• Nenhum resultado encontrado

PARTE II – NAS ENTRANHAS DA GUERRA

4. Tensões pré-guerra: o outro

A humanidade acaba nas fronteiras da tribo, do grupo lingüístico, por vezes mesmo, da aldeia;

a tal ponto que um grande número de populações ditas primitivas se designam por um nome que significa os “homens” (ou por vezes – digamos com mais discrição -, os “bons”, os

“excelentes”, os “perfeitos”), implicando assim que as outras tribos, grupos ou aldeias não participem das virtudes – ou mesmo da natureza – humanas, mas são, quando muito, compostos por “maus”, “perversos”, “macacos terrestres”;

ou “ovos de piolho.

Claude Levi-Strauss (1980, p. 4)

A violência legítima disputada no metacampo do SJC é algo transitivo, é essencialmente relacional, só pode ser pensada adequadamente em relação a quem – sobre quem – ela será exercida. O esforço analítico empregado pelas ciências sociais para compreensão da violência em termos sociológicos é fundamentalmente empírico, portanto, é inescapável a questão empírica – e não jurídica – sobre quem essa violência é desejada, racionalizada e exercida. A análise jurídica recorre a abstratividade da norma penal para refletir sobre seus efeitos, portanto, é abstratamente que se define as condutas proibidas e punidas pelo direito penal, somente com um esforço analítico das ciências sociais é possível escapar a essa racionalidade própria e autopoiética. Cabe à sociologia verificar as regras e dinâmicas implícitas na configuração da violência pública, sobre determinadas pessoas, grupos ou populações específicas.

Ao que parece há algo elementar no inimigo, naquele visto com perigoso a uma determinada ordem social, naquele capaz de contaminar a sociedade com impurezas. Ao que parece as formas e efeitos da rotulação de determinados indivíduos, grupos e características como perigoso, deriva das formas de organização social, seguindo exatamente a lógica, já apresentada, do controle social (cf. BERLATTO, 2008; MORAES; BERLATTO, 2013). A relação ordem/conflito parece ser a peça central para se aproximar das dinâmicas que envolvem a criação, as formas de controle social e os efeitos que decorrem do inimigo social, esse outro

imagético e que serve como um dispositivo para a fronteira moral. Esses fenômenos são comuns às sociedades humanas, no caso brasileiro, destacarei a partir do período da 1ª República do Brasil, também chamada de República Velha, porém, é impossível acessar essa dinâmica da ordem na 1ª República sem verificar os efeitos remanescentes e centrais da escravidão negra.

A construção do outro de quem devemos ter medo, no Brasil, apesar das generalidades, guarda muitas particularidades, entre elas, o seu aspecto nevrálgico na construção do Estado e sua burocracia jurídica/policial. Gosto de insistir em uma lição sociológica, na qual não há acaso nos fenômenos, ou melhor, até há o acaso e casualidades que geram situações e fenômenos sociais específicos, porém, não há acasos em seus feitos. Inútil pensar na gênese ou qual fenômeno antecede qual, se o inimigo é criado e assim surgem as formas burocráticas institucionais de se lidar com ele; se as instituições burocráticas são criadas, aí temos a criação do inimigo. Certo é que ambas, se levadas e tratadas de forma rígida, estão equivocadas, como se trata de um processo relacional, há um embaraço em ambos fenômenos e é impossível prever de forma totalizante quem dá início. A lei, normalmente, vem após os fatos que regula, porém, ao regular gera novos efeitos, ressignificações e racionalidades novas, portanto, pelo caráter atualizável, fluído e dinâmico das relações sociais, isso parece ser pouco efetivo aos fins científicos. Porém, é possível notar os efeitos – e em alguns casos são bastante gerais, comuns – desse processo, entre eles a construção de uma sociabilidade específica – sociabilidade violenta (cf. MACHADO DA SILVA, 2004) – e o silenciamento, o emudecimento.

A demanda de ordem!

