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Em 2008, Franz Manata e Saulo Laudares expuseram AFTER:Nature, uma instalação sonora acusmática, em que não se vê a fonte do som, reproduzindo uma trilha composta por sons de cantos de pássaros durante um amanhecer no inverno, em pleno Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro. O projeto consistiu na instalação de 42 tweeters na copa de 5 árvores, numa área do Aterro conhecida como Recanto dos Animais. Nesta poética obra, os artistas desejaram atrair as pessoas para esse lugar transmutador, propuseram uma desaceleração no caos urbano, instigaram o passante a desfrutar dos sons dos pássaros e até permitiram aos mais desatentos descobrir, através de “falhas” na trilha e outros ruídos, de que se tratava de um artifício ou dispositivo37. Nas palavras do curador Eduardo Campos sobre a intervenção urbana: “na polifonia das cidades, o canto dos pássaros funciona como som atávico, fazendo-nos lembrar nostalgicamente da natureza, da anticivilização, da perda do paraíso” (CAMPOS, 2008). A obra pontua um entrelugar, um entretempo, situando-se em devir, uma obra de passagem.

A instalação de Franz Manata e Saulo Laudares situa-se entre som natural e artifícios, entre a rua e a floresta. Ora mimetiza a paisagem, ora expõe interferências, maculando-a. No cotidiano da cidade, AFTER:Nature amalgama-se ao fluxo das ruas, criando inevitáveis invisibilidades (CAMPOS, 2008).

Podemos pensar nesta obra como um arquivo, um locus da memória, dos registros do passado (DERRIDA, 2001), um “bloco mágico” ou mesmo um brinquedo

37 Dispositivo aqui se refere ao modo de funcionamento, a um modo de dispor as coisas. Foucault se

referia aos dispositivos da sociedade disciplinar e da sociedade de controle que desejavam interferir nas subjetividades. Agamben propõe uma nova política a partir da profanação dos dispositivos de governo, propondo uma nova temporalidade, a Inatividade, entendida não como ócio ou inércia, mas como paradigma da ação humana.

de criança, que aciona sensações adormecidas na nossa memória e revela que a emergência do correio eletrônico e de outras formas de comunicação transformaram nossa maneira de viver e de nos relacionar com os espaços públicos e privados. Há também a intenção de reinventar o cotidiano e transfigurar o lugar comum (DANTO). Trata-se de uma desnaturalização do ordinário, do que os franceses chamam de dépaysement, expressão que descreve o deslocamento de um lugar para outro e seus efeitos advindos das mudanças de hábitos e de ambiente (BUENO, 2012). Seria ainda possível escutar o canto dos pássaros? Quando os artistas mimetizam o som do canto dos pássaros, enfatizam o seu poder de nos permitir contemplar, sentir e ativar percepções adormecidas pelo cotidiano apressado da cidade. Quando nossos olhos estão sujos de civilização, cresce por dentro deles um desejo de árvores e aves (BARROS, 2010, p. 199). Durante a abertura da exposição, segundo conta o curador Fernando Cocchiarale, a concentração sonora excessiva debaixo de uma árvore, fez com que um gato pulasse na copa atrás dos pássaros, mas logo descobriu tratar-se de um artifício.38

Em sua obra A geração que esbanjou seus poetas, o linguista Jakobson nos oferece o sentido de ser contemporâneo, assim como fizeram Nietzsche e Agamben. Jakobson, indignado com o suicídio do poeta Maiakóvski e de tantos outros da sua geração, mostra que sua morte significava mais que um drama pessoal, pois era um retrato daquele tempo da revolução russa, que gerou uma sufocação da história. Estas perdas dessas almas sensíveis foram irreparáveis. A crítica inovadora de Jakobson se deveu ao fato de mobilizar termos especificamente literários e não biográficos da obra do poeta. De acordo com Maiakóvski, não há ressurreição sem corpo, sem carne, pois a imortalidade não pode se dar no além; ela é inseparável da terra. A função do poeta estaria ligada, então, à superação do tempo, à vitória sobre sua marcha contínua (JAKOBSON, 2006).

