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Foto 14- A presença do muro

4 As relações sociais no ambiente escolar a partir da perspectiva da relação entre

4.2 O tempo institucional

Na perspectiva do espaço da comunidade investigada, espaço este que determina uma prática ambígua pautada nos princípios de produção ou reprodução, encontramos uma diversidade de temporalidades que se cruzam no cotidiano da prática escolar. Da mesma forma que o espaço burocrático tenta nos impedir de identificar e perceber a existência de perspectivas e relações espaciais diversificadas no interior da instituição analisada, a existência de um tempo institucional ofusca a nossa visão em relação à diversidade temporal existente que é determinada pelas relações sociais estabelecidas no cotidiano da escola. Dentro da comunidade analisada, a partir do que observamos, o tempo institucional pretende- se impor como hegemônico na medida em que estabelece e determina o que se pode e o que não se pode fazer nos determinados momentos do cotidiano da instituição analisada. Desse tempo burocrático e institucional, podemos destacar o calendário da escola, que deve seguir as orientações pré-definidas pela Diretoria de Ensino, priorizando a organização bimestral do ano letivo e as atividades previstas em cada bimestre. Além do calendário escolar, destacamos, também desse tempo institucional, a organização da escola em períodos de aula (matutino, vespertino e noturno) e a organização diária com os horários das aulas de cada disciplina. No período matutino, a escola apresenta doze salas de aula, todas do Ensino Médio regular, iniciando o período às 7 horas e terminando às 12h20, sendo seis aulas de 50 minutos, divididas em dois blocos de três aulas e um intervalo de 20 minutos entre os respectivos blocos de aula. No período vespertino, por outro lado, são onze salas de aula, sendo oito de

Ensino Fundamental ciclo II e três salas de Ensino Médio64, iniciando às 12h30 e terminando

às 17h50, também dividido em dois blocos de 3 aulas de 50 minutos e um intervalo de 20 minutos dividindo esses respectivos blocos. Por fim, o período noturno, apresentando 9 salas de aula, sendo seis do Ensino Médio Regular e três do Ensino Médio Eja, tem o seu início às 19 horas e término às 23 horas, constituído por 5 aulas de 45 minutos e um intervalo de 15 minutos após a terceira aula do período. Esse tempo burocrático e institucional é rotineiro e impositivo, pretende-se hegemônico na medida em que visa se impor em relação à existência de temporalidades diversas.

64 Uma sala de terceira série, alunos que fazem curso técnico no período da manhã no Instituto Federal e à tarde

o Ensino Médio regula. Trata-se de uma parceria do governo do estado com o Instituto Federal, que deu origem ao programa Vence, um curso integrado entre o ensino médio regular com um curso técnico oferecido pelo instituto. Essa é a última turma desse programa tendo em vista que o instituto a partir do ano de 2015 passou a oferecer por si mesmo o Ensino Médio atrelado a um curso técnico.

O indivíduo não está alheio ao tempo institucional. A existência e a relação entre as diferentes perspectivas de temporalidades, de certa maneira, estão subjugadas a esse tempo burocratizado. Mesmo quando tratamos de sujeitos de diferentes regiões, experiências e perspectivas diferentes, quando os colocamos e os subjugamos a um tempo institucional, essa experiência particular ou coletiva é, de certa maneira, determinada pelo burocrático. Por isso, mais do que entender esse tempo institucional como uma prática superficial de organização dos horários, dos bimestres e do ano letivo é necessário, antes de tudo, compreende-lo como um elemento ideológico de um sistema político que age diretamente na vida e no cotidiano da escola e, consequentemente, na vida e no cotidiano dos membros envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, a organização temporal da instituição segue a lógica da política educacional neoliberal do estado que, por sua vez, estabelece metas e transforma o conhecimento e aprendizagem dos alunos em produtos do mecanismo de reprodução do estilo de vida capitalista, ou seja, visando a formação de sujeitos trabalhadores e consumidores.

Essa situação reflete-se no cotidiano da escola na medida em que presenciamos uma aparente rotina escolar que determina o que pode e o que não pode fazer. Dessa forma, a partir de nossa observação, percebemos que ao estabelecer os horários de entrada e saída de cada período, a escola estabelece mais um elemento útil para a prática regulatória que representa um modelo de escola tradicional. Todavia, mesmo a partir dessa imposição, percebemos no cotidiano da escola, situações em que esse tempo institucional é colocado em xeque pelos alunos ou, até mesmo, pela própria instituição. No depoimento de um dos alunos entrevistados, encontramos um questionamento que pode servir como um parâmetro para a crítica discente em relação ao tempo institucional:

No ano passado eu estourei de falta e fui transferido antes de terminar o terceiro bimestre. As vezes eu nem faltava, chegava atrasado e acabava ficando com falta. Vou ser sincero, muitas das vezes, eu atrasava por que eu queria mesmo, mas as vezes era por que eu perdia o ônibus ou acordava atrasado. Ah, professor, eu acho que deveria ver melhor o lado dos alunos nessa questão do horário (Informação Pessoal)65.

No relato do aluno entrevistado encontramos uma crítica ao horário institucional que, segundo ele, desconsidera a situação do aluno. A escola possui a regra de tolerância de atraso do aluno de 15 minutos para entrar na primeira aula. Depois desse período para entrar, na segunda aula, deve vir acompanhado pelos pais com uma justificativa plausível. Mas durante

a pesquisa, a principal reclamação dos alunos em relação a essa regra é que o mesmo não vale para os professores. É o que podemos constatar no depoimento do mesmo aluno:

Quando eu chego atrasado tem professor que deixa entrar, mas me deixa com falta. Mas o que é chato é que tem professor que chega atrasado, 10/15 minutos, depende da aula, e quando a gente chega atrasado não deixa a gente entrar (Aluno da Segunda Série do Ensino Médio do Noturno).

Nessa fala do aluno entramos na segunda situação que revela a inconsistência do tempo institucional. A escola impõe uma organização temporal que, muitas vezes, ela própria não possui condições de manter. O atraso e a falta do professor é um problema sério da organização da escola, como revela uma agente de organização escolar;

Na questão do professor, um problema é a questão do horário. A gente bate o sinal, e eles demoram para ir para a sala. Aí os alunos ficam no pátio, quando chegam na sala o professor já está lá e alguns não deixam os alunos entrarem, é complicado. Outra é a falta. A gente sabe que a falta é direito do professor, mas é muito ruim quando falta e não avisa, porque daí a gente não sabe o que faz com os alunos (Informação Pessoal)66.

O depoimento da funcionária da escola, revela uma dupla punição ao aluno. Primeiro, muitas vezes, ele é penalizado com a falta por chegar atrasado, mesmo com o atraso do professor, por outro lado, é penalizado no desenvolvimento da aprendizagem por causa das faltas dos professores. É uma dupla punição decorrente dessa organização burocrática do tempo institucional.

As situações narradas revelam as inconsistências e contradições do tempo institucional. Todavia, mesmo com essas falhas e limitações, ele se coloca como hegemônico e se impõe em relação às outras perspectivas de temporalidades no interior da escola. Na sequência, vamos analisar as outras perspectivas temporais do interior da escola sempre a partir da perspectiva da organização do tempo institucional.

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