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3 Máquinas de fazer estrangeiros

3.3 Homem-tempo fabulans

3.3.1 Tempo urgente e tempo cíclico

Terra estrangeira foi filmado poucos anos após a renúncia de Collor, conferindo

certa urgência à filmagem, e, assim, segundo seus realizadores, buscava-se trazer, de modo semelhante ao documental – em preto e branco, super 16 e imagem granulada como opções narrativas –, a experiência da nação nos primeiros anos daquele governo (SALLES; THOMAS in Cinemais, 1998, 1999).

No Terra, estava claro desde a largada, queríamos fazer um filme que tivesse um caráter de urgência e o Super 16 granulado trazia esse caráter. O Robert Frank [...] diz que o preto e branco traz em si a possibilidade da esperança e da desesperança e o Terra, que é um filme um pouco crepuscular, precisava desse preto e branco (SALLES, 1998, p.35).

No entanto, apesar de seu caráter urgente e imediato, a película também trabalhou reminiscências da memória coletiva com relação ao descobrimento e à colonização do país, por meio de comentários dos personagens, e não como parte do encadeamento das ações no enredo; em suma, não se trata de um filme histórico, tampouco memorialista com uso de flashbacks, por exemplo. A propósito, como o tempo em Terra estrangeira é imediato, não há uso de dilatações e as pausas descritivas são raras, embora, em alguns momentos,os realizadores recorram à câmera fixa, a fim de representar a espera dos personagens.

Cabe fazer um breve comentário sobre o conceito de memória coletiva: consideramos, assim como Le Goff, que "não existe memória coletiva bruta", uma vez que "todo documento tem em si um caráter de monumento" (LE GOFF, 2003, p. 428), no entanto, grosso modo, utilizaremos esse termo para designar o conjunto de ideias políticas, culturais e sociológicas que dizem respeito ao passado de um país.

Retornando ao filme, a diegese inicia-se em 13 de março de 1990 (véspera do feriado bancário de três dias solicitado por Collor ao então presidente José Sarney, de acordo com o tempo histórico) e encerra-se em 1º de abril do mesmo ano, com duração de aproximadamente três semanas, ou seja, maior que o tempo da narrativa (100 min.).

A data do último dia da diegese (enunciada no filme), ocasião de graves acontecimentos na vida de Paco, traz duas simbologias relevantes para o Brasil nos planos cultural e político: popularmente conhecido como dia anedótico da mentira, 1º de abril é também a data do Golpe Militar de 1964. No jogo ambíguo e irônico com o

tempo crônico (terminologia utilizada a partir de Gaudreault e Jost, 2009, recuperando

Benveniste, 1974), talvez resida uma das chaves para não se afirmar cabalmente o silêncio do filme com relação à ditadura. Contudo, por enquanto, não pretendemos nos estender sobre essa questão.

Ainda sobre a temporalidade, gostaríamos de fazer outras duas notações. A primeira, de caráter mais técnico, diz respeito ao tempo de filmagem de Terra

estrangeira:ao todo foram quatro semanas e meia (SALLES in Cinemais, 1998),

perfazendo um período pouco mais extenso que o da diegese; a segunda notação, de fundo mais sociológico, ressalta que o filme busca figurar "[n]o início dos anos 90 uma geração em crise, abandonada num país incerto de sua identidade, [que] procura uma solução no exílio" (SALLES, 1998, p. 38) e, sob esse aspecto, a psicologia nos esclarece que "[...] a crise da juventude é também a crise de uma geração e da solidez ideológica da sua sociedade; também existe uma complementaridade de identidade e ideologia" (ERIKSON, 1987, p. 311).

