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1. DAS ORIGENS DO PROTESTANTISMO AO NEOPENTECOSTALISMO

1.6. A Igreja Universal do Reino de Deus: origem, organização e Teologia

1.6.1. A Teologia Iurdiana

Ferrari (2007) afirma que a principal característica da IURD é focar nas carências dos grupos menos privilegiados da sociedade, dando-lhes, sob o prisma da religião, esperança de uma vida melhor, ao mesmo tempo em que se apropria de elementos presentes no imaginário cultural da população para embasar sua teologia. Sendo assim, o pilar da Teologia Iurdiana é a crença de que todas as mazelas na vida do homem, desde a pobreza até as mais diversas doenças, são causadas por maus espíritos, os quais podem ser expulsos dos corpos das pessoas pelo pastor, tornando-as livres, prósperos e felizes. Para Macedo, “[...] os demônios são os responsáveis por todos os males que afligem a humanidade. Doenças, misérias, desastres e todos os problemas”. (MARIANO, 2014, p. 114). Devido ao fato de a cultura brasileira ser permeada por símbolos religiosos e sincréticos, a IURD utiliza elementos da cultura popular e crenças existentes no imaginário do povo, aproveitando-se dos medos mitológicos e lendários já muito presentes na tradição oral brasileira. Desse modo,termos como “olho gordo”, “azar”, “encosto”, “assombração” e “espíritos malignos” são incorporados pela Teologia Iurdiana e ressignificados, de modo a justificar as mazelas sociais, que podem ser mudadas por meio da fé.

Dessa forma, encontrado o suposto causador dessas mazelas, a IURD vende a solução para elas, que consiste na expulsão dos demônios causadores do mal na vida do homem. Ela se aproveita, então, do medo e das carências do povo, vendendo-lhe a esperança de uma vida melhor, o que pode ser considerado uma das explicações para sua rápida expansão no território brasileiro. Destacadas as características fundamentais da IURD, é importante compreender que esses elementos têm como alicerce o trinômio iurdiano: cura, libertação e prosperidade, sobre o qual discorreremos a seguir.

Ferrari (2007) afirma que é sob o prisma do trinômio cura, libertação e prosperidade que a IURD constrói seus ritos, suas simbologias, suas normas eclesiásticas, os objetivos da igreja e os modos de ver e experimentar o mundo e o sagrado. Para Edir Macedo, as reflexões teológicas são mera perda de tempo e só servem para causar divisão e prisão a determinadas linhas teológicas. Sendo assim, a IURD se dispõe a ser uma igreja mais pragmática, que propõe solução imediata para os problemas práticos do dia a dia, pois, para ela, o Cristianismo não é religião, mas vida, e vida com abundância. Partindo desse pressuposto, o corpo possui papel de destaque, pois

É nele que o exorcismo, a cura e a prosperidade manifestam e revelam a força de Deus. No organismo humano, ocorre a complexa interação das forças físicas e

espirituais. A partir daí, enquanto o pentecostalismo e as tradições religiosas históricas têm compreensão puritana e dualista (corpo-espírito), a IURD faz o resgaste do valor corporal na prática religiosa. Entra em concordância com a sociedade hedonista que veicula, pelo marketing e pelo consumo, o zelo e cultivo das vaidades pessoais, e o usufruir, o prazer e a liberdade. Enfim, o curtir a vida. (FERRARI, 2007, p. 123).

Assim, compreendendo a unidade corpo-espírito, as doenças passam a possuir perfil espiritual, sendo tidas como “[...] invasão no físico do sagrado pervertido”. (FERRARI, 2007, p. 124). Por isso, a cura para as doenças vem por “exorcismo, descarrego, milagres, terapias [...], unção pelo Espírito Santo”. (FERRARI, 2007, p. 124). Nos cultos da IURD, estão sempre “expulsando”, “queimando” e “amarrando” os demônios, causadores de todo mal que aflige os humanos e responsáveis pelas atitudes “pecaminosas” dos homens – tudo isso por meio da fé em Jesus. Nesses rituais, a IURD acaba, conforme Ferrari (2007), reafirmando os cultos, as devoções e as práticas de outras religiões as quais tanto procura combater. Um bom exemplo disso é o uso de objetos de outras religiões que são ressignificados, como o sal grosso, a arruda, entre outros. Sendo assim, se todo mal é causado pela ação do demônio nos corpos humanos, é imprescindível que sejam expulsos da vida dos fiéis por meio do exorcismo, primeiro pilar do trinômio iurdiano.

