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O fluxo da organização temporal das cartas enviadas e recebidas revelou que o tempo de elaboração entre uma carta e outra e entre uma carta e sua resposta foi, tanto em relação às professoras quanto à pesquisadora, bastante variado.

Inicialmente, considerando o processo de escrita das cartas pela pesquisadora, verificamos que o tempo da elaboração entre a primeira e a segunda carta ocorreu em um período de três meses, apenas para as sete professoras que iniciaram a pesquisa. As demais docentes que se integraram ao pacto, posteriormente, encontraram a segunda carta elaborada, tendo seu envio seguido imediatamente após o recebimento da carta-resposta. Quanto ao tempo utilizado entre a segunda e terceira carta, um período maior para sua preparação foi necessário. Para as primeiras sete correspondentes, engajadas na troca epistolar, sete meses decorreram entre uma e outra carta, e, em seguida, esse período diminuiu para cinco meses para um segundo grupo formado por seis professoras, e para quatro meses para o último grupo constituído de seis professoras.

Nas cartas das docentes, alguns depoimentos refletem uma reação decorrente da própria natureza do pacto epistolar, em que apresentar os pedidos de desculpa consiste num ritual próprio do estilo desse gênero, mesmo que, a resposta tenha sido enviada com brevidade. Nesses casos, a correspondente reporta-se ao que pode ser considerado como o “tempo subjetivado” da espera de uma resposta, tornando compreensiva essa atitude ao iniciar a carta. Nesse sentido, a postura atenciosa de Elaine revelou que, apesar de ter enviado a carta rapidamente (recebeu a carta no mês de setembro, escreveu no dia quatro de outubro e a postagem acusou o envio no mesmo mês e ano), ela iniciou sua 1a carta-resposta apresentando as razões do que considerou ter sido um processo longo, entre o prazer de ter recebido minha carta e a vontade de ser prontamente recebida e lida pela pesquisadora, devolvendo-lhe a mesma sensação prazerosa no encontro com a carta.

Cara Emília

Antes de mais nada, desculpe a demora da resposta. Sua carta chegou em um momento de sufoco em casa e no trabalho e só agora tenho tempo para respondê-la (trecho inicial da 1a carta de Elaine).

Portanto, a demora a que se refere Elaine diz respeito, principalmente, à atitude da espera de uma resposta e a conseqüente curiosidade que a próxima carta incita no seu destinatário.

Além do tempo na elaboração, deve-se contar ainda com o tempo do percurso da carta que seguia entre uma cidade e outra, entre um país e outro. No conjunto das docentes, poucos problemas foram relacionados com a instituição do correio. Chamaram atenção, no entanto, alguns casos de atraso no recebimento das cartas, como, por exemplo, o caso de Adriana, que acusou o recebimento no início da sua carta postada em janeiro de 2001, afirmando que “há pouco tempo, mais de uma semana” tinha recebido minha carta. No entanto, em Paris, o envio da minha carta registrou o mês de novembro, ou seja, dois meses entre a carta enviada e sua resposta. Portanto, parece que, nesse caso e em alguns outros, ocorreu dificuldade do correio em função do movimento intenso

de correspondências nos últimos meses do ano, em decorrência das comemorações vivenciadas na passagem das festas natalinas e da chegada do novo.

Recebi sua carta há pouco tempo mais de uma semana mas só agora estou podendo responder. Elaine já havia me dito que você talvez me escrevesse e eu já estava, por isso, esperando notícias suas. Fico contente em saber que vou, de alguma forma, poder contribuir para suas pesquisas e por isso aceito seu convite e me sinto honrada com ele (trecho do início da 1a carta de Adriana).

Apesar dos três meses na elaboração e envio das duas primeiras cartas pela pesquisadora não ocorreu reação de estranhamento das docentes. Uma explicação para essa ausência de referências ao tempo, possivelmente, deve-se ao aviso acusando recebimento que foi enviado para as primeiras professoras a se engajarem prontamente à rede de correspondências. Para esse grupo, foi necessário esse recurso, pois permitiu manter o pacto entre as correspondentes.

No entanto, as primeiras justificativas na elaboração entre essas duas cartas (a primeira e a segunda) começaram a surgir nas respostas das docentes. Alguns depoimentos trazem o sentimento de “estar em débito” com a pesquisadora, quando passavam três a quatro meses para responder a carta. Nesse sentido, nos relatos de Maria e Adriana, encontramos os acontecimentos cotidianos relacionados à família ou ao trabalho como os motivos pela demora da carta.

Peço desculpas pela demora desta, pois estava passando por momentos de grande dificuldade na minha família, com problemas de saúde, mas graças a Deus as coisas melhoraram um pouco.

Fico feliz de você não ter desistido de mandar cartas para mim, pois continuo com imenso interesse em desenvolver um trabalho com você, principalmente após ter lido e conhecido melhor sua experiência com a escrita e confesso que realmente me identifiquei com várias situações da qual você passou (trecho do início da 2a carta de Maria).

Professora, segue o meu e-mail, caso você deseje se comunicar comigo via e- mail, pois assim será mais fácil e rápido podermos nos comunicar. Aguardo notícias (trecho final da 2a carta de Maria).

Estou te devendo um milhão de desculpas e quase a mesma quantidade de respostas. Para minha vergonha, sou obrigada a confessar que recebi tua carta de Paris. Aliás, recebi todas elas. Nem lembro mais quando foi que eu te escrevi, mas quero que você saiba que continuo disposta a participar das tuas pesquisas e

a tentar te ajudar no que for possível. Realmente o meu semestre foi muito atribulado, embora não tenha havido nenhum problema. Foi apenas muito trabalho. (...) Como faz muito tempo que eu não te escrevo não me lembro mais sobre o que eu já falei ou não em relação à escrita na minha vida, por isso vou escrever um pouco sobre isso. Se eu me repetir em algo você desculpe-me (trecho do início da 2a carta de Adriana).