Ancorando-nos em Genette(1972) e Gauldreault e Jost (2009), com relação à frequência no filme, presumimos que a narrativa apresenta uma tendência singulativa; porém, para demonstrar as ações cotidianas e apresentar os personagens, os realizadores recorreram à interpretação dos atores e a elaboração de diálogos iterativos, como o comentário de Manuela a respeito da escada de seu apartamento: "Essa escada está cada dia mais comprida" (THOMAS; SALLES; BERNSTEIN, 1996, p. 9). Por seu turno, a máquina de fazer espanhóis, escrito quase quinze anos após o término das filmagens de Terra estrangeira, também trata da contemporaneidade, embora grande parte de sua densidade se deva à volta ao passado do narrador, enfocando a ditadura de Salazar em Portugal, quase desde os primeiros anos do regime. Aliás, a alternância de tempos diegéticos, com a utilização de flashbacks, evidencia o trabalho literário sobre a memória individual (narrador-protagonista) e coletiva (imaginário português). Vejamos como essa tarefa se organiza ao longo do livro.

Inicialmente, seria apropriado registrar que as marcações de tempo, sobretudo as escritas por extenso no início dos flashbacks, repetidas ao longo de seus respectivos capítulos, evidenciam algo mais contundente que a verossimilhança histórica. As datas pontuam acontecimentos relevantes do ponto de vista psicológico para os personagens, e social, para a nação.

Por exemplo, no capítulo cinco, ocorre o primeiro longo flashback do livro, sobre o passado de dona leopoldina e, particularmente, sua aventura amorosa com o jogador de futebol Teófilo Cubillas. Segundo a narrativa, ambos se conheceram na noite de 8 de março de 1974, a poucos dias do fim da ditadura em Portugal. De acordo com nossas pesquisas, nessa data foi expedida uma ordem por parte do governo

português para a transferência compulsória de três capitães do Movimento das Forças Armadas, com vistas a impedir a continuidade das operações que visavam à queda do regime ditatorial (VERGUEIRA, 2012). Seria uma das últimas atitudes de resistência do salazarismo. Nessa noite, dona leopoldina deixa de ser virgem, revelando o rompimento de uma resistência. Melhor dizendo, o fato individual prenuncia a iminente ruptura política. No entanto, assim como a mulher suspeitava, "seria excelente a democracia, ainda que viesse só para os homens" (MÃE, 2011, p. 63), o texto, por analogia, conserva o sentimento de desconfiança sobre as benesses que o novo sistema de governo traria.

No capítulo seis, que trata do passado do personagem esteves, temos a marcação de 15 de janeiro de 1928. A data coincide com aquela com a qual Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa) assinalou a criação do poema "Tabacaria". Temos aqui a intertextualidade identificada não apenas por meio do personagem, mas também pelo tempo crônico.

No capítulo quinze, clímax do livro a nosso ver, é revelado um fato lamentável do passado do protagonista, experiência que afeta indelevelmente seu presente – a entrega do revolucionário à PIDE. Neste caso, a marcação coincide com a data de nascimento do autor da obra: mãe nasceu em 25 de setembro de 1971. Poderíamos presumir que a imagem do escritor como consciência do personagem surge à custa de um irônico jogo com o tempo.

Outra marcação temporal interessante diz respeito ao horário. Há a repetição das três horas da manhã para diversos eventos relevantes na narrativa. Logo no primeiro capítulo, esse horário registra o anúncio da morte de laura. Já no capítulo três, o mesmo horário assinala o episódio no qual o senhor silva bate em dona marta no asilo; a propósito, a demarcação é realizada visando chamar a atenção do leitor para o tempo: "eram três da manhã [...]. eram três da manhã, isso é importante não esquecer [...]" (MÃE, 2011, p. 39). Dessa forma, não poderíamos nos furtar em pesquisar os eventos históricos ligados à ditadura em Portugal registrados nesse mesmo horário. Assim, convém mencionar, às três horas da manhã de 25 de abril de 1974 foi deflagrada a ação do Movimento das Forças Armadas que iria pôr fim ao regime ditatorial em Portugal:

"Tia Aurora segue Estados Unidos da América, 25, 03, 00, um abraço prima Antónia." Assim que este telegrama codificado chega às bases operacionais do Movimento das Forças Armadas, tem início a revolução do dia 25 de abril de 1974.

"O que interessava na mensagem eram os números 25, 03 e 00, que significavam o dia e o horário (três da manhã) do golpe", conta o coronel Vasco Lourenço, um dos principais capitães envolvidos na conspiração, e atualmente presidente da Associação 25 de abril em Lisboa (VERGUEIRA, 2012).