Uma conclusão bastante genérica, incapaz de esclarecer os detalhes e minucias da realidade per si, porém, ainda assim, com uma grande potência reflexiva e por isso antecipada é que: as noções do que é considerado crime em uma determinada sociedade deriva das demandas de ordem dessa sociedade. Poderia com a devida análise refletir sobre as relações possíveis entre crime, desvio e tabu e a suas relações com a forma de organização social específica; ou ainda refletir sobre a relação sociedade/indivíduo, e ainda, o Estado; porém ao que me parece, a noção de controle social permite adequar e conjugar essa dinâmica de forma mais relacional, afinal, a “‘ordem social’ não é instintiva nem espontânea, senão que descansa no controle social, cujo produto é. Posto que a sociedade não pode existir sem ordem, e o controle social é um elemento imprescindível da realidade social”, conforme reflete Gurvitch

(1965, p. 247, tradução livre229) a partir da obra The Grounds of control do sociólogo norte-americano Edward Alsworth Ross. Essa visão mais intencional, reguladora, premeditada que Ross (1901) pontua busca verificar a contribuição que a sociedade dá à ordem social através da afirmação intencional de um ascendente social. Esse desejo, caminho social – ascendente – é por vezes entendido como a mais alta apreciação ética ou normativa em uma escala de valores, ou por vezes, pode ser a obrigação de se adaptar-se, uma pressão, interferência ou estímulo através de instituições reguladoras – religião social, ideais pessoais, cerimoniais, arte, compreensão, ilusão – que podem ser utilitaristas, desprovidas de ideal, baseadas em instinto de conservação, e através de meios escolhidos deliberadamente para certos objetivos (cf.

GURVITCH, 1965).

O controle social não é um ‘suporte da ordem’ e tampouco um mecanismo de

‘progresso’, porque ambos são construções não científicas de nossa imaginação;

enquanto o controle social pertence a realidade social. O que de um ponto de vista constitui a ‘ordem’, de outro constitui a ‘desordem’, e os pontos de vista trocam incessantemente dentro de uma sociedade e inclusive dentro dos mesmos grupos que ela contém. (GURVITCH, 1965, p. 261, tradução livre230)

Nessa reflexão é importante não desassociar as relações de indivíduo/sociedade231, assim, o controle social não é um guia para sujeitos exilados da vida social organizada, mas assim, o próprio efeito de criação e organização social, ao contrário do que afirma Ross, não se pode pensá-lo exclusivamente como modo de preservação ou modelo, pois ele é o próprio processo social, seja na rebeldia contra as instituições ou em sua defesa, em suma, há um aspecto infraconsciente e consciente do controle social, há aspirações e valores porém não necessariamente intencionais. Há valores, prenoções, representações coletivas compartilhadas que dialogam e são correlatas com as representações individuais, ambas operam dentro de um senso prático e um conformismo moral que dá conta das ações cotidianas e rotineiras da vida (DURKHEIM, 2003). Portanto não se trata de impor uma ordem social aos indivíduos, nem um mecanismo que arruma o indivíduo para viver em sociedade, mas sim, ...

O controle social está vinculado com as situações de tensão, conflito e rebeldia, característica tanto da vida social como da individual; (...) se caracterizam por uma luta permanente entre os níveis de interiorização, grupos, modelos regras, valores,

229 “‘[...] orden social’ no es instintivo ni espontâneo, sino que descansa em el control social, cuyo produto es.

Puesto que la sociedade no puede existir sin orden, el control social es um elemento imprescindible de la realidad social”.

230 “El control social no es um ‘soporte del orden’ y tampoco um mecanismo de ‘progresso’, porque ambosno son sino construcciones no científicas de nuestra imaginación; mientras que el control social pertenece a la realidad social”.

231 Uma falsa dicotomia como apontam diversos autores (BOURDIEU, 2004a; BOURDIEU; CHAMBOREDON;

PASSERON, 2015; ELIAS, 1994d).

ideias e ideais, porém não por um conflito real entre a sociedade e os indivíduos (GURVITCH, 1965, p. 262).

