos, na visão de Draco, ela ainda é uma trouxa. É uma oposição dentro do próprio mundo mágico. No portal, um dos momentos de confronto entre o mágico e o trouxa é quando, no capítulo sete do segundo livro, Draco chama Hermione de sangue ruim e Rony reage lançando um feitiço em Draco. O feitiço sai pela culatra e atinge o próprio Rony:

— Ninguém pediu sua opinião, sua sujeitinha de sangue ruim - xingou ele. Harry percebeu na hora que Draco dissera uma coisa realmente ofensiva [...]

— Como é que você se atreve! - e Rony mergulhou a mão nas vestes, puxou a varinha e gritou:

— Você vai me pagar! - e apontou a varinha, furioso, para a cara de Draco, por baixo do braço de Flint.

Um estrondo muito forte ecoou pelo estádio, e um jorro de luz verde saiu da ponta oposta da varinha de Rony, atingiu-o na barriga e o atirou de costas na grama. [...] Rony abriu a boca para falar, mas não saiu nada. Em vez disso, ele soltou um poderoso arroto e várias lesmas caíram de sua boca para o colo (ROWLING, 2000a, p. 99-100).

O momento transposto para o portal traz Rony já no chão:

Figura 19 - Rony após ser atingido pelo próprio feitiço Fonte: http://www.pottermore.com/>. Acesso: 15 ago. 2013.

Outra situação é a constante colocação de Harry como um não-sujeito por parte dos tios. A negação da magia em Harry e do mundo mágico visa colocar os tios na posição de sujeitos. O posicionamento dos tios como sujeitos, em especial da tia, é negado ao descobrir- se que Petúnia enviou uma carta para Hogwarts pedindo para ingressar na escola. A revelação de tal informação impõe a condição de não-sujeitos aos trouxas retratados na saga (neste caso, os Dursley, em especial Petúnia) e coloca os bruxos na condição de sujeitos, apresentando novamente a temática da oposição entre mundos. O portal Pottermore segue a linha temática proposta pelos livros, mostrando a continua oposição entre os mundos e a oposição dentro do próprio mundo mágico conforme os exemplos mostrados. Desta forma, assim como nos livros e nos filmes, percebemos que Rowling edifica um mundo mágico paralelo ao nosso (o trouxa) e constrói a narrativa deste mundo em cima da oposição que se estabelece entre eles.