Não sabemos se a insistência do narrador pelo horário das três da manhã se deve efetivamente à correspondência com esse fato histórico, morte do regime, morte da esposa, fim da união de 48 anos. Mas consideramos interessante seu registro.

A marcação de tempo no romance também se impõe pelo uso de metáforas. O nome do funcionário américo setembro abre-nos caminho para diversas suposições. A primeira delas vincula-se ao mês de setembro ser conhecido no hemisfério norte como o início do outono, simbolizando o envelhecimento, a melancolia (FRYE, 1973) e, ao mesmo tempo, representa um mês de passagem, transição, assim como o asilo onde américo trabalha. Outra suposição diz respeito ao mês em que Salazar foi afastado do governo português (setembro de 1968), quando o então presidente era o senhor Américo Tomás11. Tendo em vista tais conjecturas, torna-se curioso pensar que américo setembro presencia a morte dos idosos do feliz idade, representantes de uma geração que viveu o regime em toda sua extensão, ao passo que ele próprio figura uma geração nascida sob a democracia; assim, não seria exagero enxergar américo como personificação do espírito coletivo, pois seu personagem traz uma das primeiras noções de comunitarismo ao romance: "[américo] dizia que era tempo para pôr tudo a mexer, que ali [no asilo] se faziam muitas coisas porque na utilidade estava a comunidade" (MÃE, 2011, p. 29).

Ainda sobre a marcação do tempo, gostaríamos de ressaltar, todavia, alguns indícios de confusão mental do narrador, ou ainda, se preferirmos, uma traição da memória do autor na composição da obra. Vejamos:o episódio do casamento de laura e antonio silva ocorre em 1950, "[...] a laura descobriu rapidamente aquele gozo universal das noivas, aparecendo de branco e deslumbrante [...], dando o braço ao pai e percorrendo o caminho até ao altar [...]. estávamos em mil novecentos e cinquenta" (MÃE, 2011, p. 81); o narrador afirma por diversas vezes que viveu 48 anos ao lado da

11

mulher, "[...] a continuar eternamente a relação que tivemos durante quarenta e oito anos" (MÃE, 2011, p. 36); portanto ela teria morrido por volta de 1998, ano em que "deveria" acontecer a narrativa. Mas não é o que ocorre, até porque o Euro já era a moeda oficial em Portugal, segundo a narração (p. 155). Aliás, elisa nasce em 1962 "[...] já ali por mil novecentos e sessenta e dois [...], a laura acabara de engravidar novamente. [...] quando a laura pariu, torturada de expectativas, a nossa elisa nasceu na felicidade e na frustração" (MÃE, 2011, p.85), sendo que no presente diegético ela tem 49 anos de idade (p.52), ou seja, o período entre 2010 e 2011 nos parece mais adequado ao presente da diegese, considerando-se também o contexto político e social apresentado pelo texto. Se pensarmos que elisa levou cerca de quatro meses para colocar o pai no asilo após a morte da mãe, "na primeira noite ali [asilo] [...] não adormeci facilmente. [...] tão absoluta a diferença de como dormira até quatro meses antes" (MÃE, 2011, p. 28), há uma lacuna de aproximadamente 12 ou 13 anos entre os dois períodos possíveis para a narrativa (1998 e 2010/2011). Em suma, todas as datas concordam perfeitamente entre si, com exceção do ano do casamento (1950). Enfim, não podemos afirmar categoricamente, há sempre a possibilidade de engano na composição do enredo, mas suspeitamos que tal lacuna seja resultado da intenção (consciente ou não) de figurar a memória como instrumento no qual não podemos nos fiar. Na esteira de Aristóteles, lembramos que o poeta não conta o que aconteceu "e sim as coisas quais poderiam vir a acontecer, e que sejam possíveis tanto na perspectiva da verossimilhança como da necessidade" (ARISTÓTELES, 1999, p. 47).

Todavia, nossa atenção encontra-se voltada à relação das datas com as questões políticas do país. Examinemos duas dessas marcações temporais relativas à vida do narrador.