Etimologicamente, o termo contemporâneo provém do latim contemporãnéus e refere-se àquilo ou àquele que é do mesmo tempo, que vive na mesma época. O filósofo italiano Giorgio Agamben, em seu ensaio O que é o Contemporâneo? (2010), se refere à aula inaugural de Barthes num curso que ministrou no Collège de France quando propôs aos alunos as seguintes indagações: De quem e de quê somos contemporâneos? O que

38 Comunicação pessoal de Fernando Cocchiarale em entrevista a mim concedida no MAM-RJ, no dia 5

significa sermos contemporâneos? Agamben alerta de que o “tempo” do seu seminário é a contemporaneidade, o que exige dele que seja contemporâneo dos textos e dos autores que examina. Uma primeira e provisória indicação para orientar a procura por uma resposta vem de Nietzsche para quem o contemporâneo é o intempestivo, é aquilo que ocorre no momento inapropriado ou de forma inesperada.

Em 1874, Friedrich Nietzsche publica as Considerações Intempestivas39, com as quais quer acertar as contas com o seu tempo, tomar posição em relação ao presente. No início da Segunda Consideração Intempestiva (Da utilidade e desvantagem da história para a vida) procura compreender como um mal, como um inconveniente, algo do qual a época justamente se orgulha, isto é, a sua cultura histórica. “Porque até mesmo acredito que padecemos todos de uma ardente febre histórica e ao menos devíamos reconhecer que padecemos dela” (NIETZSCHE, 2003, p. 6). Nesta obra, Nietzsche diz que o homem inveja os animais de rebanho porque eles vivem a-historicamente, pois o animal, assim como a criança, tem a capacidade natural do esquecimento, enquanto o homem carrega o fardo da memória. A criança brinca entre os gradis do passado e do futuro em uma bem-aventurada cegueira (NIETZSCHE, 2003, p. 8). Essa exaltação da realeza da criança, que vive o tempo do acontecimento, o tempo aiônico, tem inspiração heraclitiana. E, no entanto, é preciso que sua brincadeira seja perturbada. Cedo demais a criança é arrancada do esquecimento. O poder-esquecer é a faculdade de sentir a- historicamente a duração da felicidade (NIETZSCHE, 2003, p. 9). Precisamos da história para a vida e para a ação, não para o abandono confortável da vida. A história deve servir a vida. Nietzsche denomina “a-histórico” a arte e a força de poder esquecer e “supra-histórico” os poderes que desviam o olhar do vir a ser (NIETZSCHE, 2003, p. 95).

Nietzsche distingue três espécies de história: a monumental, que generaliza, a antiquária, que venera o antigo e tem cheiro de mofo, e a crítica, que julga e condena. Nietzsche afirma que a história monumental deixa as particularidades de lado e reforça que devemos considerar o caráter arbitrário da história, que é uma construção, percebendo que há o papel da subjetividade no sentido histórico e negando a existência de um ideal cientifico-objetivo da história. Cada homem tem sua própria necessidade individual e milhões de direções possíveis correm. Não podemos perder o sentimento de

39 Em Ecce-homo, Nietzsche fala das quatro intempestivas: a Primeira contra a cultura alemã,na Segunda

critica a noção de ciência como verdade, a partir da crítica ao orgulho do sentido histórico do seu século (XIX), que deve ser visto como uma doença, um sintoma de decadência. Na Terceira e na Quarta critica o conceito de cultura.

estranheza da criança, sua capacidade subcortical de ter olhos para o invisível. Mas, apesar de criticar a história monumental e o grande relato, nos mostra que o histórico e o a-histórico são necessários ao homem e a sua cultura.

Foucault, em Microfísica do poder, no capítulo que fala sobre a crítica de Nietzsche em relação a história, Nietzsche, a genealogia e a história (NIETZSCHE, 1979, p. 15-37), há uma leitura da Segunda Consideração Intempestiva. O método genealógico ou cartográfico trabalha com a ambiguidade, com os tons de cinza, marcando a singularidade dos acontecimentos, longe de toda a finalidade monótona, perscrutando aquilo que é tido como não possuindo história, como os sentimentos, o amor, a consciência, os instintos. Os termos Entestehung (emergência) e Herkunft (proveniência) marcam melhor do que Ursprung (origem) o objeto de estudo do genealogista, que não trabalha com o ideal platônico nem com a exatidão científica de cálculos matemáticos. O corpo não tem apenas as leis da sua fisiologia, ele é atravessado pelas forças de um determinado momento histórico, é formado por uma série de regimes que o constroem, é destroçado por ritmos de trabalho, repouso e festa; é intoxicado por venenos, alimentos ou valores (FOUCAULT, 1979, p. 27). A história efetiva, diferentemente da história oficial, não se apóia em nenhuma constância, é um saber perspectivo, faz ressurgir o acontecimento no que ele pode ter de único.