O exorcismo parte da ideia de que existem os céus, onde habitam Deus e seus anjos; o inferno, morada dos demônios; e a Terra, criada por Deus e entregue aos homens, onde também ocorre uma guerra entre Deus e os demônios, pela qual o vencedor conquista o ser humano. Por meio do exorcismo, então, os homens são libertos da força do demônio que aflige sua alma. Nesse sentido, a libertação é o primeiro passo para entrar em uma vida de prosperidade e abundância. Para isso, os fiéis são submetidos aos rituais de exorcismo, nos quais, conforme Ferrari (2007, p. 128), há uma encenação de uma batalha, em que os possessos “[...] manifestam-se de modo enigmático. Declaram vozes estranhas e metáforas contidas no imaginário e no inconsciente conflituoso”. Enquanto isso, o pastor e toda a igreja guerreiam contra o demônio a partir de palavras de ordem: “a coletividade reunida projeta-se realizando uma catarse grupal, um simbólico linchamento e um sacrifício que vitima o espírito maligno incorporado”, sempre ocorrendo, no fim, a vitória do Cristo sobre o demônio, que é expulso. Nessas sessões, o demônio recebe a denominação de algumas entidades das religiões afro- brasileiras, tais como Pomba-gira, Maria Padilha, Preto Véio, Zé Pilintra, Exu Caveira, entre outros.

É importante ressaltar, porém, que nem todas as pessoas se manifestam dessa forma teatral. Aquelas que não o fazem assim são exorcizadas indiretamente, por meio de toda riqueza ritualística da IURD, que “amarra” todos os demônios, mesmo sem a manifestação exterior.

Isso se dá pela oração forte do líder que ordena a expulsão de todo o mal. Para Ferrari (2007, p. 128), a pessoa possessa “[...] certamente já tinha, em seu arcabouço de vida, interiorizada uma gama de problemas que, no ritual provocativo, acabam aflorando de maneira descontrolada”. Tal afirmativa se justifica mediante o fato de que tudo no culto colabora para o aguçamento das emoções: as músicas, as orações e, para além disso, a figura mitológica do Diabo e suas metáforas estão presentes em muitos momentos do culto e possuem espaço privilegiado, sendo afloradas e recriadas a todo momento, até culminar no exorcismo em si.

Aliada ao exorcismo, está a cura divina. Partindo da ideia de que as doenças podem ser causadas pela possessão de demônios, a expulsão desses resulta na cura dos fiéis. A doença pode ser física ou mental, mas sempre é justificada pela presença de seres malignos, e, dessa forma, a IURD oferece soluções fáceis, seja através de exorcismos, seja de objetos simbólicos provenientes de outras religiões e reinterpretados, como água benta, galhos de arruda, óleo ungido, sabonete purificador, lenços, rosas ungidas e outros elementos. Desse modo, são construídas uma noção de esperança e a crença de que, por meio da fé, tudo é possível. Somados às pregações e orações apelativas e emocionais, estão os testemunhos de fiéis, que relatam a cura de inúmeras doenças por força da fé e do ensino na igreja. Essas práticas mexem com o lado emocional das pessoas e o despertam, estabelecendo um espaço de escuta, aceitação e elaboração de aspectos da psique dos membros, o que, segundo Ferrari (2007), propicia os fenômenos de cura. Sobre isso, Campos (1999, p. 352 apud FERRARI, 2007, p. 131) afirma que “[...] o culto pentecostal é uma prestação de serviços terapêuticos aos que não têm acesso econômico ou cultural às terapias oficiais da medicina, psicoterapia e psiquiatria”.

