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O estudo das necrópoles sidéricas do Baixo-Alentejo, dentro do panorama da investigação arqueológica portuguesa, pode ser referido como sendo relativamente antigo, embora de forma descontinuada no tempo. Não se iniciou também pelas próprias necrópoles, mas antes pelas estelas decoradas com caracteres desconhecidos até então (e ainda hoje o são), que surgiam em contextos pouco específicos.

A primeira pessoa que se debruçou sobre o assunto, embora pela via das estelas epigrafadas, foi Dom Frei Manoel do Cenáculo Villas-Boas (1726-1814). Decorria o século das luzes, período do antiquarismo e diletantes, transversal a toda a Europa. Apesar de Villas-Boas ser clérigo, estava inserido na maneira iluminista de fazer ciência. Foi já no final do século XVIII e na zona onde se situa o Castro da Cola, Ourique, que Cenáculo encontrou as primeiras lápides epigrafadas que apelidou de “(…) phenicios ou turdetanos” (Villas-Boas, 1791, p. 385). O total de estelas que viria a encontrar cifrou-se em nove: sete no concelho de Ourique e duas em Almodôvar, associadas a necrópoles não muito precisas no espaço. Estas estelas foram inseridas no álbum ”Lápides do Museo Sessinando Cenaculano Pacence” (1800). Relata ainda, nesse ano, que algumas lápides provinham efetivamente de algumas escavações por ele efetuadas em sepulturas.

Idos cem anos desde os trabalhos de Cenáculo, coube a Estácio da Veiga continuar a revelar informações da Proto-História do Baixo Alentejo, embora, por vezes, atribuindo-lhe cronologia errónea. À época de Estácio da Veiga ainda não se tinham descoberto necrópoles que se pudessem inserir numa I Idade do Ferro (termo cunhado pelo próprio autor), conhecendo-se somente necrópoles a que os eruditos da altura atribuíam idades pretéritas. Estácio da Veiga diz-nos sobre esse facto, referindo- se à necrópole da Fonte Velha de Bensafrim: “Devo pois desde já advertir, que a

necrópole da Fonte Velha de Bensafrim não se pode confundir com as da região alemtejana, que somente se devem inscrever na idade do bronze ao passo que a do Algarve ninguém a póde excluir da primeira idade do ferro” (Veiga, 1891, p. 206). No seu entender, em relação às estranhas estelas que surgiam com uma ainda mais estranha escrita, escreveu "A identidade das inscripções nas duas regiões (Algarve e Alentejo)

26 não basta para que se julgem pertencentes a uma só epocha; o que essa identidade genuinamente significa, é que na primeira idade do ferro continuou a usar-se n'este territorio a mesma escriptura paleographica que era usada na idade do bronze, revelando assim uma antiguidade que se enreda, mas não se perde de vista, nas idades precedentes, porque esta escriptura já existia na peninsula em a ultima idade da pedra, como adiante comprovarei com documento authentico, que não soffre duvidas, nem admitte astuciosos subterfugios" (Veiga, 1891, p. 206). Para este arqueólogo, não só as necrópoles eram da Idade do Bronze como o eram também as estelas epigrafadas, remontando a aptidão da escrita a estes tempos nesta região específica. Ainda assim, não temos bem a certeza a que necrópoles, ou melhor, sepulturas, se referia no que à região alentejana se refere11. Sabemos sim, que aproximou a escrita das estelas à rúnica da Europa Setentrional. De notar ainda, o surgimento do termo "I Idade do Ferro", precisamente com Estácio da Veiga, no IV volume das suas "Antiguidades". Todavia, Estácio da Veiga não explica bem o que consiste esta idade utilizando, como muleta, as descobertas que se faziam na Europa.

Estácio da Veiga parece não ter lido na primeira pessoa as obras de Cenáculo, baseando-se nos escritos de Gabriel Pereira (1847-1911)12. Por este último, que leu os escritos originais de Cenáculo, Estácio da Veiga dá a conhecer dois sítios onde se descobriram antiguidades “notáveis”: um na ribeira do Roxo e outro na Herdade de Raco, freguesia do Cercal (Odemira). Apareceram, neste último sítio, muitas sepulturas do tipo cistoide, e em alguns encontraram-se objetos de ouro, vidro e barro lavrado (Veiga, 1891, p. 200). Ainda menciona a existência de várias sepulturas perto de Almodôvar, no local chamado S. Miguel do Pinheiro, em que terão surgido a proteger as sepulturas, várias lajes toscas, de xisto, e algumas com inscrições. Infelizmente, já no seu tempo essa suposta necrópole estaria destruída. Por fim, existe noticia de ter

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Sabemos que na altura de Villas-Boas já existia notícia de sepulturas que este terá escavado perto da Cola, e que supostamente seriam da Idade do Ferro. Não se sabe se eram a estas improváveis necrópoles que Veiga se referia, ou se a outras, quando escreve “(…) entre Almodôvar e Beja,

acompanhando a já indicada zona cuprífera, viveu um povo que usava sepultar os seus mortos em jazigos construídos com lages toscas em que ficaram gravadas umas inscripções de caracteres turdetanos, como lhes chamou o seu primeiro explorador, e que em alguns d'esses jazigos somente foram encontrados os estoques de bronze,(…) sem que haja noticia de ter aparecido algum artefacto de ferro, e que essas armas de ferir pela ponta constituem um typo local, não se achando em nenhum outro paiz; o que obriga a inscrever essas necrópoles na idade do bronze, e a reconhecer que n’essa idade já era tão antiga a linguagem escripta n’esta parte da peninsula, que se empregava com a forma epigráfica nos jazigos dos mortos ” (Veiga, 1981, pp. 204-205).

12 Homem apaixonado pela História, foi entre 1888 e 1902 conservador e diretor da Biblioteca Nacional; traduziu também autores clássicos como Estrabão e Plínio.

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escavado na vila de Mértola duas urnas do tipo Cruz del Negro (Veiga, 1880, p. 23.), que segundo as características apresentadas poderiam datar do século VI a.C., e uma delas quiçá recuar até ao século VII a.C. (Arruda, 2008, p. 315).

José Leite de Vasconcellos (1858-1941), figura quase ubíqua em qualquer tema de arqueologia, não ficou de fora destes estudos, mesmo que não tivesse contribuído para o conhecimento das necrópoles no sentido literal, contribuiu com alguns estudos sobre as estelas epigrafadas do Baixo Alentejo, duas de Panóias, uma do Tavilhão (Ourique), e outra do Ameixial (Vasconcellos, 1929, pp. 205-207), onde propõe leitura e tradução do etnónimo KONNI (Cónio).

Nesta primeira fase dos estudos, outros autores debruçaram-se sobre as estelas, como é o caso de João Bonança (1887), Émile Cartailhac(1886, p. 262) e Emil Hübner (1893, p. 191).

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