É essa característica que torna o controle social um conceito importante, tanto para investigações de caráter macrossociológico quanto microsociológico – como por exemplo as análises de Howard Becker e Erving Goffman –, e é justamente por isso que há um pluralismo nas modalidades e órgãos de controle social na sociedade, assim, como há uma pluralidade de conflitos inerentes as realidades sociais. Conflitos esses que são inerentes as realidade, “toda a interação entre os homens é uma sociação” (SIMMEL, 1983, p. 122), mesmo aquelas mais tensas e de rivalidade, até mesmo as belicosas (CLASTRES, 2004). Assim, seguindo essa mesma vertente central na tese, as formas de controle social são interacionais, desenvolvidas a partir das interações entre seres humanos, e depois, inevitavelmente, a partir da relação entre público e o individual. As políticas públicas, p.e., são formas de controle social monopolizadas pelo Estado, através do já discutido problema público e da função pública – que também varia e é tão plural quanto as demais formas de controle social; elas também são tão diferentes e plurais nos seus efeitos e distante dos estatutos, leis, publicidade e dos devires muitas vezes pautados de boas intenções. Esses “cruzados morais” (BECKER, 2009a) se importam com a criação de novas moralidades, e caso sucesso, na melhor das hipóteses, suas intenções de salvar, proteger, impor valores, transformam-se em lei. Essa é a vitória da cruzada. Essa inclusive é destacada por Ross como “a pedra angular do edifício da ordem, a ferramenta mais perfeita e a mais especializada do controle social a serviço da sociedade” (GURVITCH, 1965). Becker (2009) também destaca o aspecto relacional da construção dos sentidos, e entre eles o desvio social, e também, na forma com que as regras são construídas a partir de uma lógica relacional, de uns para outros.

Desta forma, o controle social pensado a partir de políticas públicas consolidadas em leis, além das questões imanentes ao Estado e ao Público, é resultado de um processo de interação, ainda que coletivo, em que há um desequilíbrio simbólico e material da posição dos grupos sociais e étnicos e o acesso ao campo do poder. Aí está a valorização destacada por Gurvitch sobre a análise do E.A. Ross, pois, naquele tempo sobretudo, a regulamentação da vida, comportamentos civis e proscritos estavam em seu auge. Como já destaquei, foi no século XIX que se desenvolve plenamente o nosso corpo judiciário, e assume maior importância e autonomia, principalmente para a segurança jurídica comercial – através de contratos jurídicos – no Brasil (NEVES, 2007). E sim, parece correto em afirmar que ela – ao menos até então –, a lei, é o aspecto mais especializado de controle social, a serviço daqueles que a monopolizam e dispõem. É através dela que se pode cristalizar, tornar rotineiro, regular, é um dos principais

elementos da formação do Estado moderno (cf. BOURDIEU, 2014). No Brasil há a expressão popular: “é de cedo que se torce o rabo”, para referenciar, justamente a necessidade controlar e regular o comportamento dos mais jovens, a lei é ainda anterior, e ainda mais coercitiva.

A escravidão negra no Brasil parece ser um ponto importante para começar essa espécie de arqueologia do inimigo. A instituição da escravidão negra nasce depois da própria escravidão e a sua progressiva demanda vai refinando e especializando as formas de controle social, sobre a população negra e escrava ao longo do tempo, principalmente, a partir das leis e instituições correlatas. A escravidão que é algo perene e variável ao longo da história, assume diversos nomes e formas, encontra sua face mais perversa, ampla e violenta na escravidão negra na América, em especial no Brasil e sul dos Estados Unidos da América e traz algumas reflexões importantes. Primeira delas é que a história se arrasta, há muito mais continuidade, reprodução dos elementos nucleares dos fenômenos sociais, do que rupturas e mudanças radicais, portanto, a escravidão negra na América não foi – como venho insistindo – casual, não surgiu aleatoriamente, ela é a consequência da história humana que convive com essas práticas e que vem desenvolvendo uma forma de pensar, um senso-prático, comum, ético, estético, sobre elas.

Legislações sobre a escravidão são algo constante, regulando os empregos, alforria, diferenciação entre escravos e demais classes/estamentos, e assumiu muitos nomes – servidão, escravidão servil, escravidão casus belli, escravidão étnica, escravidão negra, entretanto, a despeito dessa pluralidade, o que permite unificar todas elas na categoria da escravidão são 3 características destacadas por Davis (2001)232. A primeira é o ser humano ser propriedade de outro, e aí é possível deduzir a pluralidade jurídica dos povos e a sua repercussão nessa relação ao longo da história humana, essa é uma prática que se encontra desde a idade antiga até o século XXI, que existia em modalidade servil, nos interiores da Grã-Bretanha até o século XVIII. Portanto a capacidade, direitos, deveres, tabus, as relações sociais com a “propriedade”, até mesmo a possibilidade eliminação, castração e exercício da violência, são apenas algumas das inúmeras possibilidades dessa primeira característica233.