Por fim, convém discorrer a respeito da prosperidade, elemento muito importante na Teologia Iurdiana. Nesse sentido, é importante destacar que o desejo de obtenção de bens financeiros por meio de divindades sempre existiu nas mais variadas religiões, conforme aponta Weber:

Do ut des é o dogma fundamental, por toda parte. Esse caráter é inerente à religiosidade cotidiana e das massas de todos os tempos e povos e também de todas as religiões. O afastamento do mal externo e a obtenção de vantagens externas, ‘neste mundo’, constituem o conteúdo de todas ‘orações’ normais, mesmo nas religiões extremamente dirigidas ao além. (WEBER, 2002, p. 293).

Todavia, o que chamamos de “Teologia da Prosperidade” atualmente designa um conjunto de afirmações que pontuam “ser legítimo ao crente buscar resultados, ter fortuna, enriquecer, obter favorecimento divino para sua vida material ou simplesmente prosperar, alcançar a vitória”. (GONÇALVES, 2013, p. 85). Esse tipo de ensino surgiu nos EUA, na década de 40, também conhecido como “confissão positiva”. Ele reúne um conjunto de crenças

sobre cura, prosperidade e poder da fé, mas só se tornou um movimento doutrinário ao longo dos anos 70, quando firmou raízes nos grupos carismáticos dos EUA e, sob a liderança do pastor Kenneth Hagin, difundiu-se para inúmeros países. Com Oral Roberts, foi acrescentada a noção de “vida abundante” e, a partir daí, essa Teologia não parou mais de crescer, chegando ao Brasil ainda nos anos 70.

Buscando justificativa em textos isolados da Bíblia, a Teologia da Prosperidade, na verdade, não passa de produto do capitalismo que domina a maioria das nações industrializadas, mas atinge também as nações pobres. Ela é o produto de nosso próprio tempo e lugar – o tempo capitalista – e é, sem dúvida, uma reflexão não preocupada com a espiritualidade das pessoas, mas com a procura de privilégios e da autopreocupação de certos líderes religiosos, que estimulam insensibilidade e exploram as injustiças sociais presentes no mundo, bem como tiram vantagem de pessoas pouco instruídas desesperadas por uma solução. Entre as igrejas que adotaram a Teologia em questão, está a IURD. É uma reflexão que, feita não à luz da Bíblia, mas da procura de privilégios, estimula a insensibilidade diante da injustiça presente no mundo. A prosperidade está na base da IURD, que fomenta no fiel uma ardente expectativa de enriquecer. Na visão da igreja, a riqueza material é a prova da manifestação da presença de Deus na vida do crente e um direito garantido do cristão. Com esse discurso, a fé iurdiana apresenta um Deus escravo dos desejos dos fiéis e, caso estes não alcancem o sucesso, a culpa não é de Deus e menos ainda da igreja, mas do próprio membro, que não teve fé o suficiente. Essa crença baseia-se na ideia de que a expiação do Cordeiro (Jesus Cristo) libertou os homens não só da culpa pelo pecado, mas também das maldições da miséria e da enfermidade nesta vida, garantindo a salvação na segunda vida.

Em suma, para a IURD, o verdadeiro cristão é liberto dos espíritos maus e, assim, é abençoado financeiramente e livre de doenças. Contudo, para obter todos esses benefícios, é necessário o sacrifício financeiro. Para estimular a ideia de existência de uma relação de troca entre o homem e Deus, segundo o que se pode afirmar que o crente doa para, só então, poder receber, a igreja enfatiza fortemente a necessidade de dízimos e ofertas em todos os cultos. Vejamos o que diz o bispo Edir Macedo a esse respeito:

Quando damos o dízimo, Ele (Deus) fica na obrigação (porque prometeu) de cumprir sua palavra, repreendendo os espíritos devoradores que desgraçam a nossa vida, atuando em doenças, acidentes, vícios, degradação social e em todos os setores da vida humana. (MACEDO, 2005, p. 95).

Essa visão rompe com o Protestantismo inicial, o qual se baseava na cruz, na piedade e na humilhação, a fim de conquistar a redenção futura da alma na vida pós-morte. Desse modo,

a IURD “promete a possibilidade da prosperidade na terra com paraíso de riquezas e, depois, a salvação no céu”. (FERRARI, 2005, p. 134). A seguir, descrevemos de que modo a IURD desenvolve seus cultos alicerçados no trinômio cura, libertação e prosperidade.