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3. Revisão bibliográfica

3.6. Teor de éster no biodiesel

Como visto, o biodiesel é uma mistura de ésteres alquílicos de ácidos graxos, obtidos a partir da reação de transesterificação de glicerídeos (óleos e gorduras) com alcoóis de cadeia curta na presença de um catalisador. Desta maneira, a determinação do teor de ésteres é o fator mais importante na avaliação da qualidade deste combustível.

A EN 14103 utilizada para a quantificação do teor de éster é uma norma européia. Esta foi desenvolvida para análise de biodieseis oriundos de oleaginosas encontradas na Europa, as quais apresentam em sua composição ácidos graxos com cadeias carbônicas predominantemente entre C14:0 e C24:1. Além disso, em seu escopo a norma contempla apenas a quantificação de biodieseis metílicos, largamente produzidos em todo o mundo nos processos de transesterificação para a obtenção de biodiesel.

Em trabalho publicado em 2006, Schober, Seidl e Mittelbach 57 questionaram a aplicabilidade da EN 14103 para biodieseis metílicos com cadeias carbônicas entre C8:0 e C24:1. Eles constataram que ao utilizar na análise cromatográfica (GC) uma programação de temperatura diferente do que é sugerido pela EN 14103, foi possível visualizar o pico do padrão octanoato de metila (C8:0), e a partir disto quantificar biodieseis metílicos que apresentam cadeias carbônicas a partir de C8:0 em sua composição. Deve-se ressaltar que tais estudos foram realizados utilizando apenas biodieseis metílicos.

A limitação mais crítica para a utilização da EN 14103 na análise de biodiesel produzido no Brasil é o uso do C17:0 metílico como padrão interno, biodieseis contendo tal éster em sua composição, já são produzidos em larga escala industrial e estão inseridos no mercado nacional. É o caso do sebo bovino que representava, em julho de 2009, 14,6 % da matéria prima para produção de biodiesel no Brasil (Figura 4), enquanto que a quantificação de ésteres nessa matriz é questionável, pois ela contém ésteres com cadeias carbônicas C17:0 em quantidades significativas na sua composição.

Figura 4: Matérias primas para produção de Biodiesel no Brasil - Julho/09

(fonte: Casa Civil da Presidência da República)

A variabilidade de matérias primas utilizadas para a produção de biodiesel no Brasil, incluindo desde diversos tipos de óleos vegetais, gorduras animais e OGR, gera questionamentos quanto a aplicabilidade da EN 14103 para realizar a avaliação dos biodieseis produzidos e comercializados no território nacional.

De modo geral, a escolha da matéria-prima para a produção de biodiesel no Brasil, varia com a região geográfica, com sua disponibilidade e viabilidade econômica; o biodiesel de babaçu, devido à grande disponibilidade no mercado é um desses casos 58. O óleo de babaçu é caracterizado pela predominância de ésteres de cadeias curtas a partir de C8:0 até C24:1.

O álcool predominantemente utilizado em todo o mundo é o metanol, motivo pelo qual a EN 14103 prevê apenas a quantificação de ésteres metílicos, enquanto que o Brasil é grande produtor de etanol no mundo. Diante destas considerações, é importante que exista uma metodologia cromatográfica alternativa à EN 14103 que atenda as necessidades imediatas do mercado nacional.

Numa tentativa de contornar as limitações da EN 14103 em 23/10/2009 foi publicada a NBR 15764 (Biodiesel – Determinação do teor total de ésteres por cromatografia gasosa) 59. Num primeiro momento, tal norma se apresentou como a

solução para os problemas quanto à quantificação de ésteres de biodieseis produzidos a partir de diferentes tipos de matrizes e alcoóis. Apesar da NBR 15764 permitir a determinação do teor de ésteres com cadeia carbônica a partir C8:0 até C24:0, inclusive C17:0, utilizando padronização externa, esta norma apresenta uma limitação ainda mais crítica quando comparada com todas as limitações da EN 14103. A NBR 15764 determina o clorofórmio como solvente das amostras, tal solvente é incompatível com o detector (CG-DIC) utilizado nas análises. Substâncias que possuem átomos de cloro em sua estrutura, quando queimados na chama do detector, produzem o ácido clorídrico, que pode promover a corrosão no detector. Esta corrosão pode provocar uma diminuição do desempenho do detector, ou até provocar a necessidade de substituição do mesmo. Isto dependerá obviamente do número de análises e da quantidade de cloro introduzido; em análises de rotina de grande quantidade de amostras, a NBR 15764 pode se tornar inviável 60.

Na literatura, alguns trabalhos reportam o uso da cromatografia para análise da qualidade do biodiesel. Na análise de glicerol e ésteres metílicos são encontrados trabalhos que utilizam cromatografia em camada fina 13, cromatografia líquida de alta

eficiência (CLAE), que é inclusive empregada no monitoramento de processos produtivos 14, 61, 62 e cromatografia gasosa (CG) 15. No entanto, trabalhos que

envolvem a avaliação de normas ainda são escassos 57.

Artigos recentes descrevem também o uso do Near-IR e/ou MID-IR para a quantificação de ésteres metílicos em misturas com óleo diesel (BX), combinados com regressões por PLS 63-67. Outros artigos descrevem o uso do NIR combinado

com PCA, PCR e PLS, para determinação de teores de ésteres, índices de iodo, pontos de entupimento de filtro a frio, viscosidades cinemáticas, massa específica, metanol e água em biodieseis metílicos 2, 68, 69. Outras técnicas como espectroscopia de RMN 70-72, RMN combinada com PCA 73, análise termogravimétrica e análise termogravimétrica acoplada à espectroscopia de massas 74 também são utilizadas na avaliação da qualidade de biodiesel. Vale ressaltar que os estudos relacionados com caracterização do biodiesel se restringem quase que exclusivamente a biodieseis metílicos, o que nos encorajou a desenvolver o presente trabalho envolvendo biodieseis etílicos. Por outro lado, até o alcance de

nossos conhecimentos, não existem estudos sobre quantificação, com base na EN 14103, de ésteres etílicos com cadeias carbônicas a partir de C8:0 e que apresentem cadeias carbônicas C17:0 em sua composição.

Como no Brasil há um grande número de fontes de óleos adequadas a sua produção, o biodiesel a ser comercializado no território nacional será, certamente, uma mistura de diferentes matrizes. Assim, podemos observar a importância de realizar avaliações e adaptações das condições da EN 14103, que permitam quantificar de maneira adequada, não somente ésteres metílicos, como também etílicos, com cadeias carbônicas a partir de C8:0 até C24:1 e que contenham o C17:0 em sua composição, como é o caso de “blends” de biodieseis produzidos no Brasil. O presente estudo foi desenvolvido em um laboratório cujas atividades são desenvolvidas de acordo com os requisitos da NBR ISO/IEC 17025:2005, tendo inclusive alguns ensaios acreditados pelo INMETRO.

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