232 Esse texto e a relação da escravidão negra no Brasil com a segurança pública foi analisada em mais detalhes em uma pesquisa realizada em conjunto com o Pedro Bodê e Marcelo Bordin (SOUZA et al., 2018).

233 Entre outros conceitos interessantes vale apena aqui destacar a noção de dominação de Max weber: “Dominação denominar-se-á a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo em dadas pessoas” (WEBER, 2010, p. 102); Patterson (2008, p. 19–20) refletindo através da noção de dominação de Max Weber afirma que “a escravidão é uma das formas de relação de dominação mais extremas, tocando os limites do poder total, do ponto de vista do senhor, e de impotência total, do ponto de vista do escravo”. Em que pese a abismal diferença de poder entre o senhor e seu escravo a noção de “impotência total” nos parece inadequada, uma vez que nos impossibilita pensar a riqueza dessas interações, os escravos ainda que com toda a canga de sua instituição criavam e articulavam através de complexas estratégias formas peculiares de resistência, sobrevivência e reconhecimento dentro desse espaço social. Maria Helena Machado (2014, p. 67) cita um tratado proposto ao

É necessária ainda a sujeição, ou seja, que é a vontade de estar submetida à autoridade de seu proprietário, o desejo dele seria o desejo do escravo. Só poderia se casar, sair, comprar, efetuar qualquer atividade pela vontade de seu senhor e os eventuais espaços de liberdade que ele teria seriam concedidos pelas benesses do seu dono. Essa é uma caraterística, também, comum na relação de cunho patriarcal234, estendendo a incapacidade, vontade – muitas vezes, regulada civilmente em leis – às mulheres, crianças, ou seja, pessoas com estatuto de livres, porém não plenas de direitos. Essa castração da vontade e do desejo repercute, certamente, nas formas de controle social, ao longo da história pode-se notar o impedimento de casar, ter filhos, praticar cultos religiosos. Cria-se assim, uma fronteira moral a partir do menoscabo, do olhar com desprezo, da incapacidade permanente e por isso perigosa, cujo resultado vê-se em formas institucionais e difusas de controle social que estabelece o outro e seu lugar de fala. Ainda que seja alvo de uma luta simbólica inerente ao próprio processo de interação social, é claramente desigual no acesso as relações de gerar saber e verdade e com isso uma relação de poder. Essa fronteira moral é vista ainda hoje através das diversas formas de controle social que promovem o silenciamento e o sujeitamento de determinados grupos e populações235 brasileiras. Quem pode falar, crianças, mulheres, não podem falar perto de homens adultos, não podem falar de negócios e de guerra; escravos, servos, pessoas de estamento inferior não podem dirigir a palavra aos senhores – e aqui senhores tornam-se os brancos ou os grupos dominantes –, ou se é permitido interferir e conversar com um senhor será sobre a mais restrita organização estética de subalterno, e para isso, para essa postura a violência – simbólica e física – é necessária permanentemente:

Basicamente arrogante e indigno de confiança, o africano exploraria a menor fraqueza ou tolerância de seu senhor e, a não ser que fosse mantido com devida submissão, insurgir-se-ia em uma revolta armada. Severidade excessiva também poderia provocar insurreição, mas somente o constante medo de punição induziria os escravos a trabalharem no campo sob o sol quente. (DAVIS, 2001, p. 203)

Senhor Manuel da Silva Ferreira pelos seus escravos que elucida bem essa questão: “Os atuais feitores não os queremos, faça eleição de outros com nossa aprovação”.

234 Em algumas definições exige-se para que se configure que o escravo esteja fora da relação familiar, pois essas características são muito frequentes nas relações patriarcais (DAVIS, 2001, p. 49).

235 São frequentes os exemplos atuais sobre a fronteira moral e distinção criada nas práticas cotidianas. Se considerarmos o fenômeno do “rolezinho” nos shoopings (cf. CALDEIRA, 2014; MORAES, 2014; PINHEIRO-MACHADO; SCALCO, 2014) e a representação social sobre o local na cidade que esses jovens devem ocupar;

ou ainda os inúmeros casos de linchamentos no Brasil (cf. MARTINS, 2015) e nos Estados Unidos – sobretudo antes de 1964 com a conquistas dos direitos civis norte-americanos, o que todavia, não eliminou a questão – como no famoso caso do jovem Emmet Louis Till assassinado por paquerar uma jovem branca em 1955 (DUVERNAY, 2016); Ainda retomando ao século XIX no Brasil a proibição da capoeira e de outras práticas comuns entre os negros brasileiros, entre elas a proibição do uso da maconha (BARROS; PERES, 2011; MACRAE; SIMÕES, 2003; SAAD, 2013). Ainda como referência vale apena a consulta ao livro “Vida Sob Cerco” do Professor Luiz Antônio Machado da Silva (2008) para perceber as barreiras morais impostas as comunidades periféricas do Rio de Janeiro.