A primeira refere-se ao tempo de união do casal, que é igual ao tempo que perdurou o regime militar em Portugal, 48 anos. A propósito, assim como a idade do senhor silva (84 anos), o período que compreende sua relação com laura é enfatizado no romance (p. 36 e 146, por exemplo). Dessa forma podemos deduzir que o fascismo dos bons homens seja retratado no livro por meio da analogia entre o apego ao regime por parte de alguns cidadãos mais velhos e o apego do protagonista a sua ex-esposa, uma relação que se mostra ao longo do livro como promotora de uma vida bastante

centrada no círculo familiar, evidenciando o comportamento "egoísta" do senhor silva como cidadão. A sociedade portuguesa teria se "casado" com a ditadura?

A segunda datação, sobre a qual já discorremos no início deste capítulo, é o nascimento do senhor silva, por volta de 1926, início do regime militar. Isto é, o narrador é praticamente "filho" da ditadura. Talvez, daí advenha seu desespero para "provar" que já havia tirado o fascismo da cabeça.

Outrossim,como complemento ao nosso estudo, parece-nos interessante ampliar nosso foco de análise, pensando a temporalidade na escrita de mãe através de uma lente macro, ou seja, considerando a estrutura temporal em sua tetralogia de romances.

De facto, a escrita exclusivamente em minúsculas marca os seus quatro primeiros romances, naquilo que parece ser um ciclo encerrado, precisamente, pela obra a máquina de fazer espanhóis, como que completando um percurso de vida. Na verdade, a escolha dos seus protagonistas confirma este 'percurso biológico'– ainda que se tratem de personagens e de intrigas perfeitamente autónomas, que nada têm a ver umas com as outras, o certo é que estão nelas ou por elas representadas as quatro idades da vida (CASTRO, 2013, p. 62, grifo nosso).

Em o nosso reino, o narrador-protagonista é uma criança; já o protagonista de o

remorso de baltazar serapião é um jovem; no terceiro romance, o apocalipse dos trabalhadores, encontramos uma protagonista em idade adulta; por sua vez, como

vimos até aqui, a velhice está representada no quarto romance, a máquina de fazer

espanhóis.

É importante observar que essa perspectiva nos remete ao tempo cíclico, bastante explorado por mãe: "o tempo vicia-se em ciclos que obedecem a lógicas distintas e que se vão sucedendo uns aos outros repondo o sofredor, e qualquer outro indivíduo, novamente num certo ponto de partida" (MÃE, 2011, p. 105). Em nossa opinião, esse modo de ver o tempo assemelha-se, grosso modo, à teoria do eterno retorno, de Friedrich Nietzsche (2012). Compreendemos ser possível, para futuras pesquisas, a aproximação (arquitextual) de a máquina de fazer espanhóis com algumas teorias do filósofo alemão, não apenas por este ser considerado profeta da crise do Ocidente e também um expatriado por opção (JANZ, 1978), mas principalmente porque intuímos algumas de suas ideias na obra de mãe, como a visão do cristianismo como pregador pernicioso da humildade.

No entanto, conforme sinalizamos, não pretendemos seguir esse caminho nesta pesquisa, lembrando a natureza diversa de nossos objetivos. Por ora, parece-nos suficiente compreender essa visada sobre o tempo como uma crítica ao historicismo.

Por fim, gostaríamos de comentar algumas percepções quanto ao ritmo da narrativa em a máquina de fazer espanhóis. Em nossa opinião, muito embora as diferenças sejam sutis, a escrita nos capítulos que obedecem ao presente diegético, sobretudo os dois primeiros, soa feito enxurrada, a nos "cair sobre a cabeça", como o caos pós-moderno e os acontecimentos mais vertiginosos na vida de seu personagem central (não à toa, há uma chuva torrencial logo no primeiro capítulo), ao passo que, nos flashbacks, segue um padrão mais reflexivo. Em outras palavras: diálogos curtos intercalados com frases mais extensas e desprovidas de pontuação, com o fito de representar a vertigem e o caos do tempo cronológico (pós-moderno, neoliberal), opondo-se a frases mais longas, pontuadas a preceito, nos momentos de recordação, ou seja, de dilatação do tempo psicológico do narrador-protagonista, forçando-nos a observar a história do ponto de vista da velhice, com maior extensão para o passado, e com o presente a encurtar-se a cada dia vivido. Curiosamente, esse ponto de vista também demarca a comparação do caos contemporâneo (anos 2000) com o sonho do passado português.

