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A tentativa de consolidar uma nova cultura no cotidiano escolar: as políticas

3 SITUANDO AS TRANSFORMAÇÕES OCORRIDAS NA SOCIEDADE E

3.1 A tentativa de consolidar uma nova cultura no cotidiano escolar: as políticas

Nas últimas décadas do século XXI houve uma (re) atualização da Teoria do Capital Humano3 no campo educacional representada pela Pedagogia da Qualidade Total. Esse formato pedagógico instituído nas escolas corresponde ao incentivo à competitividade e à qualidade que permearam os processos de ensino-aprendizagem na busca de formar esse

3 Corresponde, em síntese, à capacidade de acumulação do conhecimento por parte dos indivíduos, tornando

competitivo, onde o conhecimento e a educação são promotores da igualdade social, uma estratégia neoliberal para desencadear uma corrida pelo conhecimento tornando-o mais um produto para o mercado. Aprofundamento ver Tomaz Tadeu, 1994.

aluno para o mercado de trabalho. Essa pedagogia se traduziu em nossas escolas de forma heterogênea, mas, convergia para a forma de tratar o próprio aluno como produto.

Essa confirmação é sustentada por Apple quando reforça que o alicerce dessa postura pedagógica “[...] é uma visão dos alunos como capital humano. O mundo é intensamente competitivo em termos econômicos, e aos alunos em sua condição de futuros trabalhadores devem ser dadas qualificações e disposição para competir eficiente e efetivamente”. (APPLE, 2003, p. 45). Como se verifica, esse contorno dado pela pedagogia da qualidade total favorece a visão de que a escola se limita a preparar o aluno para o trabalho, ajudando a qualificar a mão de obra para atuar com eficiência.

Sobre esse aspecto buscamos traçar uma reflexão mais específica a partir de alguns condicionantes que irão repercutir na cultura escolar, dentre eles, aqueles que estão associados à reorganização dos estados nacionais às novas formas de convivência global e suas implicações nas atuais políticas educacionais. Paludo (2001, p. 155), ao analisar essa reorganização mundial, certifica que “está suficientemente claro que as reformas educativas propostas articulam-se às reformas propostas para o Estado, no sentido de transformação do seu papel, e para o conjunto das políticas sociais neste momento do projeto de modernidade”.

Certamente a autora alerta para as implicações resultantes do novo modelo de acumulação capitalista, da adequação às novas tecnologias da informação e da comunicação, para as questões culturais e suas formas de manifestação e a forma como estas interferem na ação do Estado quando, diante da nova lógica, tenta reestruturar todo seu conjunto estatal a fim de adequá-lo ao atual contexto. Essa intencionalidade, consequentemente, irá provocar a redefinição de um contíguo de ações (políticas).

Essa configuração que marca o atual cenário deriva de acontecimentos que vêm direcionando o mundo no último século, sobretudo aqueles relacionados à reorganização do capital. Essas derivações que atendem às necessidades produtivas do mundo moderno foram devidamente denunciadas por alguns autores como Anderson (1995); Boron (1995); Therborn (1995), quando sugerem que a adequação do novo capitalismo, o neoliberalismo, irá incidir em todo o tecido social. Esse novo modelo de capitalismo lançou-se em meados do último século num processo acelerado, impulsionando inúmeras transformações em áreas como das comunicações, telecomunicações, tecnologias e de serviços, implantando um conceito de busca incessante de qualidade nos serviços cobrados pelo rótulo de eficiência, eficácia e instituindo a competitividade como forma de manter o mercado aquecido, além da completa liberdade de trânsito comercial entre as fronteiras nacionais e internacionais.

Igualmente, é preciso registrar que as transformações ocorridas ultrapassaram o campo da economia, tecnologia e comunicação e se proliferam com grande impacto no campo cultural e ideológico aonde as mudanças foram se espraiando num outro tempo e perspectivas, que Böron (1995) irá destacar como principal êxito desse projeto:

[...] não só impôs o seu programa, mas também, inclusive, mudou para proveito seu o sentido das palavras. O vocabulário ''reforma”, por exemplo, que antes da era neoliberal tinha uma conotação positiva e progressista – e que, fiel a uma concepção iluminista, remetia a transformações sociais e econômicas orientadas para uma sociedade mais igualitária, democrática e humana – foi apropriado e ''reconvertido'' pelos ideólogos do neoliberalismo num significante que alude a processos e transformações sociais de claro sinal involutivo e antidemocrático. (BORON, 1995, p. 11).

