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“ já não tenho a minha parte? ”

O segundo capítulo é ambientado num restaurante/café: o “Café Oriental, restaurante”. Outra vez, no trecho abaixo, podemos conferir características do romance de formação ligadas ao “como portar-se em um restaurante”:

“O garçom. A mesa. Meu chapéu pendurado. Retiremos as luvas ; é preciso jogá- las negligentemente na mesa, perto do prato; melhor perto do bolso do sobretudo; não, na mesa; essas pequenas coisas fazem parte da compostura geral. O sobretudo no cabide; sento-me; ufa!”(p.25).

Prince está ciente de que é preciso colocar em prática a etiqueta, os bons modos: “essas pequenas coisas fazem parte da compostura geral”. Esta conclusão coincide com o que DEMAY (1995) explica:

« …Du fait de sa jeuneuse, il est une personne qui a peu vécu, plutôt naïve, apte à s’émerveiller mais aussi à se lamenter lorsque la vie ne se montre pas conforme à ses espérances. En cela le héros du roman d’apprentissage, plus qu’un autre, se trouvera exposé (il faudra s’en souvenir), à la désillusion autant qu’aux influences… Ceci constituera un de ses nombreux paradoxes de départ ».

Prince se preocupa com o que podem pensar dele : “Esse garçom tem um jeito de zombar de mim” e conclui de forma negativa: “Sou, de fato, bem bobo”.

Esse garçom tem um jeito de zombar de mim. Sou, de fato, bem bobo. E por que me ocupar com outras mulheres? Já não tenho a minha parte? Para que serve uma outra? Procurar, cansar-se? Ainda as pessoas saindo. Ficarei jantando toda a noite. O sorvete; bravo; saboreemos lentamente; isso é para ser degustado; esse frescor; o sabor do café; na língua e no palato, o frescor aromatizado; quase não se pode ter essas coisas em casa.”(p.31).

O mesmo acontece em relação à Léa, mas o uso da palavra “zombar” recebe uma conotação positiva: “Léa não teria do que zombar”(p.25).

Depois de “bobo”, para aumentar o elenco de palavras de cunho negativo para si mesmo, Prince se acha “ridículo” e poderia ficar “aborrecido”:

“... se eu pudesse dar um jeito de comer em casa; talvez o zelador cozinhasse para mim por pouco dinheiro todo dia. Seria ruim. Sou ridículo; seria aborrecido; nos dias em que não pudesse voltar para casa, o que aconteceria? Ao menos num restaurante não se fica aborrecido.”(p.27).

O personagem utiliza o mesmo procedimento de atrair para si palavras negativas usadas anteriormente, mas diz não querer passar por ridículo; o que se conclui que ele pode se achar ridículo, mas não quer que os outros o julguem assim: “Acabei deixando um apetitoso pedacinho de linguado; bah! Não vou passar por ridículo ao pegá-lo.”(p.27).

O capítulo II é rico em detalhes sobre o ambiente do restaurante: os espelhos, as portas, as luzes:

“ O espelho diante de mim reflete a moldura dourada; a moldura dourada que está, portanto, atrás de mim; essas iluminuras são vermelhas, a vivacidade de tintas escarlates; é o gás amarelo-claro que ilumina as paredes; amarelas, também do gás, as toalhas brancas, os espelhos, os vidros.” (p.26).

O aprendizado passa pelo conhecimento de novos hábitos, mas também pela percepção de que numa cidade grande, como Paris, vários “tipos” diferentes são encontrados nos lugares públicos ou privados:

“Il apparaît que presque tous ces jeunes gens sont des provinciaux, et que la totalité d’entre eux se rend à Paris pour y devenir adulte… » « …La capitale de la France joue donc un rôle évident d’initiatrice…» « … la ville s’avère un lieu d’apprentissage par excellence, ne serait-ce que parce qu’elle multiplie les potentialités d’expériences, du fait de sa grandeur. De même elle recèle tout ce qu’il faut de malfrats, de profiteurs, d’expérimentateurs en tous genres pour servir des ‘modèles’ au jeune homme de province qui s’y risque » (DEMAY,1995, p. 11)

É com essa descrição sobre a descoberta de novos hábitos, novos lugares, novas pessoas, que podemos refletir a respeito de Prince. Para ele, o tipo físico pode informar sobre os “tipos” que frequentam o restaurante:

“Um senhor magro, de longas suíças, que seriedade...” (p.25)

“Olha ali uma mulher bastante bonita; nem morena, nem loura; na verdade, ar elegante; deve ser alta: é a mulher desse homem calvo que está de costas; ou antes, sua amante; ela não tem jeito de mulher legítima;” (p.26).

“Esse gordo advogado que está comendo deveria me informar. Talvez ele não seja advogado nem tabelião.” (p.27).

“Como é irritante jantar sempre no mesmo restaurante! Ninguém aqui com quem falar; ninguém para ver; nenhuma mulher; um monte de senhores chiques de meia-tigela, eles vêm aqui por indigência; arruinados; depois, são advogados do interior que acreditam estar no Bignon”(p.31).

A “mulher bastante bonita” do segundo trecho acima citado provoca nele o desejo de encontrá-la. E ele articula várias possibilidades de encontros: onde seria, a que horas, o que levar enquanto espera a “mulher” no local pensado. Antes da decisão do que fazer, “ um pouco de vinho”. Ele se vale da palavra escrita:

“Meu porta-cartões; um cartão com meu endereço, isso é mais conveniente; o porta-lápis; muito bem. O que escrever? Um encontro para amanhã. Devo indicar várias possibilidades. Se o advogado soubesse do que estou me ocupando, o honesto advogado!”. (p.28).

De fato, ele não sabe se o senhor é advogado nem se é honesto. E aí a linguagem se exibe com todos os pormenores de um bilhete para marcar o encontro. E como “descrever” não atingiria o objetivo de todos os recursos que o escritor usou para esse trecho, transcrevemos somente o que faz Prince depois do bilhete já escrito:

“Rasgo-o; em dois, o cartão; ainda mais uma vez em dois; isso soma quatro pedaços, ainda em mais dois, dá oito; ainda em dois; aí, ainda; não tem mais jeito. E agora não posso jogar esses pedacinhos no chão; seriam achados; preciso mastigá-los um pouco. Irra! É nojento.”(p.29).

Ele engole o encontro marcado, mas não combinado com ela. Ele engole com dificuldade o que seria uma possibilidade de encontro com uma mulher bonita e desconhecida.

O segundo capítulo termina praticamente com o mesmo texto do primeiro. Isso se deve ao cartaz que Daniel Prince vê na entrada do restaurante e, na saída, quando fechada a porta, é o mesmo cartaz que aparece. Eis os trechos, dos dois capítulos, respectivamente:

“No interior, as luzes, o reflexo dos vermelhos e dourados; a rua mais escura; nos vidros, vapor. ‘ Jantar a três francos...caneca de cerveja, trinta centavos.” Léa jamais quereria jantar lá. Entremos. Entremos.”(p.23).

“...as portas grandes, maciças, com espelhos; um garçom abre a porta para mim; boa-noite; faz frio; abotoemos meu sobretudo; é o contraste com o calor de dentro; o garçom fecha a porta; “canecas de cerveja, trinta centavos... jantar a três francos”(p.32).