Vejamos brevemente essa questão neste diálogo de frases curtas, sem indicação de travessão e aspas, no primeiro capítulo:

mas não posso voltar para casa sem ela. não a posso deixar aqui sozinha. não estaria sozinha. estaria sozinha de mim, que é a solidão que me interessa e a de que tenho medo. e isso nunca aconteceu. não, em quase cinquenta anos de casados, nunca aconteceu (MÃE, 2011, p. 14).

Nesta outra passagem,também no primeiro capítulo, percebemos a sensação de caos conotada pela ausência de vírgulas e, claro, pelo conteúdo da mensagem: "entrei em convulsões no chão e as mãos do homem e da mulher que ali me assistiam eram exatamente iguais às bocas dentadas de um bicho que me vinha devorar e que entrava por todos os lados do meu ser" (MÃE, 2011, p. 18). Neste outro segmento, em um momento de flashback, já no capítulo sete, a pontuação torna-se mais regular, a leitura sutilmente mais lenta:

eu e a laura assistíamos às missas de domingo, muito esperançados na ideia de que começar uma vida a dois seria melhor assim, com as bênçãos sagradas, e aqueles crentes todos em nosso redor, com cara de quem nos ajudaria por ofício de fé, com ar de quem gostava de nós e se preocuparia com as nossas misérias. e nós gostávamos deles (MÃE, 2011, p. 83).

Finda a introdução à temporalidade nas duas narrativas, cremos ter preparado as bases para aprofundar a comparação das obras. Assim, nas próximas seções deslindaremos o tempo de acordo com as ações e reações dos personagens nas respectivas histórias, a fim de esmiuçar a fragmentação de identidade e apreender a narrativa como articuladora do tempo e do ser, compartilhando do conceito de homo

sapiens fabulans (informação verbal) apresentado pelo Profº. Drº. Paulo Renato Jesus,

durante o Colóquio Científico Internacional "Paisagem, imaginário e narratividade", em 2013.

Na esteira de Ricoeur, porém mais próximo da perspectiva da Psicologia, Jesus compreende que a experiência temporal, em geral, é "semioticamente" construída sob o modo narrativo, possibilitando concomitantemente a autoavaliação e a autointerpretação do ser (narrador). Essa experiência traduziria a identidade. No caso da identidade nacional, esse processo apresenta-se muito mais complexo, pois depende, como vimos, da integração e confrontação das diversas narrativas sobre uma nação, da "vitória" e do "fracasso" de cada uma delas, bem como da pré-disposição das pessoas que compõem a suposta identidade e das que estão "do lado de fora" em aceitá-la ou rejeitá-la.

Dessa forma, encontramo-nos distantes de dispensar a complexidade que envolve a noção de identidade nacional, porém, atrevemo-nos a propor, a partir desta etapa de nosso trabalho, a visão do homo sapiens fabulans como possível inventor, construtor, divulgador e, ao mesmo tempo, engrenagem de uma máquina de guerra "irredutível ao aparelho de Estado, exterior a sua soberania, anterior a seu direito", melhor dizendo, uma máquina que "faz valer um furor contra a medida, [...], uma máquina contra o aparelho" (DELEUZE; GUATTARI, 2012, p. 13). Sumariamente, poderíamos dizer que o aparelho de Estado possui métodos e estratégias para narrar nações e identidades, mas estas se fraturam mediante a fragilidade das histórias contadas e da "realidade" que se impõe; por sua vez, a capacidade do ser para efabular abre possibilidade para contestar o Estado, buscando novos ângulos, novos

personagens, novos pontos de vista, muito embora com reduzido espaço de ação. Assim, aceitamos a proposição de Deleuze e Guattari sobre a arte como máquina de guerra. Porém, antes de seguirmos com essa linha argumentativa, continuaremos com a análise do personagem no tempo.