As Considerações Extemporâneas falavam do uso crítico da história: tratava-se de colocar o passado na justiça, de cortar suas raízes com faca, destruir as venerações tradicionais a fim de libertar o homem e não lhe deixar outra origem senão aquela em que ele quer se reconhecer. Nietzsche criticava esta história critica por nos desligar de todas as nossas fontes reais e sacrificar o próprio movimento da vida apenas à preocupação com a verdade (FOUCAULT, 1979, p. 37).

Como afirma Agamben (2009, p. 59), essa não-coincidência, essa discronia não significa que o contemporâneo seja um nostálgico ou aquele que vive num outro tempo. A contemporaneidade é uma relação singular com o próprio tempo, que adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distâncias, constituindo uma dissociação e um anacronismo. Aqueles que coincidem muito plenamente com sua época, que em todos os aspectos a esta aderem perfeitamente, não são contemporâneos porque não conseguem vê-la, não conseguem manter fixo o olhar sobre ela.

Pertence verdadeiramente ao seu tempo, é verdadeiramente contemporâneo, aquele que não coincide perfeitamente com este, nem está adequado às suas pretensões e é, portanto, nesse sentido, inatual; através desse deslocamento e desse

anacronismo, ele é capaz, mais do que os outros, de perceber e apreender o seu tempo (AGAMBEM, 2009, p. 58).

Agamben cita o poeta russo Osip Mandelstam, que escreveu o poema O Século (ou a época) em 1923. O poema contém uma reflexão sobre o poeta e seu tempo, isto é, sobre a contemporaneidade. “Meu século, minha fera, quem poderá olhar-te no fundo dos olhos e soldar com o teu sangue as vértebras de dois séculos? ” (AGAMBEN, 2009, p. 60).

Os dois séculos do poema não se referem apenas aos séculos XIX e XX, mas também ao tempo de vida do indivíduo, considerando que saeculum em latim significa tempo de vida. O século XX, tempo histórico coletivo, tem seu dorso quebrado. O poeta, enquanto ser contemporâneo, é essa fratura, é aquilo que impede o tempo de compor-se e, ao mesmo tempo, o sangue que deve suturar essa quebra (AGAMBEN, 2009, p. 61). O artista é aquele que quebra o sistema de significação, a estrutura instituída, trazendo novos significantes. O tempo corresponde às vértebras e o poeta às fraturas e suturas.

O poeta, o contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro. Todos os tempos são obscuros, para quem deles experimenta contemporaneidade. Contemporâneo é aquele capaz de escrever mergulhando as penas nas trevas do presente. Mas o que significa “ver as trevas”, “perceber o escuro”? Perceber no escuro do presente essa luz que procura nos alcançar e não pode fazê-lo, eis o que significa ser contemporâneo (AGAMBEN, 2009, p. 65). Por isso os contemporâneos são raros. É preciso ter coragem, pois é um encontro impossível. O presente, o nosso tempo, não pode nos alcançar. O presente que a contemporaneidade percebe tem as vértebras quebradas. A sua coluna (ou dorso) está partida e nós nos mantemos no ponto da fratura.

O compromisso que está em questão na contemporaneidade se dá no tempo cronológico, algo que urge dentro deste e o transforma. E esta urgência é a intempestividade, o extemporâneo, o inoportuno, o abrupto, o imprevisto, o anacrônico. O artista trava uma luta contra o tempo, pois sente uma falta de consonância com sua época.

Quem percebe os indícios e as marcas do arcaico (da arché, das origens) pode ser contemporâneo, mas a origem não está situada apenas num passado cronológico, mas num devir-histórico que continua a agir como a criança na vida psíquica do adulto. A via de acesso ao presente tem uma forma de uma arqueologia que não regride a um

passado remoto, mas a tudo aquilo que no presente não podemos viver. Ser contemporâneo significa voltar a um presente em que jamais estivemos.