Os termos involutivo e antidemocrático denotam, do ponto de vista do autor, que não houve avanço dentro de uma perspectiva democrática; há efetivas situações que nos comprovam que o conceito propagado se insere num contexto que visa garantir poder de compra, acesso aos bens de consumo e o reforço à lógica acumulativa, fatores de sustentação da falsa liberdade defendida pela democracia do modelo capitalista que estão completamente comprometidos com o mercado e com a liberdade enquanto opção individual. Para Apple o “neoliberalismo transforma a própria ideia que temos de democracia, fazendo dela apenas um conceito econômico, e não um conceito político”. (APPLE, 2003, p. 22).

Parece claro que a trajetória traçada pelos neoliberais é guiada por um mapa que liga democracia ao mercado (economia); que liga liberdade ao individualismo e ao consumidor; que liga ética ao lucro, e todo esse conjunto tem a intenção de fixar sua base na educação que tem o papel, do ponto de vista neoliberal, de torná-lo natural e essencial para o sucesso profissional dos estudantes. Dessa forma, a educação e a escola são vistas como organismos estratégicos de manutenção dessa lógica que condiciona Estados, Instituições e Pessoas à “ética do lucro” (APPLE, 2003, p. 23). Deixando claro que essa ideia de lucro plantada pelos neoliberais possui uma abrangência que extrapola o ganho do dinheiro (espécie); esse conceito envolve concorrência e competitividade que são conceitos (princípios) defendidos pelos adeptos dessa teoria.

É usar um discurso e uma prática que se distancia dos princípios democráticos que preservam sentidos de igualdade, de cooperação e solidariedade, utilizando-a para um atendimento particular que desconstrói não só o valor epistemológico e etimológico, mas também o seu valor histórico e político. A democracia neoliberal deixa de ter uma conotação política e passa a ser amplamente utilizada para se inserir mais facilmente no dia a dia das

pessoas com outro conceito, a democracia econômica. Apple nos adverte para esse novo sentido da democracia quando denuncia sua utilização com a ideia de “consumidor”, cuja “liberdade de escolha do consumidor” é a garantia da democracia que essa perspectiva defende (APPLE, 2003, p. 45).

Outro conceito utilizado pelos neoliberais é o de liberdade. Para os liberais clássicos a liberdade estava associada à garantia da vida privada e dos interesses pessoais (a família, a religião e, sobretudo, a atividade econômica) da interferência do Estado. Com os movimentos progressistas, o conceito de liberdade foi se organizando em torno de questões “como liberdade de expressão, direitos trabalhistas, segurança econômica, direito das mulheres, controle de natalidade e controle do próprio corpo, direito a uma educação realmente igualitária” (APPLE, 2003, p. 18). Essa ideia de liberdade aprofundou-se e transformou-se ao longo do tempo; à medida que seus conceitos eram ampliados foram aproximando-se da cultura do consumo que se alargava com o mesmo alcance.

A liberdade passa a ser entendida como sinônimo de mercado. Apple (2003) ao citar Hayek, pai intelectual do neoliberalismo, enfatiza o entendimento de liberdade defendido pelos adeptos desse modelo econômico: “a verdadeira liberdade só pode surgir de uma combinação de poder político descentralizado, governo extremamente limitado e mercados desregulamentados” (APPLE, 2003, p. 18). Como vimos, a nova forma do capitalismo atuar não tem uma conotação apenas em seu sentido econômico, suas ideias ultrapassam essa dimensão e repercutem com forte poder ideológico e social influenciando pessoas e instituições que Anderson (1995) descreve da seguinte forma:

Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, ao contrário, o neoliberalismo conseguiu muitos dos seus objetivos, criando sociedades marcadamente mais desiguais [...]. Política e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito num grau com o qual seus fundadores provavelmente jamais sonharam, disseminando a simples ideia de que não há alternativas para seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se a suas normas (ANDERSON, 1995, p. 23).