Com isso chegamos à 3ª característica que é a coerção como meio de obtenção de serviço e trabalho. Não há dúvidas que a coerção e diversas formas de violência eram estratégias permanentes, nem sempre físicas, porém, sempre presentes, de tal maneira que, em alguns casos, havia internalização da dominação236, aceitação e até mesmo comprometimento com a ordem, alguns até mesmo assumindo a posição de feitor gerando conflitos mortais (MACHADO, 2014). Orlando Patterson237 apresenta outras características para a escravidão, que em certa medida são convergentes com essa já apresentada, incluindo, porém, os aspectos simbólicos da obediência, de uma noção de poder legitimo. Aqui é possível retornar às formas de controle social através das políticas públicas organizadas por leis; note-se, portanto, que as leis e instituições que organizam a escravidão – física e simbolicamente – surgem após a própria prática da escravidão, e isso torna dóxico, mais comum, ordinário, e por isso, mais forte a intensão e seus resultados, transformando força em direito, tornando a obediência comum, um dever. Já coerente e racionalizado nas leis e no complexo das instituições da escravidão negra no Brasil, assim é possível ter maior clareza sobre as demandas da sua época. Essas demandas podem estar inicialmente ocultas em discursos e dispositivos específicos, p.e., o início da escravidão negra – que difere das demais pela reconfiguração das dinâmicas de poder a partir da noção racial –, inicialmente se justificava não apenas pela guerra e resgate – em suma os portugueses alegavam que resgatavam os escravos das guerras entre os povos africanos, sendo assim, como contraprestação estaria a escravidão, porém, o argumento étnico – escravo por ser negro – ainda não era vigente. Logo, a justificativa que passou a importar era a da fé, os infiéis africanos deveriam e poderiam ser submetidos à escravidão, a partir dos referenciais elencados filósofos medievos aristotélicos, tais quais Tomás de Aquino. Aí surgiu um problema, pois, se os filhos dos escravos precisam continuar a ser escravos e a fé era a justificativa, como continuar com ela se os escravos e seus descendentes poderiam se converter à fé cristã? A etnia passa a ser o dispositivo empregado para essa finalidade, a pele negra passou a ser a própria “cor do pecado”, “com essa mudança sutil na definição (...), substituindo a base da escravidão, fundada na diferença religiosa, pela origem étnica” (DAVIS, 2001, p. 123), foi possível organizar uma estrutura ampla de controle social. A identificação, que antes era feita por marcas, tatuagens,

236 Uma sociabilização de dominado, ou seja, o obediente, aquele já disciplinado a uma resposta automática e esquemática de uma ordem (WEBER, 2010); como Winston naquilo que tornou fatidicamente seu fim: “Mas agora estava tudo em paz, tudo ótimo, acabada a luta. Finalmente lograda a vitória sobre si mesmo. Amava o Grande Irmão” (ORWELL, 2009).

237“A relação de poder tem três facetas. A primeira é social e envolve o uso ou ameaça de violência no controle de uma pessoa por outra. A segunda é psicológica da influência, a capacidade de persuadir outra pessoa a fim de mudar o modo como ela concebe seus interesses e circunstâncias. E a terceira é a faceta cultural da autoridade,

‘os meios de transformar força em direito, e obediência em dever’, os quais, de acordo como Jean-Jacques Rousseau, os poderosos pensam serem necessários ‘para garantir-lhes dominação permanente” (2008, p. 20).

mutilações dos que tinham status inferior, passa a ser pela cor negra, permitindo uma generalização e eficácia dos dispositivos de controle da população negra.

Pode-se dizer que as discussões sobre a segurança pública no continente Americano

Pode-se dizer que as discussões sobre a segurança pública no continente Americano

Documentos relacionados