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Uma tendência a relação da tolerância

ESQUEMA 04: Tendência de uma relação de solidariedade

4. DESVELANDO OS POSSÍVEIS ELEMENTOS DE UMA CONFIGURAÇÃO NA

4.3. As condições de interação entre os saberes na escola: os conteúdos e ações

4.3.2 Uma tendência a relação da tolerância

Além da tendência da desigualdade, em vários momentos foi possível identificar uma tendência de relação da tolerância entre os saberes, evidenciada em relatos e práticas. Em uma das ocasiões de avaliação, após a prova de matemática, a professora relatou que faz prova forçadamente, porque, segundo ela, prova não avalia a aprendizagem. Mesmo com o que foi visto no sub-tópico anterior sobre a avaliação, a própria professora tem consciência de que a prova convencional apenas não é capaz de avaliar a aprendizagem do aluno, esse reconhecimento mostra que, mesmo prevalecendo a lógica excludente, essa começa a ser

172 questionada pelas pessoas que a vivenciam e que, muitas vezes se sentem despreparadas para criarem outras formas de fazer pedagógico.

Nas aulas do 1º ano, com alunos em idades que variam dos entre 06 aos 08 anos, a professora iniciou o conteúdo sobre poesia, como era um tema para todas as turmas naquela semana. Para discutir esse conteúdo a professora utilizou as cantigas de roda mais conhecidas, depois cantou as músicas e realizou um trabalho corporal com as cantigas, em seguida foi trabalhar a letra da música, associando à desenhos, já que os alunos não dominam ainda a escrita.

Imagem 18: Cantiga Popular

Fonte: Caderno de aluno, outubro de 2010.

A presença da cantiga popular é uma característica marcante que comprova a atenção dada pela docente à cultura popular, porém o objetivo da aula era o de discutir a poesia e o elemento da cultura popular foi inserido como meio para aprendizado de um saber escolar. Após essa aula, a professora relatou das dificuldades em alfabetizar as crianças devido aos diversos níveis de saberes que os alunos apresentam e pelo tempo que se torna pequeno diante do desafio, já que tem de ser um atendimento mais individualizado, por isso ela disse que prefere os métodos mais “tradicionais” (expressão dela) de ensino, por que se torna mais fácil

173 também e confessou que é a maneira como sabe fazer. Essa fala foi muito significativa, já que a docente foi clara ao afirmar que sua prática não é a ideal, mas é a possível, é o que a mesma sabe fazer, como aprendeu. Embora ela explicite que considera sua prática convencional, é nítido que ao brincar de roda e ao valorizar outras formas de linguagem como o desenho e as cantigas populares, ela mesmo já inicia um processo de rompimento com alguns aspectos referentes à relação de saberes, sem considerar apenas a silabação e conteúdos abstratos distantes da realidade dos educandos.

Em outro momento, a professora estava com uma atividade de criação de lista de palavras na ordem alfabética, para cada letra os educandos diziam uma palavra e ela as escrevia no quadro enquanto os alunos faziam desenhos e falavam a respeito das mesmas. As palavras mais recorrentes entre os alunos foram “Alface”, “Barragem”, “Galinha”, “Roçado”. Essa atividade foi de grande proveito para os educandos em fase de alfabetização, além disso, considerou palavras do universo vocabular dos próprios alunos, considerando não apenas a linguagem escrita, mas também o desenho e a linguagem oral, o que pôde tornar o processo de alfabetização mais significativo e com uma maior participação dos alunos.

Em um dos momentos da entrevista uma das docentes falou sobre como percebe a diferença entre os conteúdos do período em que foi aluna dessa escola e o momento atual como docente: “Olhe... os conteúdos eu acho que são os mesmos, agora a forma que é repassado é que é diferente, porque você tem substantivo, sujeito e predicado, essas coisas, mas a forma como é repassado aí é diferente...” (Professora L). Para a mesma os conteúdos escolares não sofreram alteração o que vem mudando ao longo do tempo são as orientações para se trabalhar com cada conteúdo, as metodologias. Ao perceber e incorporar algum tipo de mudança no fazer educativo, mesmo que não reconheça que os conteúdos mudaram, a mesma admite que as metodologias tem sofrido alterações, fato que, mesmo não sendo suficiente, é relevante para o processo de tensão de uma relação de saberes da desigualdade.

Para as docentes, como discutido no tópico 3.1 “As finalidades educativas”, os fins de suas práticas estão atrelados ao desenvolvimento pessoal e formação de uma consciência crítica individual, essa finalidade já se apresenta como avanço já que coloca a atenção na formação de uma consciência crítica do aluno e não na importância dos conteúdos e no papel preponderante do professor, bem como as representações associadas a essa finalidade são as de que campo e cidade são espaços iguais e por isso merecem tratamentos iguais.

174 Esquema 03: Tendência de uma relação da tolerância

Sistematização realizada pela autora, 2011.

Essa tendência de relação da tolerância pode ser caracterizada pelas práticas que buscam uma convivência mais „tolerante‟ entre os saberes. O termo “tolerância” foi escolhido a partir da influência de Brandão (2002), quando ele explica que tolerância não é o mesmo que aceitação, mas uma convivência em que se permite a presença do “outro”, mas não se aceita sua legitimidade. Dessa maneira, foi possível transpor essa assertiva para entender essa relação específica verificada nas práticas, na qual ocorreu a existência necessária do saber popular para que o saber escolar fosse apreendido com maior facilidade, entretanto, sem considerar que o primeiro merece a mesma atenção. Nesse sentido, ameniza-se a distancia entre os saberes populares e a instituição escolar, porém o mesmo torna-se meio para atingir outro saber que continua sendo tratado como superior. Nessa relação, tenta-se atenuar a força

175 de tensão da relação de desigualdade e as práticas reconhecem a importância de diálogos com os saberes populares, mas em uma perspectiva de superá-los, partir do conhecido, do que é próximo ao educando, para alcançar o saber escolar.

Mesmo considerando a contextualização dos conteúdos como um dos aspectos necessários à educação que almeje inserir a realidade dos educandos em sala de aula, uma proposta popular de Educação do Campo extrapola essa noção, já que propõe não apenas se apropriar dos saberes de uma realidade social específica como ponto de partida para ter acesso aos saberes da escolarização, mas inserir esses saberes em um movimento de transformação das condições de produção que se baseiem em relações de desigualdade para que outro tipo de saber – e assim outro tipo de sujeito e de sociedade – se legitimem socialmente. O fato desse tipo de tendência estar presente nas práticas é de grande valia para que as situações de conflito sejam vivenciadas com menos desigualdade caminhando assim na direção da construção de uma Escola Popular do Campo.