O contemporâneo não é apenas aquele que, percebendo o escuro do presente, nele apreende a resoluta luz, é também aquele que dividindo e interpolando o tempo, está à altura de transformá-lo e de colocá-lo em relação com os outros tempos, de nele ler de modo inédito a história, de citá-la segundo uma necessidade que não provém de seu arbítrio, mas de uma exigência a qual ele não pode responder.

Neste poético ensaio, Agamben investiga o problema do tempo e aponta a necessidade da invenção de um tempo outro, diferente do tempo cronológico. É dessa experiência de invenção de uma outra temporalidade, de um ritmo próprio, mesmo que provisório, de uma intensidade, de um encontro alegre consigo mesmo e com o outro que gostaríamos de tratar. A obra dos artistas Manata e Laudares flerta com essa questão ao propor uma dilatação e intensificação da experiência do tempo vivido.

Emília Araújo, em Quando o tempo desaparece (2007), reflete sobre essas questões dos ritmos do tempo objetivo e capitalista e o subjetivo e pessoal. As ferramentas que marcam o tempo, como o relógio e o calendário, obrigam-nos a ter um certo ritmo, o qual regula a nossa vida em todas as esferas de ação. Os indivíduos não poderiam organizar a sua vida do dia-a-dia, assim como seus planos para o futuro, sem estarem minimamente seguros das formas de medição e passagem do tempo. Há um século atrás estes ritmos estavam desencontrados, pois cada sociedade possuía o seu próprio ritmo temporal. Mas, hoje, nenhuma sociedade sobrevive sem a orientação de um sistema temporal coincidente com o das outras sociedades. Esta uniformização de ritmos chama-se estandardização temporal e faz com que as sociedades fiquem mais dependentes entre si, apesar das distâncias geográficas que as separam (ARAÚJO, 2007, p. 21). Apesar da utilidade do calendário, a capacidade para avaliar a passagem do tempo está para além da aptidão para manusear todos estes instrumentos de medida. Possuímos a habilidade de sentir a passagem do tempo e de interpretar os sinais de sua passagem. É duro que o passar do tempo nos transforme o corpo, afete nosso estado de espírito e nos predisponha para certo estilo de vida (ARAÚJO, 2007, p. 22).

Temos um relógio biológico, o qual determina nossos ritmos diários. Mas além deste tempo biológico, gozamos de uma acurada propensão para sentir a passagem do tempo, seja reconhecendo os sinais de amadurecimento do nosso corpo/espírito, seja relacionando-nos psicologicamente com os eventos de nossa vida, por menores e insignificantes que possam parecer. Sentir que o tempo passa muito rapidamente ou

muito lentamente está em conformidade com o estado de espírito que associemos a cada um desses eventos. A todos esses tipos de percepções e sentimentos, que fazem com que sejamos seres temporais, podemos ainda juntar a nossa capacidade para construírmos sentidos e crenças sobre a própria existência da humanidade e do universo (ARAÚJO, 2007, p. 23).

O tempo, tal qual o espaço, é uma dimensão física, mas o tempo, diferentemente do espaço, é constituído de nada objetivamente visível em si. Verifica-se hoje uma acentuada impressão de aceleração do tempo. Todavia, a aceleração do ritmo de vida não significa um aumento da produtividade no trabalho. Existem diversos fatores e mecanismos de tipo psicológico e cultural que condicionam a percepção e gestão do tempo: a idade, o gênero e outras variáveis, inclusive a própria organização sociocultural da sociedade. De todo o modo, os estudos realizados sobre os usos e a ocupação do tempo demonstram haver uma crescente “fome de tempo”, resultado da celeridade dos ritmos de vida dos indivíduos, mais móveis, aptos, flexíveis, abertos e dispostos. A pressa é uma constante, tudo deve ser rápido e com poucos intervalos de espera (ARAÚJO, 2007, p. 24).

O auge da rapidez é atingido quando os meios tecnológicos superam a própria existência do tempo e do espaço, parecendo fornecer uma realidade sem tempo no espaço virtual. Essa possibilidade de iludir completamente a passagem do tempo é um dos principais objetivos do capital, na medida em que se eliminam as perdas monetárias dos intervalos entre as várias operações. Entretanto, o tempo não pára. Eu já não sou o que era há pouco tempo e nada o que me rodeia é o que era há pouco; tudo se alterou, ainda que de forma quase imperceptível. As sociedades modernas vivem a ritmos cada vez mais acelerados (ARAÚJO, 2007, p. 25). É como se não houvesse outra escolha se não a de viver aceleradamente.