O motivo atribuído à dificuldade em escrever justificou as tentativas na elaboração da carta-resposta de Ivana, como ela afirmou:

Emília, ensaiei algumas cartas para te enviar, mas não conseguia terminá-las pois as achava mal elaboradas (muita insegurança). Fiquei preocupada em perder contato com você, pois como já disse antes, senti afinidade por sua pessoa (trecho inicial da 2a carta de Ivana).

As professoras Amara e Márcia reagiram ao tempo prolongado na resposta da pesquisadora, em relação à elaboração da 3a carta, demonstrando estranhamento e expectativa com a chegada da carta.

Tudo bem com você? Pensei que tinha acontecido algum imprevisto e que minha carta não tinha chegado até você. Quando sua carta chegou eu estava naqueles momentos da vida em que você acha tudo horrível na vida. A mesmice, nada diferente e naquele momento fiquei com muita inveja de você, que podia está longe daqui, com acesso a coisas diferentes, porém o momento passou e tento me convencer que a vida é assim mesmo, cada um com a sua, cada um com seus sonhos, desejos e também com o que conseguiu tornar realidade. Como você pode perceber na minha vida, “principalmente”, “profissionalmente” não houve muitas mudanças (trecho inicial da 3a carta de Amara).

Oi Emília! Como vai?

Sei que estou em falta com você, mas em momento algum pensei em deixar de lado nossa troca de experiências, mesmo porque tem sido muito legal o exercício de escrever, pois como já disse antes depois que terminei a faculdade uma das coisas que senti falta foi de escrever e agora me sinto “desenferrujando”. Confesso até que tive vontade, no começo de ano, de te escrever uma carta “desaforada” cobrando uma resposta, mas agora estou sem moral...

Quero começar me justificando um pouco meu atraso. Este ano aconteceram algumas coisas que modificaram minha rotina e como eu sou lenta pra me acostumar com as coisas, fiquei um pouco “desbaratinada” (trecho do início da 3a carta de Márcia).

A professora Dulce, ao contrário dos depoimentos anteriores, expressou uma reação em que reconhece para si a “demora” no envio da sua resposta a

essa carta36, apesar da sua elaboração ter ocorrido no mesmo mês do recebimento.

Você deu notícias rápido, eu sim é que demorei para te responder. É natural que você demore a se organizar, pois a terra é estranha, o povo, os costumes, até você se adaptar é assim, demora um pouco, não se preocupe. Eu demorei muito para te responder porque este ano começou hiper movimentado para mim e minha família. (...) É um desafio para você escrever e para mim responder pois tenho 3 jornadas de trabalho, 2 em escola e 1 em casa e lá pelas madrugadas ainda rola o amor! Pense nisto! (...) Mil desculpas, pelo atraso, foram as coisas da vida. Um abraço carinhoso da amiga Dulce (trechos do início e final da 4a carta de Dulce).

Angélica justifica o tempo, apontando aspectos das estratégias para escrever a carta. Para ela, escrever requer tempo para elaborar a carta de uma só vez, sem interrupções. Com isso, ela sugere que não utiliza rascunho e que redige sua carta diretamente na tela do computador (todas as cartas de Angélica foram impressas).

Antes de qualquer coisa quero pedir desculpas pela demora em te escrever, mas é que eu tenho andado muito ocupada, deixa eu começar a te explicar que logo você vai entender o que eu digo.

Eu acho interessante quando você fala da dificuldade em escrever diante do papel em branco, em iniciar a conversa com alguém que você “não conhece”, acho até engraçado, pois apesar de ter dificuldade em escrever, eu não sinto nenhum problema em escrever para você. Muito pelo contrário, eu tenho tanta coisa para falar, para contar o que vem acontecendo comigo, para perguntar que eu é que não sei nem por onde começar. Um dos motivos de ter demorado a escrever também foi este, pois não queria começar e ter que parar, queria escrever toda a carta e sabia que iria tomar tempo e que não dispunha deste tempo todo. Mas hoje eu disse para mim mesma, a primeira coisa que faço hoje ao sair da cama é sentar ao computador e redigir tua carta, e é isto que estou fazendo. (trecho do início da 3a carta de Angélica)

Uma das conseqüências do tempo prolongado entre uma carta e outra, entre uma carta e sua resposta, pode resultar na perda do sentido para a manutenção do pacto epistolar, pois, em decorrência do esquecimento sobre o que foi dito/escrito, a perda de motivação vai-se instalando nas razões que justificavam o engajamento da docente. O depoimento de Potira expressou essa

36

Deve-se considerar que a professora Dulce enviou e recebeu carta-extra, elaborada entre a 2a e

3a carta padrão e comum a todas as docentes da pesquisa. Portanto, essa quarta carta enviada

perda de sentido na realização da atividade solicitada na última carta, em decorrência da demora na elaboração da sua carta-resposta.

Recebi seu cartão, gostei muito. Tanto tempo se passou e não respondi suas cartas, estou em débito com você em relação as atividades que pediste, fiquei adiando pelos atropelos do cotidiano, veio o recesso e agora penso que não tenho mais pique nem sentido para responder-lhe. A última atividade fica um pouco difícil, pois estou com uma sala de ensino infantil (trecho inicial da 4a carta de

Potira).

Em suma, apesar de reconhecermos que o tempo da elaboração das cartas foi variável e prolongado para algumas cartas, grosso modo, podemos verificar que o aviso de recebimento, os cartões-postais e, para algumas professoras, as fotografias contribuíram para a manutenção do pacto epistolar entre as correspondentes.

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