É perceptível a concordância de vários pesquisadores, inclusive de Böron (1995) e Anderson (1995), ao tratar da força ideológica do neoliberalismo na atual conjuntura e suas estratégias para se manter e influenciar. No trecho exposto percebemos sinais que indicam como as ideias neoliberais repercutem na dinâmica social cuja prevalência dos princípios que norteiam esse projeto passa a fazer parte do cotidiano das pessoas e das instituições. Nesse aspecto, verificamos que os pontos conceituais desse ideário como consumismo, mercado e

lucro são direcionados em muitos dos aspectos a partir das experiências das organizações privadas para as organizações estatais. Os mecanismos de mercado como competitividade, proatividade, concorrência, redução de custos passam a fazer parte dos novos processos gerenciais introduzidos nas instituições públicas.

Esses processos são técnicas gerenciais voltadas para a eficiência e eficácia, ideologias que visam entre outras intencionalidades, instalar nas instituições públicas a cultura da iniciativa privada traduzida na forma de organizar os processos, de estabelecer metas de produtividade, de moldar comportamentos alicerçados na competitividade. Sendo a intenção modificar o espaço público, percebemos implicações que irão contradizer o próprio sentido da esfera pública, para nós entendida como espaço de democracia e resistência (GIROUX, 1993). Em se tratando dos aspectos gerenciais, o gerencialismo é um mecanismo de matriz organizacional e de mercado formado por um conjunto de ações tecnicamente operacionais que visam instaurar procedimentos na rotina administrativa das organizações, redefinindo as fronteiras entre o público e o privado. Esse mecanismo, que é indicador de qualidade, tem origem na prática das organizações pertencentes à iniciativa privada cujo processo de gestão está associado às determinações da ideologia liberal4. Essa forma de gerir tem se inserido e proliferado dentro das instituições governamentais que utilizam seus métodos para atualizarem seus processos, a fim de tornar as instituições mais eficientes e eficazes. Visto desse ângulo, parece soar como algo que favorecerá em todos os aspectos o andamento das nossas instituições, algo que parcialmente acreditamos que sim, entretanto, nosso questionamento ultrapassa a adequação aos aspectos operacionais e esbarra na padronização, na submissão a um modelo posto e na nossa falta de capacidade de mudarmos a partir da nossa própria autoavaliação.

Defronte das críticas que consideram as instituições públicas ineficientes, pesadas, lentas e dispendiosas, o Estado passou a importar práticas e modelos empresariais mais modernos de gestão, como mecanismo de controle baseados no dinamismo, produção, produtividade, proatividade; enxugamento dos gastos, redução de pessoal, menor salário, foco no resultado.

As práticas de privatizações inicialmente empregadas para a adequação rápida ao novo modelo econômico foram substituídas por práticas capazes de modificar o ambiente cultural das organizações, adequando-as para responderem às imposições de um sistema político-

4 Ideologia da Liberdade. Apresenta-se como defensora da liberdade e tem como prerrogativa principal a

diminuição do poder do estado pra aumentar a liberdade dos indivíduos. Através da liberdade de mercado as potencialidades humanas seriam estimuladas em benefício da sociedade.

econômico global que ancora suas intervenções na justificativa de que as instituições públicas são ineficientes, portanto, precisam ser transformadas. Sob esse pano de fundo, o modelo gerencial passa a ser um modelo de gestão capaz de responder às demandas das organizações; portanto, os profissionais precisam de uma formação que os adeque a esse modelo.

No caso da educação brasileira, o gerencialismo ficou evidente através da institucionalização de algumas iniciativas inauguradas pelo governo federal através do Ministério da Educação (MEC), especificamente materializadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais, no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE, 2007), no Programa Escola de Gestores (2005), que vem profissionalizando diretores para atuarem nas escolas, nas Avaliações em larga escala como o antigo Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB, 1992), Prova Brasil (2005), Provinha Brasil (2008), que visam adequar o ensino às competências e habilidades requeridas para esse contexto social. E outras iniciativas que foram se proliferando em todo o Estado brasileiro, influenciadas ou não por modelos que se propagaram pelo território, caso do município de João Pessoa com a criação do Prêmio Escola Nota Dez (2009).

Outras variáveis das ações políticas importantes de serem analisadas e que têm chamado atenção de diversos pesquisadores é a ação dos organismos internacionais, cuja estratégia de ação resulta no fortalecimento da cultura do mercado e da ideologia gerencialista.

3.2 As agências executoras que implementam as políticas e tentam formar uma nova