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2 – A TENTATIVA DE KANT PARA SOLUCIONAR O PROBLEMA DO ERRO NO ÂMBITO DA INFLUÊNCIA DESPERCEBIDA DA IMAGINAÇÃO

I CAPÍTULO

2 – A TENTATIVA DE KANT PARA SOLUCIONAR O PROBLEMA DO ERRO NO ÂMBITO DA INFLUÊNCIA DESPERCEBIDA DA IMAGINAÇÃO

Após termos apresentado a imaginação e a questão do erro, segundo sua influência despercebida sobre o entendimento, faremos uma análise do que foi apresentado e mostraremos o que Kant propõe para sanar o erro segundo este modo de aparência.

A análise até aqui nos possibilita afirmar que, para Kant, o erro nasce de um ato sub- reptício (Sonhos de um Visionário, II 344), ou seja, que na esfera do sentido interno mistura- se “deslumbramento com verdade”, em que uma “sensação espiritual efetiva” é projetada para o exterior, segundo as “silhuetas das coisas” sensíveis. Num movimento em que a imaginação, desvinculada de uma das formas das faculdades de conhecimento, a sensibilidade, produz, por intermédio dos esquemas, imagens para a subsunção ao entendimento.

Há uma pergunta pertinente colocada pelo próprio Kant Nos sonhos que propõe uma distinção entre as ações da imaginação no que se refere à produção do erro e à produção do conhecimento: qual a diferença entre o movimento dos nervos na constituição das fantasias e na constituição das sensações? Vejamos o que ele próprio responde nos Sonhos de um

Visionário:

[...] a principal diferença do movimento dos nervos nas fantasias com relação ao mesmo na sensação consiste em que as linhas diretrizes do movimento se cortam, no primeiro caso, dentro do cérebro, mas, no segundo, fora dele; assim, porque o focus imaginarius, no qual se representa o objeto, é posto fora de mim no caso das sensações claras do estado de vigília e o das fantasias, que porventura eu tenha ao mesmo tempo, é posto dentro de mim. [...] (II 345).

Na constituição das fantasias, o jogo da imaginação se dá refletido no âmbito do cérebro, e as representações são constituídas com base simplesmente nas condições subjetivas. É um movimento pelo qual o sujeito reflete sobre “as características de sua própria constituição” (Sonhos de um Visionário, II 344) e sobre as representações de seu estado

interno, que se voltam para um fim: apresentar-se como objetos externos dados pela intuição sensível.

Se há uma distinção elaborada por Kant entre uma fantasia e uma sensação, resta-nos responder como o engano é possível. Duas passagens de Kant podem nos dar uma chave de leitura para a compreensão disso:

[...] a imaginação, que fornece a matéria ao entendimento para proporcionar a seus conceitos um conteúdo (para o conhecimento), parece lhes proporcionar realidade em virtude da analogia entre suas intuições (fictícias) e as percepções reais. (Antropologia § 28).

Antes de o artista poder constituir uma figura corpórea (como que palpável) ele precisa tê-la construído em sua imaginação, e essa figura é então uma ficção que, quando involuntária (como nos sonhos), se chama fantasia e não pertence ao artista; mas quando regida pelo arbítrio é denominada composição, invenção. (Antropologia § 31).

Se as representações produzidas pela imaginação para a subsunção aos conceitos puros do entendimento tiverem por substrato os dados sensíveis, elas expressarão a contribuição da imaginação para o processo de conhecimento; mas, ao contrário, como afirma Kant, se sua produção for involuntária, elas serão a nítida expressão da imaginação como faculdade produtora de fantasias, de ilusão (empírica) e de erro. O caráter de involuntariedade é a chave para que possamos pensar a operação da imaginação que resulta na influência despercebida sobre o entendimento e, conseqüentemente, no julgamento errôneo.

Essa assertiva é assombrosa, pois denuncia o caráter de fragilidade a que o entendimento é constantemente submetido, uma vez que, segundo Kant (Antropologia, § 31), se nós “jogamos freqüentemente e prazerosamente com a imaginação” seja nas construções matemáticas e nas artísticas, seja nas múltiplas possibilidades de conhecimento da natureza, resta que não somos tão senhores de nós mesmos, uma vez que a “imaginação (enquanto produz as fantasias) também joga tão freqüentemente e às vezes muito inoportunamente conosco”. Poderemos pensar este jogo da imaginação, conforme Kant, segundo um duplo aspecto: se ela joga com o sujeito ao dormir, ela possibilita o sonho, que é salutar para a sua vitalidade; mas, se joga com o sujeito quando acordado, ela revela o seu estado doentio.

Após apontarmos os modos segundo os quais a imaginação exerce uma influência sobre o entendimento, resta-nos saber como é possível a correção do erro no âmbito da aparência empírica. A resposta a essa questão é surpreendente e serve como chave de leitura

para a compreensão da diferença entre a influência despercebida da imaginação e a influência despercebida da sensibilidade sobre o entendimento, (que estudaremos no próximo capítulo). Vejamos que resposta Kant dá à questão:

[...] uma ilusão coerente dos sentidos é um fenômeno de todo muito mais notável do que o engano da razão, cujos fundamentos são suficientemente conhecidos, podendo ser em grande parte evitados por uma direção voluntária das forças do ânimo e um pouco mais de sujeição de uma curiosidade vazia, ao passo que aquela ilusão dos sentidos atinge o fundamento primeiro de todos os juízos, contra o qual, estando errado, pouco podem as regras da lógica! (Sonhos de um visionário II 360-1).

Para Kant a “doença do fantasista não diz respeito propriamente ao entendimento, mas à ilusão dos sentidos”. Pois, nenhum raciocínio o poderá eliminar, uma vez que para ele a sensação dos sentidos precede a todo e qualquer juízo. Para Kant não será uma reflexão das condições e dos limites das faculdades de conhecimento que poderá pôr fim a este modo de erro – podemos tomar tal afirmação como justificativa do porque ele faz na Crítica da Razão

Pura um estudo da influência despercebida da sensibilidade sobre o entendimento e na

introdução à Dialética expõe as razões de sua recusa em tratar, na Crítica, o problema da influência despercebida da imaginação sobre o entendimento. A correção só será possível na medida em que o sujeito for “reconduzido ao mundo exterior”, o mundo da experiência, o que para ele se dará ao criarmos uma disposição para que a “ordem das coisas” se apresente aos sentidos. Poderemos também pensar, segundo Lebrun, que este tipo de erro resulta de um juízo prematuro que não se preocupa com as “deformações perceptivas”, e a este modo de erro “basta o saber da coisa” para que ele cesse, isto é, para que sejamos reconduzidos à ordem das coisas (mundo exterior).

II PARTE

A

INFLUÊNCIA DESPERCEBIDA DA SENSIBILIDADE SOBRE O

I - CAPÍTULO

A INFLUÊNCIA DESPERCEBIDA DA SENSIBILIDADE NA DISSERTAÇÃO DE