O princípio da racionalidade impera nas ações individuais e na construção de representações e visões de mundo. Emília Araújo problematiza esses conceitos de tempo e simultaneidade, que estão tornando-se uma espécie de ópio da modernidade porque nem os indivíduos nem as organizações conseguem libertar-se da pressa. Há pouco tempo para as tomadas de decisão (ARAÚJO, 2007, p. 26).

De acordo com Araújo, para pensar numa melhor forma de gerir o tempo, devemos subdividi-lo em 4 dimensões fundamentais: a periodicidade, a duração, o grau de sincronização e a orientação da ação em função de um horizonte. A simultaneidade entronca em todas essas dimensões (ARAÚJO, 2007, p. 28). A concepção do tempo

como algo exterior ao indivíduo, que este deve controlar e administrar, é um princípio da constituição da sociedade moderna. Entretanto, até o final do século XX, se acreditava numa redução do tempo de trabalho e na melhoria do bem-estar individual, através do aumento de tempo próprio. Inclusive incorporava-se filosofias e modos de estar particulares de contextos culturais orientais onde se acreditava que o tempo era gerido de forma mais lenta (ARAÚJO, 2007, p. 29).

A simultaneidade é uma característica do universo e um desejo humano, mas quando é gerida e mantida através do capital só pode trazer o desejo de redução drástica do tempo, não apenas no plano diário, mas no biográfico, instituindo a frágil durabilidade das relações sociais, entre indivíduos e entre estes e as instituições. A ideia de uma cronologia abstrata e universal é um dos baluartes do pensamento moderno. Entretanto, é imperativo pressupor que ritmos distintos se desenrolam ao mesmo tempo. Isto faz parte do processo de colonização global do capital que precisa controlar o tempo dos indivíduos (ARAÚJO, 2007, p. 32).

Apesar de sua imaterialidade, o tempo tem uma profunda capacidade de afetar o comportamento das pessoas, e este tempo objetivo e comercializável tem consequências sobre a experiência subjetiva dos indivíduos (ARAÚJO, 2007, p. 37). A falta de tempo leva ao stress, a sentimentos de impaciência e ansiedade.

Os indivíduos, mesmo não estando sós, deixam de se sentir parte integrante de um todo. Além disso, há um adiamento de compromissos no plano biográfico e a redução da quantidade de tempo livre disponível (ARAÚJO, 2007, p. 41). Não há dúvidas de que a administração do tempo se tornou uma questão política (ARAÚJO, 2007, p. 43).

A necessidade de resistir à vigente cronopolítica ou à política de otimização do tempo se justifica tendo em vista o mal-estar presente na contemporaneidade. O princípio do desempenho rege a performance do trabalhador que deve estar disponível em tempo integral, o que é viabilizado pelas novas tecnologias de comunicação. O excesso de competitividade promove uma cultura do ódio em lugar da cooperação. Há, dessa forma, uma recusa da temporalidade da experiência (MATOS, 2007). De acordo com a filósofa Olgária Matos, o presenteísmo é este processo de alteração da temporalidade que se constitui através de uma aceleração do presente (MATOS, 2007, p. 92). A organização institucional do tempo faz com que cada um perca o sentido e o comando do tempo de sua vida. A impossibilidade de ter tempo para buscar um sentido para sua existência provoca no homem um sentimento de não pertencimento, de “sentir-

se supérfluo”, “um estranho no mundo”, que foi nomeado por Hannah Arendt de acomismo (MATOS, 2007, p. 100). Dessa maneira, há um afrouxamento dos laços, que se tornam pouco duradouros. A pressa e a aceleração exigidas pelo sistema de produção acentuam a superficialidade dos vínculos, produzindo um empobrecimento interior; tendo em vista que os sentimentos exigem a duração para desenvolverem-se (MATOS, 2007, p. 101). “Sem laços estáveis, produz-se um déficit simbólico no indivíduo e na sociedade, uma vez que valores dependem de um espaço comum de experiências compartilhadas” (MATOS, 2007, p. 102).

Na obra A nau do tempo-rei (1993), na qual o filósofo Peter Pál Pelbart versa sobre o tempo da loucura, o autor busca repensar algumas de nossas clausuras

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